Imagine uma escola que o aluno só paga quando – e se – conseguir um emprego com salário a partir de R$ 3.500. Assim funciona a Trybe, startup criada em agosto com o objetivo de ensinar tecnologia e preparar profissionais para as crescentes vagas do mercado digital. As primeiras turmas são de Belo Horizonte e São Paulo, mas a expectativa da empresa é estar em dez cidades até o final de 2020. A escola é apenas uma das possibilidades de formação na área, em que candidatos com diplomas universitários disputam espaço com estudantes de cursos online de curta duração.
O curso da Trybe é destinado tanto a estudantes de computação quanto a pessoas que querem iniciar ou mudar de carreira e não entendem nada sobre o assunto. O único pré-requisito é ter idade a partir de 18 anos e vontade de aprender – é preciso participar de um processo seletivo. “Só vamos dar certo como negócio se os alunos derem certo como profissionais. Se eles não tiverem sucesso e melhorarem de vida, não é justo que paguem”, diz o CEO da Trybe, o mineiro Matheus Goyas. Quem opta por pagar durante o curso, que tem 12 meses de duração, ganha desconto na mensalidade.
Além de conteúdos técnicos que preparam os estudantes para atuar na área de desenvolvimento de software, a escola trabalha competências comportamentais. Para facilitar o caminho dos alunos até o mercado de trabalho, a startup está firmando parcerias com empresas de tecnologia ou que têm a tecnologia como ponto estratégico – oito já mostraram interesse em contratar os estudantes após a formação.
“Esses profissionais têm oportunidade em todo tipo de empresa. Empresas exclusivamente digitais precisam investir em profissionais capacitados, e as que não são precisam investir em transformação digital. Todas as empresas têm de reconhecer que, para terem mais performance, terão de investir em tecnologia”, pontua Goyas.
O estudante de análise e desenvolvimento de sistemas Douglas Eduardo Silveira, 36, está considerando abandonar a faculdade e se dedicar exclusivamente ao curso: “Vamos sair disputados pelas empresas”.
Possibilidades
No Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI), além de pós-graduação, são oferecidos cursos rápidos online relacionados a segmentos em alta, como cibersegurança e inteligência artificial.
Uma pesquisa interna da instituição aponta que cerca de 90% dos profissionais reconhecem ter carência de conhecimento em relação a alguma tecnologia emergente a ser aplicada em sua rotina de trabalho nos dois meses seguintes, mas apenas 35% deles buscam adquirir as competências necessárias. “Quando há escassez de demanda, o profissional busca qualificação para uma vaga. Mas, quando há volume muito grande de demanda, em muitos casos, o profissional não se preocupa com capacitação. E essa área exige capacitação constante, porque as tecnologias mudam muito rapidamente”, avalia o diretor acadêmico do IGTI, Guilherme Neves Cavalieri.
Segundo ele, diante da dificuldade de contratar pessoal, empresas têm buscado o instituto para qualificar, treinar e selecionar profissionais para elas. “As empresas estão desesperadas buscando profissional. Algumas das áreas mais aquecidas são segurança cibernética, arquitetura de software e ciência de dados”, diz.
Na CodeBuddy, a ideia é ensinar tecnologia desde cedo. A rede de escolas oferece cursos de programação e robótica para alunos de 7 a 16 anos. “O propósito é que eles usem a tecnologia para se tornarem cidadãos globais e possam trabalhar em qualquer ambiente usando a tecnologia a seu favor”, explica o diretor da CodeBuddy, Eduardo Honzak. A escola tem 45 unidades no país, 13 delas em Minas, e viu o número de alunos triplicar nos últimos 12 meses.
Formação deve chegar à escola
A atualização curricular do ensino médio profissionalizante e superior e a introdução de tecnologia nas escolas devem ser prioridade para a redução da carência de profissionais do setor, avalia o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Sergio Paulo Gallindo.
Segundo dados da entidade, 420 mil profissionais de tecnologia serão demandados até 2024 no país, uma média de 70 mil pessoas por ano. No entanto, a cada ano, o país forma 46 mil pessoas com perfil tecnológico no ensino superior. “Temos um déficit de formação importante e estamos com currículos obsoletos, grades curriculares inadequadas. Estão ensinando coisas que não são demandadas hoje”, pontua.
De acordo com Gallindo, diante desse cenário, as empresas estão mudando os padrões de contratação e retirando duas exigências das vagas: curso superior completo e fluência em inglês. “Começamos a ter pessoas formadas em cursos livres em instituições com qualidade reconhecida. Essa mudança de paradigmas está acontecendo”, diz.
Para Gallindo, o Novo Ensino Médio, que vai contemplar uma Base Nacional Comum Curricular e itinerários formativos (disciplinas e projetos que os estudantes poderão escolher), deve incluir a tecnologia de comunicação e informação com foco em tecnologias digitais. “Precisamos atrair o interesse do jovem”, diz Gallindo. “Quanto mais gente trabalhando, mais o Brasil se torna competitivo”, completa.
Google oferece bolsa para certificado
As gigantes da tecnologia também estão oferecendo cursos para profissionais e interessados na área. Em setembro, o Google criou o Certificado Profissional de Suporte em TI para preparar alunos para um trabalho de nível básico em suporte de TI. O curso custa US$ 19, mas a empresa está oferecendo mais de 2.000 bolsas no Brasil. No Google Cloud, há mais de 40 treinamentos online, com diversos temas na área.
A Microsoft lançou neste ano a plataforma de ensino AcademIA, que disponibiliza 12 módulos gratuitos sobre inteligência artificial. “A IA vai trazer uma nova dinâmica ao mercado de trabalho, criando posições que hoje não existem. Os profissionais que se capacitarem terão mais condições”, diz Vera Cabral, diretora de educação da Microsoft Brasil.