Difícil encontrar quem tenha ficado satisfeito com o índice de reajuste de 9,63% para os planos individuais e familiares, anunciado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nessa segunda-feira (12). Os consumidores tiveram que “engolir” mais um aumento em seu orçamento, após as contas de luz e água ficarem mais caras neste ano. As entidades que representam o setor, por sua vez, acham que o índice anunciado pela ANS é insuficiente para tapar o rombo das empresas, que tiveram um prejuízo operacional de cerca de R$ 10,7 bilhões em 2022, número retificado em maio pela agência.
Para a Associação Nacional das Administradoras de Benefícios, o reajuste estabelecido pela ANS está defasado, comprometendo o reequilíbrio dos contratos. “Nós entendemos que pode ser um problema sério daqui por diante. É um dos motivos porque as próprias operadoras deixam de comercializar os planos individuais. Elas não conseguem enxergar nos reajustes anunciados os índices que possam recompor o prejuízo do último exercício”, explica Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da ANAB. Ele explica que o aumento é para o que já foi gasto e não uma previsibilidade para arrecadação futura.
Toledo observa que, nos últimos anos, a ANS vêm incorporando uma série de tratamentos e exames em seu rol taxativo, que lista as coberturas obrigatórias dos planos, que aumentaram expressivamente as despesas das empresas. Ele lembra, por exemplo, que o Zolgesma, medicamento para crianças com atrofia muscular espinhal, cuja a dose custa R$ 6,5 milhões, foi incorporado à saúde suplementar em fevereiro. “Isso pode deflagrar a falência de pequenas operadoras. A conta não fecha. Os planos vão começar a se concentrar em meia dúzia de grandes operadoras e só a classe alta vai pagar por isso. O resto vai para o SUS, que já não tem capacidade de comportar como está. É um tiro no pé”, resume o presidente da ANAB.
Dados mais recentes da ANS, de 2021, mostram que os planos de saúde cobriram mais de 1,6 bilhão de procedimentos, entre consultas, exames, internações, terapias e cirurgias. Segundo um levantamento da FenaSaúde, que representa as maiores operadoras de saúde do país, de março de 2020 a fevereiro de 2023, a saúde suplementar viabilizou mais de 585 mil internações por Covid e 9,2 milhões de atendimentos de telessaúde.
Na avaliação da FenaSaúde, é preciso revisar a atual fórmula de reajuste. Para Vera Valente, diretora-executiva da entidade, o índice fica descolado do avanço real dos custos porque a fórmula não considera parâmetros importantes como sinistralidade das carteiras, a diferença entre modalidades de negócios, a regionalização de produtos, o fim da limitação de terapias e a velocidade da incorporação de procedimentos e medicamentos na lista de coberturas obrigatórias.
A entidade lembra que, em 2020, o reajuste de planos individuais e familiares foi negativo (- 8,19%) e, em 2021 teve teto de 15,5%. “Com o reajuste anunciado de 9,63%, a média considerando os últimos três anos foi de 5,64%. No mesmo período, a média de aumento do IPCA (índice de inflação oficial) foi de 6,79%”, analisou a entidade em nota.
Para Idec, consumidor está pagando por má gestão das operadoras
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), mais uma vez a agência reguladora empurra para os clientes o problema de gestão das operadoras do setor. As empresas, por sua vez, reclamam da inflação da saúde, instabilidade regulatória, aumento da judicialização e da ocorrência de fraudes contra os planos, que alcançaram recordes em 2022.
Segundo o Idec, o reajuste aprovado pela ANS é quase 67% maior do que o valor da inflação acumulada em 2022 (5.78%). Além disso, o instituto justifica que os prejuízos alegados pelas operadoras devido à maior sinistralidade foram abatidos com os lucros das aplicações financeiras a partir das altas taxas de juros.
“Vemos o cenário se repetir. Após o maior aumento da história aplicado no ano passado, mais uma vez registramos reajustes elevados autorizados pela ANS, em um momento de inflação bem menor, sem que os rendimentos dos consumidores tenham crescido no mesmo ritmo. Na prática, o consumidor, que no ano passado pagou mais de R$ 238 bilhões às operadoras de planos em mensalidades, acaba custeando tanto os serviços contratados quanto os prejuízos gerados por problemas de gestão”, afirma a Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec.
Para Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da ANAB, as operadoras já vêm implementando soluções para baratear os planos e torná-los mais acessíveis, lançando opções familiares, de coparticipação e para pequenas e médias empresas. “A portabilidade, sem necessidade de cumprir carência, também dá empoderamento para o consumidor se movimentar em outros tipos de planos”, acrescenta.
A FenaSaúde, por sua vez, informa que tem intensificado uma série de ações para coibir as fraudes, que tem um grande peso nos custos atuais das operadoras. Ampliação de recursos tecnológicos, como biometria, e campanhas de conscientização aos consumidores estão sendo implementadas.
Câncer é a doença campeã de custos
Segundo dados da Mercer Marsh Benefícios, do Estudo Tendências Médicas Globais, de 2019, o câncer é a doença mais onerosa para os planos de saúde. Recentemente, a FioCruz e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) anunciaram uma cooperação técnica para desenvolver novos produtos e incorporar tecnologias que facilitem o tratamento do câncer e diminuam os custos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados da pesquisa também podem, futuramente, ser aplicados na saúde suplementar.
Segundo informações do governo federal, divulgadas pela Fiocruz, só em 2022, as despesas na área de saúde em tratamento oncológico foram de R$ 4 bilhões, divididos em tratamento ambulatorial (77%), cirurgias (13%) e internações (10%). Houve um aumento médio de 402%, de 2018 a 2022, no custo médio dos procedimentos de tratamento do câncer, segundo o estudo 'Quanto custa o câncer?', da agência.