ECONOMIA

Sem dinheiro para plano de saúde, famílias vão para a fila do SUS

Ao todo, 105,9 mil usuários de planos individuais ou familiares cancelaram seus serviços entre setembro de 2020 e o mesmo mês de 2021

Por Rafael Rocha, com colaboração de Tatiana Lagôa
Publicado em 28 de janeiro de 2022 | 00:01
 
 
 
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Desempregada, sem plano de saúde e mãe de dois filhos, Jéssica Santos está agoniada. Sem saber quando sua vez vai chegar, a moradora de Belo Horizonte aguarda uma vaga para a realização de um exame de alta complexidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O paciente é seu filho de 9 anos, que teve uma convulsão e precisa do procedimento para ter um diagnóstico mais preciso. Jéssica e a família tiveram que cancelar o plano de saúde no ano passado devido à crise financeira acompanhada por uma inflação retumbante.

Assim como ela, milhares de brasileiros da classe média têm tido dor de cabeça por causa do aumento no custo de vida. Um dos efeitos colaterais é o cancelamento do plano de saúde. Ao todo, 105,9 mil usuários de planos individuais ou familiares cancelaram seus serviços entre setembro de 2020 e o mesmo mês de 2021. É o equivalente a uma queda de 1,2% na carteira dessa modalidade de clientes, segundo dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Na modalidade cooperativa médica, segmento com a maior cartela de usuários, a queda acumulada em sete anos no número de clientes foi de 7,1%. 

“Temos visto famílias mais pressionadas do ponto de vista de renda. É normal essa redução, porque tem a inflação que está corroendo a renda familiar, aí tem que cortar em algo. O cenário é um pouco mais difícil”, explica o superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais.

O peso sobre a renda, alegam essas famílias, vem do desemprego, seguido pelos preços que apontam para o alto. Na casa de Jéssica, perder o plano de saúde foi um dos episódios de uma novela desagradável. Ela teve que tirar os filhos da escola particular bilíngue. Na transferência para a rede pública, um deles perdeu o ano. Jéssica foi demitida, a empresa do marido faliu, e ele virou motorista de Uber. “Agora ficamos à mercê de surgir uma vaga para descobrir o que meu filho tem, enquanto o menino toma um remédio controlado sem ter um diagnóstico fechado”, reclama.

A professora de inglês Júlia Guimarães recusou esperar e foi vencida pelo cansaço. Ela diz que a demora para marcar uma simples consulta para o filho na rede pública tem sido tão grande que ficar parada não é uma opção. “O SUS aqui funciona muito bem, porém nessa época de verão está o caos”, diz a mineira, que mora em Guarapari, no Espírito Santo. Para buscar tratamento da alergia que o filho apresentou, ela teve que pagar uma consulta particular. Em momentos de desespero, até automedicação a professora já praticou – algo não recomendado pelos médicos. A família não consegue mais arcar com os gastos do plano de saúde, cancelado no ano passado. Todos na casa tiveram sintomas gripais, mas não foi possível fazer o teste de Covid-19 ou influenza. “Fui tentar fazer, e não havia mais senha. Acho que não tem enfermeiros e testes suficientes para atender a população”, protesta.

Os casos de Jéssica e Júlia são parte de um amplo contexto formado pelos planos de saúde no Brasil. Apesar da inegável pressão inflacionária que coloca o bolso das famílias na UTI, o segmento como um todo está em recuperação. Isso porque os planos individuais e familiares representam uma fatia menor do mercado (18,4%), enquanto os contratos corporativos, aqueles feitos por empresas para atender seus funcionários, ocupam 68,7% do total. 

Empresas reclamam da alta dos gastos

As empresas do ramo de saúde reclamam do aumento dos gastos durante a pandemia, especialmente no ano passado. Foi quando procedimentos eletivos – cirurgias que não são urgentes, por exemplo – puderam ser retomados. A alta taxa de ocupação de leitos hospitalares no primeiro semestre também ajudou a elevar as despesas dos planos de saúde e, consequentemente, diminuir o lucro, segundo elas alegam. 

“O financeiro não foi bom, não foi um ano fácil. A pandemia aumentou drasticamente os custos por causa do Covid”, resume o superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais.

Segundo dados da entidade, apesar de os planos individuais e familiares terem tido baixas, os planos empresariais registraram bom desempenho. “O plano de saúde deriva muitas vezes do vínculo empregatício. Como na pandemia teve política de manutenção dos empregos, que bem ou mal funcionou, o mercado de trabalho cresceu, e o de planos de saúde também”, diz. Graças a essa carteira de clientes, depois de cinco anos de queda, o setor de planos de saúde passa por um momento de crescimento – é leve, mas existe.

 Entre setembro de 2020 e o mesmo mês de 2021, os planos médico-hospitalares registraram alta de 3,3%, alcançando 48,6 milhões de beneficiários. Para 2022 a expectativa é continuar crescendo e atrair mais 1 milhão de novos beneficiários. 

A reportagem questionou a Unimed-BH, uma das grandes operadoras do setor, sobre os números de inadimplência e cancelamentos. Por meio de nota, a empresa informou que o maior impacto foi nos planos individuais, devido à aplicação de reajuste negativo definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para o ano de 2021 - o índice foi de -8,19%. A empresa não revelou o tamanho desse impacto. A Unimed-BH também disse que está passando por outro momento complicado. Com o aumento nos casos de sintomas gripais e Covid, as unidades de saúde estão registrando “dificuldade no suprimento de insumos” para testes, “o que seguramente acarretará uma alta dos custos com a assistência”, finalizou o comunicado.

Demanda por plásticas cai 40%

Um setor do ramo da saúde que não é tão resguardado assim é o da cirurgia plástica. O segmento tem registrado perdas, e a previsão é de queda na demanda em cerca de 40% para o início deste ano. A estimativa é de Vagner Rocha, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – Regional Minas Gerais.

Com isso, lipoaspirações e implantes mamários, por exemplo, estão sendo adiados. O movimento pegou de surpresa os cirurgiões plásticos, que esperavam que iriam continuar manipulando seus bisturis no mesmo ritmo positivo visto em 2021, quando muita gente aproveitou o trabalho remoto para fazer aquele procedimento estético adiado há tempos. “O movimento havia aumentado porque havia uma demanda reprimida de 2020, em função da pandemia, e a facilidade do paciente estar em casa e poder se recuperar”, diz Rocha. 

Mas os preços de itens usados em intervenções cirúrgicas, como anestésicos, começaram a subir, o que gerou uma gordurinha em torno de 10% no valor dos procedimentos estéticos, o que aparentemente afastou a freguesia. “As pessoas priorizam o que é essencial”, afirma Rocha.

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