Fast Fashion

Shein surfa na moda plus size e ganha mercado ainda desfalcado no Brasil

Mercado plus size cresceu muito mas ainda não atende todas as demandas dos consumidores desse nicho; nessa onda, fast fashion online ganha espaço por oferecer variedade e preço acessível


Publicado em 26 de abril de 2023 | 11:00
 
 
 
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Plus Size - ou tamanho grande - há muito tempo deixou de ser apenas uma medida de roupas e passou a ser sinônimo de um nicho de mercado. Nos últimos dez anos, esse setor cresceu 75,4% no Brasil, segundo dados da Associação Brasil Plus Size (ABPS). A expectativa é crescer pelo menos 10% todo ano. Quem surfa nessa área e vem ganhando cada vez mais notoriedade, principalmente entre as influencers de moda, é a plataforma de fast fashion online Shein.

Entre os atributos apontados pelos consumidores para dar preferência à varejista chinesa está a variedade de opções para esse público e o preço acessível. Em uma breve pesquisa no aplicativo da Shein, é possível encontrar peças que vão do PP ao G4 (ou 4XL), com a maior parte das medidas (altura, largura, cintura) apontadas na descrição. Entre os itens na aba dedicada à moda plus size estão, por exemplo, calça jeans a R$ 59,90, blusa de frio de malha leve por R$ 35 e camisa social por R$ 65.

“O fato de haver os comentários de outras consumidoras sobre os itens dá credibilidade à compra e facilita a aquisição”, avalia a belo-horizontina Carol Cyrne, criadora de conteúdo online que dá dicas de moda plus size. A influenciadora conta que recorre ao fast fashion quando alguma peça “faz sentido” dentro do seu estilo. 

Na opinião da influenciadora, a varejista chinesa encontrou espaço em um mercado que trabalha com muitas falhas, apesar de todo o crescimento observado no Brasil. “O mercado ainda não se atentou para o fato de que queremos consumir moda e não apenas um pedaço de pano para cobrir os corpos”, critica Carol Cyrne. “Se determinada peça está em alta, vamos pensar por exemplo numa calça jogger, a mulher gorda deseja consumir uma calça desse tipo.”

Já Elisa Santiago, que também produz conteúdo online e é graduada em Moda pela Fumec, lembra que muitas lojas de departamento “pecam” por, além de não oferecer a opção de roupa que está em alta, ter pouca variedade de modelos. “Grande parte das marcas vende uma moda conservadora. Elas pressupõem que a pessoa gorda quer se esconder, e não é isso que acontece, existem vários corpos, vários estilos”, rebate. “Não é só sobre qualidade, é sobre pertencer, ter acesso.”

A jovem acredita que a popularidade da Shein está justamente em aproveitar esse descuido do mercado e somar isso a vários outros fatores. “Ela talvez não vai entregar mais qualidade, mas tem explorado esse ‘gap’ de mercado de forma inteligente. O que a Shein tem feito é dar acesso às tendências”, avalia.

Ambiente hostil na loja física

Essa falha do mercado, no geral, é refletida, por exemplo, nas lojas físicas, onde o ambiente é pouco convidativo para pessoas gordas. Muitas empresas arrumam o salão deixando as roupas plus size “escondidas” no fundo da loja ou mesmo em outro andar, separadas do restante. Elisa Santiago lembra, por exemplo, dos provadores, muitas vezes apertados e desconfortáveis. “A gente não sente que nosso corpo faz parte da sociedade, nosso espaço é separado”, desabafa Elisa.

Já Carol lembra que consumidoras da moda plus size sempre passam por constrangimentos em lojas físicas. Ela cita situações que acarretam traumas, como “vendedores que querem fazer a peça GG servir a qualquer custo ou que já na porta avisam que não vendem roupas do manequim dela sem que ela tenha perguntado”, exemplifica.

Uma das questões apontadas como razão desse sentimento de "não pertencer" nas lojas físicas é a falta de comunicação. A analista de moda do Sebrae Minas, Kenia Cardoso Santos, observa que qualquer produto que uma loja se proponha a vender precisa ser comunicado ao consumidor.  Ela lembra que o cliente sente necessidade de sair de casa e ir a um ambiente onde ele pode pegar no produto e experimentar. “É importantíssimo que uma empresa que tenha foco no plus size faça um trabalho de mídia muito legal para as pessoas entenderem que ela tem”, diz.

“Além das mídias digitais, a comunicação no espaço físico é também muito importante”, comenta, lembrando que a comunicação visual, como placas, banners e uso de manequins, vai contribuir para “chamar” o cliente. 

Ponto também é defendido por Elisa: “o que a gente está mais acostumado a escutar é a marca dizer ‘ah, eu investi, eu ampliei a minha grade, mas não teve saída’, aí quando você vai analisar, é porque não tem uma comunicação desenvolvida pensando nessas pessoas, em quem vai consumir e qual é o desejo daquele público”. Elisa argumenta ainda que essa “baixa procura”, consequência da falta de comunicação e da má exposição do produto, leva as lojas a oferecerem roupas plus size com preço muito elevado.

Preço das peças

O preço das peças, inclusive, gera muita reclamação entre os consumidores de moda plus size. Nesse caso, algumas questões na produção explicam a disparidade. Carol Cyrne lembra que a produção das peças fica cara porque precisa de profissionais qualificados e estudo da modelagem. “Corpos gordos apresentam formas diversas. Umas com mais barriga, outras com mais seios. Não é simplesmente esticar a grade padrão”, diz. “É preciso investimento em tecnologia para que o custo do produto diminua e tenhamos mais diversidade e acesso para os consumidores.”

Kenia Santos lembra que o processo de produção também pede estrutura adequada para o segmento plus size. “Normalmente, essas empresas têm um tipo de modelagem, quando você vai entrar no segmento de plus size, tem que ter toda uma estrutura e estudos para atender aquele segmento, e isso pode encarecer a peça”, diz. Elisa acrescenta que, no entanto, o custo a mais na produção pode “ser equalizado e diluído, de forma que o preço não seja exorbitante”. 

Apesar da bronca com os preços, Carol observa que algumas lojas de departamento estão caminhando na direção certa. “As grandes marcas começaram a olhar para o público plus, mesmo que de maneira tímida, e apresentam preços semelhantes. Por exemplo, um vestido GG da Farm muitas vezes veste até o tamanho 50/52 e custa o mesmo valor do PP que veste 36”, exemplifica. Carol também cita a Riachuelo como uma das marcas preferidas.

Investimento pode valer a pena

Kenia Cardoso Santos acredita que o mercado da moda plus size pode ser uma boa aposta para quem pretende investir nesse segmento, considerando os dados de crescimento e demanda do brasileiro. “O consumidor do plus size hoje são pessoas jovens, conectadas, interessantes e que querem estar na moda”, diz. 

A especialista pondera, no entanto, que, antes de entrar no segmento, é preciso fazer pesquisa de mercado, entender o perfil do consumidor, avaliar a localidade onde está inserido e estudar a melhor forma de oferecer aquele produto com qualidade, atendendo à demanda latente.

Ela explica que não adianta oferecer modelos plus size sem pesquisar o desejo do consumidor. “Às vezes, a pessoa faz ali quatro ou cinco modelos de plus size, não comunica isso com o cliente e fala que é uma empresa que produz plus size, mas ela produz pouco”, diz. “É o tal do ‘se aparecer alguém procurando, eu tenho’, o que não é o ideal”, sintetiza.

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