ANÁLISE POLÍTICA

Da direita à esquerda, o que um candidato precisa para se tornar prefeito de BH?

Especialistas em marketing político dão ‘caminho das pedras’ para postulantes ao cargo de diferentes correntes ideológicas

Por Gabriel Ronan
Publicado em 15 de abril de 2024 | 06:00
 
 
 
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Sem um favorito claro nas pesquisas eleitorais, a eleição para prefeito de BH neste ano promete ser a mais acirrada da história recente da cidade. Como mostrou a última DATATEMPO, nenhum dos pré-candidatos supera a marca dos 20% das intenções de voto. Diante de tanto equilíbrio, a reportagem ouviu dois especialistas em marketing e ciência política para traçar cenários e responder à seguinte pergunta: o que um candidato precisa para se tornar prefeito da terceira maior capital do Brasil neste ano?

O questionamento foi feito em três espectros políticos: direita, esquerda e centro. Pelo lado mais conservador, a aposta do professor titular do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, Carlos Ranulfo, é numa estratégia mais voltada a temas mais caros ao eleitorado próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

"O ideal é uma campanha que fale de segurança pública, da família, dos valores morais e de temas vinculados à religião. É claro que o trunfo desse tipo de candidato é o eleitorado cativo do bolsonarismo. É uma parcela de eleitores bastante fiel. Por outro lado, isso também pode ser um problema, porque o ex-presidente tem um desgaste, especialmente nas capitais. Ainda mais neste ano, quando ele se vê alvo de vários processos", diz o cientista político. 

Citado pelo especialista, o tema da segurança é o terceiro de maior preocupação entre os moradores de Belo Horizonte. Conforme a última edição da pesquisa DATATEMPO, 9,9% dos habitantes da cidade analisam a área como o maior problema da capital mineira. A saúde lidera com 29,3%, seguida pelo transporte público com 17%.

Para o marqueteiro político Marcelo Vitorino, professor da ESPM que trabalhou nas campanhas de Geraldo Alckmin (PSB), Gilberto Kassab (PSB) e José Serra (PSDB), os candidatos à direita precisam adotar um discurso que aproxime as pautas ideológicas dos problemas do cotidiano do eleitor. Em suma, pouco adianta pautar o direito ao aborto ou a legalização das drogas numa corrida municipal, pois um prefeito não tem poder para ditar tais regras.

“Os conservadores têm forte tendência a defender com veemência pautas de valores morais e costumes. Essas pautas podem se traduzir melhor, na corrida municipal, se for trazida de outras maneiras, como o cuidado com a zeladoria da cidade; o endurecimento ao combate de poluição sonora dos bares e casas noturnas; o fortalecimento de políticas de combate à criminalidade; a ampliação da recuperação de dependentes químicos; a não ‘politização’ ideológica das escolas de ensino fundamental, etc.”, explica Marcelo Vitorino. 

Pelo lado oposto, os especialistas ouvidos pela reportagem detalham qual a estratégia inteligente a ser adotada por candidatos à esquerda em BH. Assim como acontece com a direita, o alerta vale para a necessidade de aproximação da pauta ideológica dos problemas reais das pessoas.

“Essa tradução do pensamento ideológico para medidas concretas pode acontecer a partir de políticas públicas mais alinhadas ao pensamento progressista, como a ampliação de projetos culturais; a adoção de iniciativas de combate à desigualdade social; a promoção de projetos que envolvam regiões de vulnerabilidade social; o incentivo aos servidores públicos; entre outras coisas”, pontua Marcelo Vitorino da ESPM. 

Já na visão de Carlos Ranulfo, cientista político da UFMG, o candidato de esquerda em BH não deve evitar pautas colocadas pela direita, mas precisa dar outra prioridade ao debate eleitoral. "Os problemas sociais e a participação popular são boas apostas. Tem também a cultura. A direita tem enorme dificuldade para lidar com esse tema, então é uma boa maneira de você conquistar o eleitorado mais jovem", diz. 

Ranulfo vai além e cita também a proximidade desses candidatos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal nome da esquerda nacional. “Assim como o candidato de direita pode ser apoiar no Bolsonaro, o de esquerda pode olhar para o governo Lula. Mas, é preciso cuidado para saber como estará a avaliação do governo federal antes das eleições. Provavelmente, um candidato de esquerda em BH tende a se aproximar do centro para derrotar a direita. É a maneira mais simples de convencer o eleitorado”, afirma o especialista.

Citadas pelos dois especialistas como áreas a serem exploradas pela esquerda, a assistência social e a cultura não estão entre os principais problemas de BH, aos olhos do cidadão, conforme a DATATEMPO. A pesquisa mostra que para 0,2% o maior déficit da cidade está na oferta de esporte, cultura e entretenimento. Ao mesmo tempo, 1,9% aponta a assistência social como a maior falha do poder público.

Candidato de centro

Mais distante da pauta ideológica, o candidato de centro também tem cuidados e trunfos na corrida eleitoral em Belo Horizonte. O principal desafio, na visão de especialistas, é fugir da polarização, muitas vezes defendida por candidatos de esquerda e de direita, a já tradicional disputa entre o lulopetismo e o bolsonarismo.

“Esses candidatos precisarão focar toda a energia nas questões mais pragmáticas da cidade, enfatizando os problemas gerados pela adoção de políticas públicas ideológicas e apontando as soluções de forma apartidária. É, sem dúvida, o maior desafio. Terão que se mostrar como ‘radicais de centro’ para poder chamar atenção para seus projetos”, diz o marqueteiro Marcelo Vitorino.

O pensamento de Vitorino é semelhante ao do professor Carlos Ranulfo. Apesar de ressaltar as peculiaridades que cada eleição apresenta, ele diz que o centro tem o desafio de não “sumir” durante o debate polarizado. “Uma eleição municipal é muito diferente de uma presidencial. Mas, se por acaso ela se tornar polarizada, o risco do centro é sumir. Ninguém ouvir o seu discurso, e aquele candidato se tornar, no máximo, uma opção de segundo turno. Nesse contexto, tanto esquerda quanto direita não vão querer bater no centro, já pensando em alianças futuras”, explica. 

Contexto é fundamental

Antes mesmo de responder os questionamentos da reportagem, todos os especialistas ouvidos ressaltaram que suas opiniões são generalistas, portanto cada explicação não leva em consideração o contexto da vida política e do momento de um possível candidato. Por exemplo, independente da estratégia a ser adotada, um postulante que tem mandato e uma exposição midiática mais intensa naquele momento, evidentemente, terá mais chances de se eleger que alguém fora da política, que se coloca naquela posição disputa pela primeira vez ou depois de muito tempo. Isso, evidentemente, sem considerar a ideologia de cada um deles. 

“Estratégia de eleição depende do cenário, do contexto. Depende de quem são os candidatos. Vão ser vários candidatos de esquerda? Vão ser vários candidatos de direita? Qual o perfil? Você não consegue definir uma estratégia sem levar esses fatores em consideração. É preciso escolher muito claramente quem você pretende bater, quem pode vir a ser uma aliança e quem você não vai agredir”, diz o professor da UFMG e cientista político, Carlos Ranulfo.

Outro fator ressaltado pelos especialistas trata da diferença entre a eleição municipal para a federal. Os dois pleitos apresentam divergências sutis, mas que, no frigir dos ovos, faz diferença no resultado eleitoral. “As eleições municipais costumam ser menos ideológicas do que as demais. Para o eleitor, o buraco na rua, a vaga na creche e o remédio no posto de saúde não são de direita ou de esquerda. São problemas do cotidiano do eleitor, independente de questões ideológicas. Acredito que a principal armadilha para candidatos é acreditar que a ideologia deve vir antes do problema dos eleitores. Nisso, acabam não criando conexão emocional, o que resulta em uma votação ruim”, diz o marqueteiro da ESPM, Marcelo Vitorino.

Equilíbrio gera fragmentação

Para a também cientista política Juliana Fratini, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, independente do espectro político de um candidato, o equilíbrio apresentado até aqui na eleição de BH deveria motivar os postulantes ao Executivo a procurar alianças. "Seria interessante que os candidatos encontrassem maneiras de fazer acordos para montar chapas mais consolidadas e com mais musculatura. No entanto, historicamente, é muito difícil os candidatos abrirem mão de disputar uma eleição ainda no primeiro turno", diz. 

Sobre o equilíbrio nas intenções de voto medido pela DATATEMPO, a especialista Juliana Fratini entende que há espaço para crescimento daqueles que pouco pontuam até o momento. "Os candidatos têm números similares. Então, existe um alto poder daqueles que estão mais abaixo. Então, é difícil alguém abrir mão da campanha ainda no primeiro turno. Isso mostra uma fragmentação muito grande em BH", afirma.

A pesquisa

A pesquisa foi realizada pelo Instituto de Pesquisas e Monitoramentos DATATEMPO e está registrada no TRE sob o número MG-09912/2024. Foram feitas 1 mil entrevistas domiciliares, entre 5 e 8 de abril de 2024, nas oito regionais administrativas de Contagem. A margem de erro é de 3,1 pontos percentuais para mais ou para menos. O intervalo de confiança é de 95%.

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