A risada característica e contagiante de Zezé Motta cedeu lugar a uma crise de choro. Depois de ler “Eu Sei Porque o Pássaro Canta na Gaiola” ela não conteve as lágrimas. A autobiografia da escritora, atriz, dançarina, historiadora e militante negra Maya Angelou (1928-2014), publicada pela primeira vez em 1969, chegou às suas mãos por sugestão de Elissandro de Aquino, como um convite para levar o texto ao palco.

“Falei ‘não vai dar’, ‘não vou dar conta’. Fiquei cismada, achei que seria muito forte, que o público não iria sair de casa para assistir”, relata Zezé, que contou com a paciência de Aquino, dramaturgo e diretor da empreitada. Sem garantir que toparia o mergulho, a atriz voltou à leitura, e, “menos vencida pela emoção”, embarcou de cabeça no desafio.

Neste sábado (21), “Vou Fazer de Mim Um Mundo” chega a BH, onde fica em cartaz até o dia 14 de julho. Pinçado da própria obra, Zezé considera o batismo mais do que apropriado. “É um título forte que, quando a barra pesa, você lembra dele para dar a volta por cima”, destaca.

Sem dúvidas a superação é um dos temas do espetáculo, na perspectiva de uma mulher negra que enfrentou o racismo e teve que lidar com práticas de abuso durante sua trajetória. Aos 8 anos, Maya foi estuprada pelo namorado de sua mãe em St. Louis, no Missouri, onde nasceu, e permaneceu anos numa angustiante mudez, até que uma vizinha a ajudou a cruzar o caminho do trauma.

Identificação 

Zezé pontua que o estupro é o tema mais comentado pelas mulheres que a encontram no camarim. “Muitas saem chorando do espetáculo. Percebi que, de maneira geral, toda mulher tem alguma história de violência para contar”, observa. Ciente do poder de identificação e do impacto da história, a atriz procura “não carregar muito na tinta”.

“Faço de uma maneira que fique mais suave”, afirma. A música, sempre presente na vida artística de Zezé, é outra aliada dramatúrgica. Executada no palco pelos músicos Mila Moura e Pedro Leal David, a trilha congrega o universo blues típico do Sul dos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940 a números de Luiz Melodia, Jards Macalé e Milton Nascimento que marcaram a produção fonográfica da atriz e cantora brasileira.

“A música traz um certo alívio, dá um respiro, inclusive para mim”, sublinha Zezé, que, aos 80 anos, tem vivido a emoção diferente de atuar num monólogo pela primeira vez. “Para mim está sendo tudo novo, são muitos desafios, passei por vários questionamentos, dúvidas internas. Percebi que a história de todas as mulheres negras no mundo se esbarram e se encontram de alguma forma. 

A questão da maternidade, do abandono, de ter que dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo me fez pensar muito sobre isso”, revela Zezé, que não esconde sua identificação com a personagem. “A vida da Maya Angelou foi uma porrada, mas ela foi muito forte e deu a volta por cima. Me identifico. Não passei por tantos perrengues, mas cada um tem os seus”, diz.

Horizonte 

Filha de Oxum, a eterna intérprete de Xica da Silva declara que, com a idade, se sente mais resistente. “Sempre fui risonha e chorona, sou quase bipolar”, diverte-se. “Tem coisas que são irresistíveis, na verdade eu dou mais risada do que choro”, completa. Aos 80 anos, Zezé tem motivos para isso. Ela garante que “se a perguntassem se desejaria voltar a ter 20, 30 anos ou ser adolescente” a resposta seria negativa.

“A maturidade realmente é uma grande aliada para a gente enfrentar os percalços da vida”, informa. Com dois filmes no horizonte, ela se alegra com as propostas cinematográficas que continuam chegando. “Fico muito feliz de ainda estar sendo solicitada, de não parar de trabalhar nunca, de seguir com saúde, prestígio e explosão”.

Serviço

O quê. Monólogo “Vou Fazer de Mim Um Mundo”, com Zezé Motta

Quando. Deste sábado (21) a 14 de julho; sábados, domingos e segundas, às 20h

Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450)

Quanto. A partir de R$15 (meia) na bilheteria ou pela plataforma www.ccbb.com.br/bh