Bárbara Bof é cria das políticas de cultura em Belo Horizonte.
Nova presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC) da cidade, empossada no início de julho, ela é frequentadora dos centros culturais da capital desde a infância – equipamentos que agora coordena institucionalmente. Já adolescente, passou a circular por esses espaços como produtora do Festival Estudantil de Teatro (FETO), com o qual se aproximou do Projeto Arena da Cultura, hoje Escola Livre de Artes, também sob sua batuta atualmente. Na juventude, consolidou e ampliou essa presença com participação em ações em comunidades periféricas, enquanto aprofundava na universidade sua pesquisa em teatro, gestão e formação. Mais tarde, foi convidada e assumiu, em 2017, o cargo de diretora de Promoção dos Direitos Culturais da FMC.
Uma trajetória que, revista agora, parece ter sedimentado os caminhos da gestora até a presidência da fundação. A posse marca ainda um feito inédito: esta é a primeira vez que o cargo é ocupado por uma mulher oriunda de uma diretoria voltada à descentralização cultural, com atuação intensa junto aos territórios periféricos, às culturas populares e urbanas, e à população negra da cidade. “É simbólico ocupar esse lugar trazendo essa bagagem. Sempre é sobre pessoas, sobre garantir que todos tenham direito à cultura nos seus espaços”, resume.
Nesta nova empreitada, Bárbara é acompanhada por Gustavo Bones, que, com trajetória reconhecida no setor cultural, agora responde como vice-presidente da fundação.
A dupla assume a FMC com o desafio de manter e expandir uma das políticas culturais mais consolidadas do país, sempre em articulação com a Secretaria Municipal de Cultura (SMC). A relação com Eliane Parreiras, responsável pela pasta, diga-se, é descrita por Bárbara como “excelente”. Pouco antes de atender à reportagem, era com ela que conversava ao telefone.
Embora fale com tranquilidade sobre os desafios no novo posto, a gestora sabe a dimensão do trabalho que tem pela frente. Para começar, assumiu o cargo há pouco mais de um mês da realização de um dos grandes eventos do calendário belo-horizontino: a Virada Cultural, que chega à sua 10ª edição neste ano, nos dias 23 e 24 de agosto. Logo em seguida, a cidade recebe o Descontorno Cultural, uma espécie de contraponto à Virada, com 12 horas de atividades realizadas de forma descentralizada em todas as regionais da capital, também em sua 10ª edição. Já em setembro acontece o Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI BH) e, em outubro, o Festival de Arte Negra (FAN BH).
“Estamos a todo vapor!”, comenta ela sobre o ritmo de entregas de “eventos-vitrine” que tem pela frente, enquanto frisa que, além dessa maratona, há muito mais a ser realizado. “Acabamos de celebrar o CRC Urb (Centro de Referência das Culturas Urbanas), que nada mais é do que o poder público apoiando o que já acontece no Viaduto Santa Tereza (um reduto histórico do hip hop belo-horizontino). Temos também a mudança da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil, um dos equipamentos mais antigos do município, que vai ganhar uma sede própria na rua Espírito Santo”, enumera.
“Além dessas ações mais visíveis, estamos olhando para dentro, qualificando nossas equipes, formadas por pessoas absolutamente aguerridas. Inclusive, trabalhando na perspectiva de um concurso público para a cultura, algo que a secretária Eliane já vinha apontando e que vamos avançar juntas”, sinaliza. Simultaneamente, promete dedicar atenção ao papel dos centros culturais da cidade, que considera estratéticos e fundamentais. “Precisamos garantir a escuta desses territórios, possibilitando que Belo Horizonte se desponte cada vez mais. Porque é essa integração com a comunidade que movimenta a cidade, fortalece parcerias e garante o direito à cultura”, argumenta.
Ao todo, são 17 centros culturais municipais. Quinze deles, como o do Alto Vera Cruz – onde foi realizada a entrevista –, foram criados por meio de orçamento participativo. “As próprias pessoas decidiram, lá atrás, que aqui seria um centro cultural e não um posto de saúde. Saber disso nos dá a dimensão da responsabilidade do nosso trabalho”, defende.
Um universo que se abre
Quando remonta sua trajetória, Bárbara Bof volta à infância para descrever o que considera sua iniciação no setor da cultura. “Tive o luxo de ter tido várias professoras e professores que me inspiraram. Uma, em especial, a Geórgia, me convidou para o universo da poesia quando eu ainda estava na 4ª série (atual 5º ano do ensino fundamental). Isso me levou à literatura, que me levou ao teatro, que, por sua vez, me trouxe para a gestão cultural”, recorda, estabelecendo que considera este primeiro contato primordial para sua formação. “Faço questão de me localizar menina nesse processo porque acredito em uma perspectiva que envolva olhares sobre a formação e sobre o direito à cultura para todas as pessoas”, inteira.
O flerte com o teatro veio anos depois e logo virou coisa séria. Ainda no ensino médio, ela ingressou em cursos no Centro de Formação Artística (Cefar, atualmente Cerfart, incluindo também formação tecnológica), mantido pela Fundação Clóvis Salgado, ligada ao Governo do Estado de Minas Gerais, e no Centro de Referência da Cultura Popular Lagoa do Nado, um dos centros culturais mantidos pela Prefeitura de Belo Horizonte com gestão da fundação que, hoje, Bárbara preside. À época, teve aulas com nomes fundamentais da história das artes cênicas em BH, como Marcos Vogel.
Com 16 anos, idealizou, ao lado de Byron O’Neil, o Festival Estudantil de Teatro (FETO). “A gente queria abrir espaço para que outros estudantes tivessem a mesma vivência”, resume. O festival teve apoio de expoentes da cena teatral mineira, como Walmir José, Marcelo Bones, Ângela Mourão, Raul Belém Machado e Marcelo Castilho Avellar. Mas a menoridade de Bárbara impedia que ela assinasse contratos. Foi então que seus pais, Raimundo (já falecido) e Sandra, a emanciparam. “Depois disso, por anos, me inscrevi e participei dos programas da cultura, como o Fundo Municipal de Cultura, que foi a primeira fonte de recurso do festival”, relata.
Chegada ao FMC
Em paralelo ao trabalho como produtora, desenvolvido desde a adolescência, Bárbara estudou gestão e comunicação integrada na PUC São Gabriel, tendo o teatro e a formação como pontos de referência de suas pesquisas. Nesse período se aproximou de ações culturais em outra comunidade de BH, o Aglomerado da Serra, e viu consolidar sua presença em centros culturais e bibliotecas da cidade. Ao mesmo tempo, com a consolidação do FETO, fundou, com colegas, a associação No Ato Cultural.
Foi a partir desse percurso que, em 2017, recebeu o convite de Juca Ferreira, então presidente da FMC, para assumir a Diretoria de Promoção dos Direitos Culturais da fundação, onde permaneceu até ser alçada à presidência.
A diretoria que ocupava reúne quatro frentes: os centros culturais, as bibliotecas públicas e ações de leitura, o setor de culturas populares e urbanas, e a Escola Livre de Artes - Arena da Cultura, que atua em 24 unidades e oferece, de forma gratuita, cerca de 160 oficinas por semestre em dez áreas artísticas, como teatro, dança, circo, música, audiovisual, bastidores das artes e gestão cultural. É um dos projetos que mais encantam a profissional: “Nesse centro cultural (no Alto Vera Cruz), assim como em 23 outros espaços da cidade, para além das atividades remotas, são realizadas as ações da Escola Livre de Artes - Arena da Cultura, que nasce da articulação e do movimento de artistas e agentes dos territórios que realizam ações de formação, sendo instituída como escola em 2014”, detalha, classificando a iniciativa como “uma das coisas mais emocionantes que eu já vivi”.
Ela exalta a capilaridade e as diretrizes de garantia do direito e acesso à cultura inerentes ao programa. “A gente tem uma engenharia que, semestralmente, abre oficinas (atualmente, as inscrições estão abertas para cerca de 160 atividades) e divulga essas vagas, sempre em diálogo com as comunidades para compreender suas demandas. Então, tem desde ações de sensibilização de violão e voz, que vão ter cargas horárias curtas, até cursos de formação na área de música ou teatro, com duração de 4 anos”, explica, acrescentando que a escola atua com forte compromisso com a inclusão, desenvolvendo adaptações para pessoas com deficiência e acolhendo públicos diversos, como crianças, idosos e estudantes em preparação para o vestibular.
Tanta ênfase no acolhimento não é à toa. Muito além das ações artísticas, esta é uma das funções elementares desses espaços. Não por acaso, durante a entrevista, crianças entravam e saíam da biblioteca integrada ao equipamento, enquanto o auditório, que apresentava uma seleção de desenhos feitos por moradores após aulas de ilustração, estava preparado para receber a próxima reunião de mulheres com mais de 60 anos, que se encontram ali para falar de temas correntes em suas vidas. “Esses lugares são os primeiros que essas pessoas encontram para se organizar, eles movimentam e fortalecem a comunidade”, defende Bárbara, para quem a cultura deve ser reconhecida como direito social, assim como educação e saúde.