Com uma risadinha sarcástica, o cantor observa uma mulher de biquíni branco nadar sensualmente de um lado para o outro no interior de um aquário que mais parece uma peça decorativa dentro da luxuosa mansão. Na sequência, ele toma furiosamente as teclas do piano e começa a entoar, com voz embargada, versos que se eternizaram no imaginário popular: “Você já sabe, me conhece muito bem/ Eu sou capaz de ir, vou muito mais além…”. 

Quando chega o momento do refrão não se tem mais dúvidas de que estamos diante de um dos grandes sucessos da canção popular brasileira, num misto recorrente, mas nem por isso menos poderoso, de romantismo, rebeldia e sedução, a tríade que fundamentou a Jovem Guarda em suas ensolaradas tardes de domingo. 

Há praticamente meio século Fábio Jr. canta “Vinte e Poucos Anos”, balada de aspiração roqueira lançada em 1979 com o referido clipe no “Fantástico” que legou à posteridade as imagens de teor ao mesmo tempo insólito e representativo de uma certa época, quando um homem em vias de desilusão amorosa sublimava esse sentimento rindo de nervoso diante de uma mulher no aquário. 

Atemporal

Neste sábado (2), o astro volta a Belo Horizonte com a turnê “Bem Mais Que os Meus 20 e Poucos Anos”, tomando emprestada a parte mais expressiva do hit que alcançou o topo das paradas radiofônicas e se tornou trilha do casal protagonizado por Fábio e Lucélia Santos na novela “Água Viva”, da Rede Globo, em 1980, tudo isso de uma só tacada. 

“Se você olhar a letra, a música fala sobre não desistir dos seus sonhos. Fala sobre seguir o seu próprio caminho com coragem, mesmo que tudo pareça meio incerto”, salienta o compositor. Fábio lembra que, quando escreveu “Vinte e Poucos Anos”, vivia o turbulento processo de se divorciar de sua primeira esposa, Tereza, “cheio de dúvidas e vontades”. 

Não demorou para que ele engatasse um segundo casamento com a atriz Glória Pires, mãe de Cleo, dando prosseguimento a uma vertiginosa sequência de sete matrimônios que parece ter chegado ao fim com a atual companheira, Fernanda Pascucci, com quem o cantor divide as agruras e alegrias do dia a dia a dois desde 2011. 

Em meio aos encontros e desencontros amorosos na vida particular do artista, “Vinte e Poucos Anos” também recebeu diferentes vozes na seara fonográfica. Sandra de Sá, Filipe Catto, Larissa Manoela e sobretudo Raimundos a regravaram.

A versão do grupo de punk rock formado em Brasília, ícone do que se convencionou chamar de “rock farofa” nos anos 1990, renovou o fôlego do sucesso junto a uma nova geração, ao receber a encomenda da MTV Brasil para atualizar o arranjo e a interpretação da balada, com uma pegada mais pesada que agradou ao público jovem. 

“Mesmo depois de tantos anos, essa música continua dizendo coisas nas quais eu acredito até hoje. Acho que é por isso que ela atravessa gerações”, sublinha Fábio, que elogia sem reservas seus “Vinte e Poucos Anos” cantados por Rodolfo, então vocalista dos Raimundos. “Eles trouxeram uma energia diferente. Foi um baita presente!”, agradece. 

Galanteios

O pendor apaixonado de Fábio Jr. estava presente desde os primórdios, como se constata no batismo do grupo infantil que ele formou com os irmãos no início da década de 1960, auge da Jovem Guarda. Com Os Namorados, ele chegou a se apresentar no palco de calouros do Chacrinha. Em 1975, imitava um cantor inglês na pele de Mark Davis, título de seu primeiro LP. 

No ano seguinte, assumiu-se como Fábio Jr. com produção de Paulo Coelho. Mas foi efetivamente em 1979 que o sucesso bateu à sua porta. Além de “Vinte e Poucos Anos”, emplacou a inevitável “Pai” e uma versão para “Esses Moços”, clássico da dor de cotovelo de autoria de Lupicínio Rodrigues. Para completar, estrelou o filme “Bye, Bye Brasil”, de Cacá Diegues, ao lado de José Wilker e Betty Faria. 

“Para mim, uma coisa sempre esteve ligada à outra. Acho que consegui trazer bastante coisa do ator para o palco, porque atuar é uma maneira de aprender a lidar com a timidez também. De vez em quando eu ainda faço uma coisa aqui, uma participação num filme ali. Vontade de atuar a gente sempre tem, né?”, admite Fábio. 

Marcado por papéis em novelas como o fotógrafo Jorge Tadeu de “Pedra Sobre Pedra” e o sedutor Roberto Mathias de “Roque Santeiro”, o versátil intérprete integrou um folhetim da Globo pela última vez em “Corpo Dourado”, de 1998. No cinema, sua incursão mais recente foi com a comédia “Me Tira da Mira”, de 2022, quando atuou ao lado dos filhos Cleo e Fiuk. Fábio se afirma como “um eterno apaixonado”, mas renega o status de galã. “Nunca me considerei um galã, são ‘elas’ e a Fê que dizem”, despista ele aos risos, com uma piscadela para a atual esposa. 

Herança

Fábio Jr. escolhe o repertório de seus shows pensando no público que não se cansa de prestigiá-lo. São 50 anos de carreira, ora surfando na maré alta, ora na baixa, mas sempre contando com uma fidelidade desbragada da plateia que lembra o início de um namoro, feito de muitos cortejos, promessas de amor eterno e aquele dulçor das rosas e chocolates. 

“Graças a Deus são muitos sucessos, então às vezes a gente mexe um pouquinho no repertório, mas sempre pensando no público. Eu sou suspeito pra falar, mas o show tá legal pra caramba!”, promove Fábio, lançando mão de uma das gírias que ele transformou em marca de seu estilo midiático. 

Além da audiência, do clamor dos fãs e dos números de vendagens, o cantor foi habilidoso o suficiente para arrastar para perto de si a consideração de intérpretes populares, como Ana Carolina, e irretocáveis, no caso de Gal Costa, cujo canto cristalino se ajustou aos lamentos açucarados de “O Que É Que Há”, parceria com Sérgio Sá lançada em 1983, e recuperada pela baiana no derradeiro “A Pele do Futuro”, em 2018. 

“Ter artistas que a gente admira nos regravando é uma honra! É bonito ver a música seguir caminhos que a gente nem imaginava, sou muito grato a tudo isso”, assevera Fábio. Hoje um septuagenário, ele conta que criou a turnê da vez para contar musicalmente um pouco dessa história no palco, “mostrando alguns arranjos bem parecidos aos originais e também imagens da minha carreira em diversos momentos”. 

“Claro, hoje tenho mais bagagem, mais vivência, mas a vontade de estar no palco continua igualzinha à de quando comecei”, garante ele, atento à gama de “estilos novos que vão aparecendo na internet, que acaba dando muita visibilidade atualmente, o que é bastante diferente de outras gerações”, mas sem identificar ainda nenhum herdeiro propriamente dito. “O que eu prezo muito é pela consistência nas letras e na história que une o compositor e intérprete à canção. Não sei se herdeiro é a palavra, mas acredito que tem muita gente boa seguindo um caminho que eu gosto pra caramba!”, arremata. 

Serviço

O quê. “Bem Mais Que Os Meus 20 e Poucos Anos”, show de Fábio Jr.

Quando. Neste sábado (2), às 21h

Onde. BeFly Hall (av. Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi)

Quanto. A partir de R$120 pela plataforma www.sympla.com.br ou na bilheteria