Marcélia Cartaxo lembra que, com o inesperado sucesso de “A Hora da Estrela”, filme de Suzana Amaral que lhe rendeu o primeiro papel no cinema, ela teve que pedir roupa emprestada e ajuda para tirar documentos. “Se eu consegui seguir atuando foi por causa das pessoas que me acompanharam durante a vida”, registra.

Se não fossem elas, imagina, a vida teria sido mais dura e provavelmente não lhe restariam forças para experimentar a segunda “descoberta”, quando, já na meia-idade, voltou a ganhar holofotes, 30 anos após o lançamento de “A Hora da Estrela”. Ela é, sem dúvida, o maior símbolo da mulher nordestina em nossas telas.

Personagens como Macabéa (“A Hora da Estrela”), Maria (“A Mãe”) e a Pacarrete, do filme homônimo – além de Querência, de “A História da Eternidade” – são exemplos dessa figura sofrida e determinada. Elas ganham o Cine Santa Tereza a partir de hoje, dentro da Mostra “Diálogos pela Equidade: Mulheres Plurais”.

“São mulheres que não desistem da luta. Aconteça o que acontecer, elas vão em frente”, avalia Marcélia, que estará em Belo Horizonte para acompanhar a exibição dos longas-metragens e também de três curtas que dirigiu. Juntos, esses trabalhos renderam os prêmios mais importantes do país à atriz paraibana.

O troféu mais valioso é o Urso de Prata recebido por “A Hora da Estrela”, entregue pelas mãos da musa italiana Gina Lollobrigida, que subiu ao palco do prestigiado Festival de Berlim, na Alemanha, para revelar para o mundo o nome de “Marcele Catár” – pronúncia gringa da qual a brasileira recorda, aos risos.

Na adaptação do livro de Clarice Lispector, como uma sonhadora imigrante em São Paulo, Marcélia levou as suas referências para a personagem. “Com Macabéa trabalhei mais a intuição, pois tinha chegado fresquinha do Nordeste, com sotaque forte e jeito desconfiado de ser, sem conhecer nada de cinema”, lembra. 

A produção de Suzana Amaral abriu muitas portas para a atriz. “Saí de Cajazeiras, no interior da Paraíba, para fazer um filme que me projetou para a vida artística. Eu abracei, claro, com muita dificuldade. Primeiro por ser mulher e nordestina, por esses traços de judia”, assinala, lembrando do baque da extinção da Embrafilme, em 1990.

O fim do estímulo estatal ao cinema nacional, não muito diferente do que aconteceu entre 2019 e 2022, representou “um período extremamente difícil, que só foi mudar depois de muita luta, de participar de muito projeto, vivenciar muitas experiências”. “De uns 15 anos pra cá, meu trabalho conseguiu projetar melhor no meio artístico e social”, conta.

É dessa fase de redescoberta que Marcélia protagonizou “A Mãe”, dirigido por Cristiano Burlan e lançado há dois anos. “É uma história muito forte, sobre uma mãe, ‘cameloa’, que, ao voltar para casa, não encontra mais o filho. Ela é muito pertinente ao cenário social brasileiro, sobre mulheres vulneráveis da periferia que ficam sem esperança no futuro após perder o filho”.

Outra mulher forte e solitária é Pacarrete, mas numa chave bem diferente. Dessa vez, ela fala da terceira idade ao protagonizar uma ex-bailarina que tenta mostrar o seu valor na cidade onde nasceu, mas só encontra desrespeito. “Trata-se de manter nossas forças, seja em qual idade for, e lutar por nossos sonhos”, avisa.

Aos 61 anos, como Pacarrete, Marcélia não se dá por satisfeita. “Quero receber outros convites que me desafiem a viver outras vidas, outras histórias. A vida é uma escola e a gente está sempre aprendendo”, avisa a atriz, que está com presença garantida na segunda fase da série “Cangaço Novo”, além da novela “Guerreiros do Sol”, prometida pela plataforma Globoplay para 2025.