O repetido pedido para que, se puder, fique em casa, fez que as janelas de milhões de lares ganhassem um outro significado. Por meio delas, se mira o horizonte e se mantém uma conexão externa mais próxima. É neste contexto que a cineasta Eliane Caffé crava: “O cinema também pode ser esta janela”. Nesta quarta (20) e quinta-feira (21), a diretora empresta uma perspectiva sua, construída coletivamente, para a paisagem da urgente luta por moradia, da rotina dos refugiados e de todas as contradições intrínsecas às grandes cidades - temas que perpassam o longa “Era o Hotel Cambridge”, que venceu dois prêmios no Festival Internacional do Rio de 2016 nas categorias “Melhor Edição (Marcio Hashimoto)” e “Melhor Filme de Ficção” pelo júri popular.
O filme, um híbrido de cinema documental e ficcional, inaugura um novo espaço dentro do projeto “Cine104 em Casa”. Agora, além de permitir que o público acompanhe a programação sem sair de casa e gratuitamente, a iniciativa passa a contar com a transmissão do debate de cineastas. E é Eliane quem vai estrear o “Café com Diretor”. “Eu me sinto honrada”, reconhece, ao mesmo tempo que diz ter “consciência de que o convite é uma consequência de meus últimos trabalhos, que buscaram ser representativos dos movimentos, da luta diária”.
A ação, explica o Cine104, “receberá mensalmente um cineasta convidado para um bate-papo a respeito de filmes próprios exibidos na programação online e gratuita, além dos desafios criados pelo contexto da Covid-19 para o audiovisual no Brasil”. Nesta primeira sessão, que será realizada virtualmente na quarta-feira (20), às 19h30, a paulista vai falar a respeito de “Era o Hotel Cambridge”.
“Cheguei a esse filme a partir de uma pesquisa, que eu estava fazendo na época, sobre a questão dos refugiados na tentativa de encontrar uma conexão entre o fluxo dessas pessoas e a realidade em que estavam vivendo”, comenta ela. “Seguindo os passos deles, chegamos nas ocupações. Esse cruzamento já acontecia na prática. Quando a gente percebeu isso, decidimos focar nessa questão, nessa confluência da luta por ter um lugar seguro, um lugar seu”, indica.
Repertórios
O filme é rodado em um edifício abandonado em São Paulo, o antigo Cambridge Hotel, em que vivem refugiados e sem-teto, retratados na obra. Misto de ficção e realidade, há atores profissionais no elenco, como o veterano José Dumont, mas também atores não profissionais.
“Era o Hotel Cambridge tem dois personagens chave, sendo um deles a Carmen Silva, que atua como liderança do movimento sem-teto e que, de fato, é uma liderança da Frente de Luta pela Moradia (FLM)”, ressalta Eliane. A diretora mantém contato com o grupo e exalta o papel da protagonista para além do filme. “Neste momento de pandemia, ela é uma das pessoas que está na vanguarda, no front, levando cestas básicas para as pessoas das panelas vazias”, comenta.
Voltando à obra, a cineasta indica que outra história central é a do líder palestino Isam Ahamad Issa. “Eles têm um repertório de vivências, de conhecimento e uma forma de olhar o mundo que, dificilmente, eu poderia projetar em uma outra personagem. A escolha deles é uma forma de trazer eles a uma coautoria”, analisa.
“A porta para a história da ficção é um conteúdo poético e de vida que eu, na minha individualidade, não poderia projetar em um roteiro. Esse jeito de fazer cinema, que atravessa as fronteiras, é no que eu acredito”, reforça. Em ‘Era o Hotel Cambridge’, mesmo a relação com os atores profissionais é diferente do que se encontra no fazer cinematográfico convencional. “Não posso dar um roteiro para a Carmen ou o Isam decorarem. Tenho que propor ações para improvisação juntos. Nesse contexto, colocam suas vivências seus repertórios, que não estariam em um roteiro engessado”, conclui.
Serviço
O que. Café com o Diretor: live com a cineasta Eliane Caffé. Quando. Quarta-feira (20), às 19h30. Onde. Instagram: @centoequatrobh.