Resistência Palestrina

Palestra Itália sobrevive à guerra e se transforma em Cruzeiro

Clube é obrigado a mudar de nome em 1942, em função da Segunda Guerra Mundial, mas resiste e segue sua trajetória como Cruzeiro Esporte Clube

Por Rodrigo Rodrigues
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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Os entraves encontrados pelos imigrantes italianos no Brasil e em Minas Gerais foram potencializados pelos conflitos mundiais da primeira metade do século XIX. No futebol, não foi diferente. “É preciso entender que a formação dos maiores clubes de Belo Horizonte ocorre no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Por isso, existia certa tensão, discussão sobre o que a presença desses italianos significava”, argumenta Geovane Moreira Chaves, doutor em História pela UFMG.

 

Quando o Palestra Itália é fundado na capital mineira, havia uma trégua entre as nações. Contudo, após 18 anos de atividade, eclode a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em 1942, o então presidente Getúlio Vargas entra no conflito contra os países do Eixo (Itália, Alemanha e Japão) e os reflexos são sentidos imediatamente nas colônias italianas estabelecidas em Minas Gerais.

 

Qualquer referência ao país europeu passou a ser combatida, e o governo brasileiro decreta a nacionalização dos nomes. O Palestra Itália se transforma em Palestra Mineiro. No entanto, “era necessário nacionalizar ainda mais o nome do clube”, cita Plínio Barreto (1931-2015) no livro “De Palestra a Cruzeiro - Uma Trajetória de Glórias”.

 

Desse modo, o então presidente da agremiação, Enne Cyro Poni, adota a inscrição  Ypiranga Esporte Clube, que durou apenas uma partida, até o revés para o Atlético por 2 a 1, conforme descrito por Plínio Barreto em seu livro. Contudo, o jornal "A Noite", em sua edição de 9 de outubro de 1942, relata que o nome não havia sido aceito. Diante do imbróglio, toda a diretoria renunciou. O presidente do Conselho, Oswaldo Pinto Coelho, sugeriu Cruzeiro Esporte Clube, em alusão ao principal símbolo do país, a constelação do Cruzeiro do Sul. A ideia foi aprovada e, em 7 de outubro de 1942, surge o Cruzeiro. Em 17 de dezembro de 1942, os conselheiros elegeram Mario Grosso como primeiro presidente da nova era estrelada.

 

“O Palestra surge no final da Primeira Guerra Mundial e, para sobreviver, precisa mudar seu nome quase no meio da Segunda Guerra Mundial. Então, é um clube que viveu entre guerras. É um período de muita tensão”, pontua Chaves.

 

A mudança de nome, inclusive, sempre é utilizada em tom jocoso pelos rivais em campo. O historiador, porém, analisa a transformação sob outro prisma.

 

“Durante muito tempo, parte da mídia esportiva mineira tentou transformar a história do Cruzeiro, principalmente a mudança de nome, que ocorreu em 1942, como se isso fosse o motivo de demérito, de vergonha. Na verdade, isso é uma das coisas mais lindas da história do Cruzeiro. É motivo para a torcida se orgulhar, porque a mudança de Palestra para Cruzeiro é uma mudança de um clube que sobreviveu a um planejamento de destruição em função de uma guerra. As sedes foram atacadas, as pessoas tiveram problemas e o clube sobrevive à Segunda Guerra Mundial”, enaltece Chaves.

 

Anisio Ciscotto, historiador e conselheiro do Cruzeiro também exalta a “resistência palestrina’ em meio à guerra, que resultou, no decorrer da história, em uma potência do futebol.

 

“O Palestra e o Cruzeiro se transformaram em equipe importante, a princípio em  Belo Horizonte. Depois, em Minas, no Brasil e no mundo. O italiano tem um ditado que se chama ‘Viver di bes soi’ (do dialeto friulano), ou seja, ‘viver do próprio dinheiro que tem’. Então, os italianos sempre lutaram contra perseguições, desmandos, mas sempre fazendo o melhor que podiam fazer para poder continuar. O Cruzeiro é um exemplo de clube de futebol que tinha consciência, que tem consciência. Consciência do seu valor, da sua propriedade, das suas qualidades. Assim, solidificou-se no cenário do futebol”, analisa Ciscotto. 

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