Afirmar que a comunicação de massa apodrece o cérebro transformou o termo “brain rot” (podridão cerebral) em expressão do ano de 2024, na escolha do dicionário Oxford. O culpado da vez é o consumo excessivo de futilidades e polêmicas nas redes sociais, mas a preocupação já tem quase dois séculos.

Quem usou essas palavras para expressão do conceito pela primeira vez foi o filósofo americano Henry David Thoreau, há 170 anos, no livro “Walden” (1854), como lembra o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça. “Ele usou esse conceito para descrever pessoas que seguiam modas, ou seja, que seguiam os outros sem refletir sobre si mesmo e sem encontrar o seu próprio caminho, que pensavam só em ganhar dinheiro, e não em construir outros tipos de riqueza, como uma vida com ética e amor, e que conversavam apenas sobre as últimas notícias, sem se aprofundar nas questões mais importantes sobre a vida”, destaca Mendonça. 

Uma crítica parecida dessa relação das pessoas com a mídia aparece no trabalho do jornalista Walter Lippmann, “Opinião Pública”, de 1922. Para ele, as massas se dobravam diante de moralismos da imprensa e vícios da publicidade. O conceito de indústria cultural de Theodor Adorno segue o mesmo caminho na crítica ao rádio.

Para os pensadores, o grande risco das mídias de massa é que seus consumidores cedam ao conformismo e deixem de contestar injustiças. O “cérebro podre”, contudo, ganhou dimensões planetárias por meio de publicações dos usuários autodenominados “cronicamente online”. Os primeiros registros da expressão no X (antigo Twitter) são de 2007 e ainda remontam a programas fúteis da televisão.

“Qual a diferença dessa descrição do Thoreau para a atualidade? Acredito que a maioria das pessoas nunca se interessou por conhecimentos mais profundos sobre a vida, mesmo no passado. A única novidade, me parece, é a forma de consumir os conteúdos mais superficiais, que hoje são as redes sociais”, aposta Mendonça. 

Consequências

Em 2024, o uso da expressão “brain rot” aumentou 230% em relação ao ano anterior, diz a Oxford, para remeter à “suposta deterioração intelectual de uma pessoa”, fenômeno decorrente sobretudo do consumo excessivo de besteira na internet. Seriam exemplos disso os virais curtíssimos do TikTok.

“O problema das redes sociais me parece menos os conteúdos superficiais, e mais o seu mecanismo de funcionamento. Primeiro, a proximidade da tela do celular ao olho produz uma estimulação visual maior que a das telas mais distantes. Essa estimulação maior mantém o cérebro em estado de alerta e pode produzir ansiedade. Segundo, a rolagem rápida de conteúdos, sejam superficiais ou não, dificulta a manutenção da atenção. Não é incomum que as pessoas fiquem horas usando as redes sociais e, minutos depois, já não se lembrem dos conteúdos que consumiram”, analisa Mendonça, para quem “esse fenômeno é certamente uma das causas do aumento significativo de pessoas com déficit de atenção”. 

Outro ponto de atenção, segundo ele, é o “ambiente de comparação que produz uma pressão emocional nas pessoas”. “Elas querem a vida ideal que as pessoas postam e se pressionam para conseguir. Na verdade, a vida ideal não existe para ninguém. A vida real é sempre mais dura que a vida que as pessoas postam nas redes sociais. Esse ambiente de comparação constante produz uma ansiedade igualmente constante”, alerta o especialista, que, por fim, destrincha o perigo das “bolhas sociais”, que, por meio dos algoritmos de recomendação de conteúdo criam a chamada “polarização afetiva”. 

“A consequência é que as pessoas estão perdendo a capacidade de conviver com as diferenças, de aceitar ou mesmo conversar sobre as suas diferenças. Cada um vive na sua bolha social e se isola nela, aumentando assim o isolamento social na vida real. Na internet, a pessoa pode ter muitos amigos, mas na vida real se sente sozinha. A solidão, por sua vez, vai causar, além de ansiedade, depressão”, vaticina. 

Variações

O termo “brain rot” circula em português com as variantes “cérebro podre”, “meu cérebro apodreceu” ou “minha cabeça apodreceu” e ganhou tração sobretudo no último ano. A “podridão cerebral” chegou inclusive ao voto do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, em uma defesa da moderação de conteúdo nas redes sociais. 

O termo viral foi reproduzido também em francês, alemão e outras línguas, reforçando que as tendências consagradas nas redes sociais são globais. “O conceito ‘cérebro podre’, apesar de ser importante para nos lembrar de consumir conteúdos melhores no nosso dia a dia, pode conter o risco de facilitar um julgamento moral por parte das pessoas que consideram não possuir um ‘cérebro podre’. As pessoas mais cultas, por exemplo, podem se sentir ética ou moralmente superiores por supostamente não possuírem um ‘cérebro podre’”, reflete Mendonça. 

Ele acredita que “esse senso de superioridade pode ser tão ou mais prejudicial para a saúde mental e as relações interpessoais que o consumo excessivo de conteúdos irrelevantes e superficiais em excesso”. A preocupação de evitar que as redes sociais e o entretenimento sejam vilanizados tem ganhado espaço em livros e artigos acadêmicos neste século 21, e também não escapou aos pensadores dos séculos anteriores. Thoreau não defendia que as pessoas parassem de ler jornais. Embora crítico aos veículos de imprensa, ele conta que os lia. Dizia, porém, que era preciso ir também aos livros e autores do passado para separar o joio do trigo e não acreditar em qualquer coisa. (Com Pedro S. Teixeira/Folhapress) 

Estratégias para escapar de armadilhas

Para o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça, uma boa estratégia para escapar às armadilhas das redes sociais e do perigo do “cérebro podre” é buscar “conhecimentos em fontes confiáveis e com conteúdos mais aprofundados”. “Em vez de ler apenas o título das notícias nas redes sociais, por exemplo, ler as matérias completas em um jornal ou revista de qualidade. Usar as redes sociais por pouco tempo ao longo do dia é também uma boa estratégia. A vida acontece fora das redes. Permitir-se momentos de tédio me parece uma boa recomendação”, avalia. 

De acordo com Mendonça, mudar a própria relação com o tempo também faz uma grande diferença. “O celular e as redes sociais preenchem cada minuto sobrando. Quando as pessoas têm um tempinho, logo já ligam o celular. Permitir-se um tempo ocioso pode facilitar uma vida mais calma, com mais organização do tempo livre e menos estimulação, e, assim, menos ansiedade. Consumir conteúdos que ampliem a sua visão de mundo, que ofereçam uma experiência ou interpretação aprofundada sobre a vida, pode ser uma boa forma de refletir mais sobre os diferentes pontos de vista e assim facilitar a aceitação das diferenças”, arremata.