Na última semana, enquanto apresentava o primeiro desfile de sua marca, a Monderpars, a estilista Sasha Meneghel falou sobre os privilégios que teve por ser filha da apresentadora Xuxa, umas das figuras mais icônicas e conhecidas do entretenimento brasileiro. Em entrevista, a estilista ainda admitiu ser uma “nepo baby” e foi além, brincando que é  “A” nepo baby. Mas afinal, o que significa esse termo? O que de fato ser uma “nepo baby” significa para a vida e a carreira de alguém?

De acordo com Jorge Alexandre Neves, professor de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais, “nepo baby” é uma expressão utilizada para definir os filhos e filhas de pessoas famosas que têm a vida favorecida por conta da fama dos pais, algo que acontece, principalmente, quando os herdeiros exercem uma ocupação na mesma área daquela pessoa que é famosa. “Nesse sentido, eles têm a vida facilitada não só por terem condições econômicas favoráveis, mas também pelo que a gente chama de capital social da família, ou seja, as conexões, as amizades e as pessoas que conhecem”, explica. “Tudo isso facilita a inserção daquela pessoa em determinados meios. Por exemplo, se a pessoa é um artista, uma atriz, ou um cantor, fica muito mais fácil entrar nesse campo quando ela tem um pai ou a mãe também nessa área porque tem a influência do capital social, do capital econômico e também do capital cultural, que diz sobre os códigos de linguagem, de comportamento que são compatíveis com aquela área”,  acrescenta.

Para o psicólogo e psicanalista Danty Marchezane, o termo “nepo baby” tem uma relação mais próxima ao que conhecemos no português como privilégio. Aliás, foi justamente essa palavra escolhida por Sasha ao falar sobre como ser filha de Xuxa e do ator Luciano Szafir havia contribuído para o lançamento de sua marca. “Tenho o privilégio imenso de poder juntar tanta gente aqui por contatos que, naturalmente, eu recebi na minha vida por ser uma nepo baby”, disse em entrevista ao canal FFW Fashion. 

Como surgiu o termo “nepo baby”?

Surgido como uma abreviação da expressão “nepotism baby” - filho ou filha do nepotismo, em português - o termo tem uma relação com a própria prática do nepotismo, que se refere ao favorecimento de familiares ou amigos em cargos ou oportunidades, independentemente de suas qualificações. O termo “nepo baby”, porém, tem sua utilização mais aliada à área do entretenimento, tanto que seu primeiro uso é atribuído a uma matéria de 2010, publicada na revista norte-americana “Vulture”, em um conteúdo que falava sobre Olivia Jade Giannulli, filha da atriz Lori Loughlin, que foi envolvida em um esquema de fraude para entrar na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).

Embora tenha sido utilizado pela primeira vez há mais de uma década, o termo voltou a ganhar os holofotes com discussões mais recentes sobre vantagens e privilégios que filhos ou até mesmo parentes de celebridades e figuras influentes desfrutam em suas carreiras. No ano passado, por exemplo, a atriz Emma Roberts foi criticada nas redes sociais após ter sido escalada para “Madame Web”, produção que faz parte do universo cinematográfico da Marvel. Vale lembrar que além de ser sobrinha de Julia Roberts, Emma é também filha do ator Eric Roberts. 

No início deste ano, o tema também fez parte das discussões nas redes sociais por conta das participantes do BBB 24 Wanessa Camargo, que é filha do sertanejo Zezé di Carmargo, e da modelo Yasmin Brunet, filha de Luiza Brunet. 

Tema gera controvérsias

O sociólogo Jorge Alexandre Neves pontua que embora seja natural, do ponto de vista individual, que os pais e mães queiram transmitir o melhor para os filhos, a visão coletiva sobre esses favorecimentos acaba esbarrando em um discurso que faz parte da sociedade moderna: a meritocracia. “A questão da herança, principalmente econômica, mas também cultural e social torna esse discurso absolutamente falacioso, porque para que houvesse de fato uma meritocracia, era preciso que existisse equidade, ou seja, que as pessoas tivessem as mesmas chances de competir no mercado. E não é assim, há uma enorme desigualdade de onde as pessoas partem”, pontua. 

Danty Marchezane observa ainda que o uso desses privilégios - garantidos por um sobrenome e por uma infinidade de acessos já assegurados aos “nepo babies”- é um comportamento cultural. “As pessoas que têm esse privilégio, assim como a Sasha e tantas outras, acabam se fazendo valer dele. Elas usam desses recursos, usam de toda a ajuda possível quando podem. Aquelas que não podem são largadas a tentar fazer isso por mérito próprio. E eu acredito que exista sim o mérito, o que não existe é efetivamente uma meritocracia justamente por situações como essas”, pontua.

Pressão 

Embora o sobrenome possa carregar uma série de facilitadores, existe também o outro lado da moeda. Filhos de pessoas famosas ou bem-sucedidas em determinadas áreas podem enfrentar a pressão de seguir o mesmo passo dos pais, de obterem os mesmos êxitos ou ainda se encaixarem em determinados padrões. A última situação, inclusive, foi a que fez com que Bruno Fagundes, filho do ator Antonio Fagundes, enfrentasse um problema com as drogas.

No final do ano passado, em uma participação em um podcast, o também ator falou sobre a pressão sofrida para esconder sua sexualidade por ser filho de uma celebridade. “A minha vida inteira, por ser filho de famoso, fui muito pressionado por todos os agentes de celebridades e todas as engrenagens que fazem parte deste sistema, para que eu escondesse e mudasse a minha forma de ser, existir, viver e me mostrar. Isso é uma violência absurda”, contou à época. O artista ainda disse que quando tinha 19 anos tentou a todo custo ser heterossexual, porque as pessoas lhe diziam que ele fracassaria sendo gay. 


O psicólogo Danty Marchezane explica que na medida em que o filho passa a ser diretamente - ou pelo menos tenta ser - um reflexo daquilo que os pais ou a sociedade esperam que ele seja pode ser muito difícil se desvincular dessas expectativas. “Filhos que acabam, de alguma forma, sendo projeções ou reproduzindo algumas projeções dos pais podem sofrer um total apagamento de sua subjetividade, de sua experiência de vida enquanto um indivíduo. Então, isso pode prejudicá-lo na medida em que ele não faz mais aquilo que ele quer, aquilo que ele tem vontade, mas sim tenta reproduzir o que os pais querem que ele seja, e isso pode gerar uma série de conflitos”, afirma.

Esse tipo de pressão pode acontecer ainda com pessoas que não são famosas. “Em alguma medida, acho que todos nós somos afetados pelas projeções que são realizadas sobre nós, seja de pais, seja de parentes, às vezes até de amigos”, diz ele, que orienta que para lidar com isso é necessário refletir sobre nossa identidade e sobre aquilo que temos feito. “Mas esse é um processo muito complexo, porque quando a gente vê, já está reproduzindo. É difícil ter esse distanciamento porque são tantas projeções feitas há tanto tempo, que fica até difícil a pessoa se desvincular e pensar na sua identidade. Então, acho que nesses casos, precisa ser um processo em conjunto, tanto de uma conscientização dos pais sobre o peso que essas projeções podem ter na vida do filho quanto de uma reflexão feita junto dos filhos para entender suas vontades e aquilo que ele quer. É necessário que o pensamento seja mais sobre isso do que sobre o que os pais esperam ou querem que ele seja”, conclui.