Quando nascemos, a nossa primeira vocalização costuma ser um choro em alto e bom som. Se ele não ocorre, há motivos até mesmo para preocupação. Mas aí crescemos e o choro vira pirraça, algo feio, condenável. “Engole esse choro”, escutamos. E, se envelhecemos um pouco mais, chorar pode acabar se tornando sinônimo de fraqueza, desequilíbrio ou destempero. Mas será que chorar é mesmo tão ruim assim? A ciência diz que não.
Um artigo publicado em 2021 no “Harvard Health Publishing”, da Universidade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, aponta que o choro é uma válvula de segurança importante, principalmente porque manter sentimentos difíceis dentro de si – o que é chamado de “enfrentamento repressivo” pela psicologia – pode ser prejudicial à saúde. Tanto que um estudo publicado em 2011, na National Library of Medicine, associou a repressão desses sentimentos difíceis a um sistema imunológico menos resiliente, a doenças cardiovasculares e hipertensão e, também, a problemas de saúde mental, como estresse, ansiedade e depressão.
Segundo o psiquiatra Bruno Brandão, reprimir o choro – por medo de parecer vulnerável, inadequado ou por qualquer outro motivo – pode levar a um acúmulo de tensões emocionais. “Vemos muito isso em homens, e pode ter um problema muito sério. Sabemos que alguns quadros neuropsíquicos estão associados ao que chamamos de ‘ambiente invalidante’, que não permite a expressão emocional”, afirma. Ele acrescenta ainda que a supressão emocional pode levar a uma série de problemas psicológicos a longo prazo, aumentando o estresse, a ansiedade e até mesmo alguns transtornos de personalidade. “O choro é uma forma importante de expressão emocional, especialmente da tristeza, mas também de outros estados emocionais”, pondera.
Se reprimir os sentimentos pode gerar consequências negativas, lidar com eles pode fazer toda a diferença – e isso inclui chorar quando há vontade. “Chorar permite que a gente libere essas emoções reprimidas, o que causa uma sensação de alívio, dá uma clareza mental. Quem nunca, depois de um choro intenso, sentiu como se tivesse recarregado as pilhas daquele estado emocional e disse: ‘Não, agora é bola para frente’?”, exemplifica.
Segundo o psiquiatra, o choro também pode diminuir os níveis de cortisol do corpo. “É o hormônio que está associado ao estresse, então o choro também pode contribuir para uma sensação de relaxamento. As lágrimas emocionais, de um modo geral, têm a tendência de reduzir algumas toxinas do corpo. Então, o choro também ajuda essa desintoxicação fisiológica”.
O artigo publicado no “Harvard Health Publishing” também aponta que o choro libera oxitocina e opioides endógenos, também conhecidos como “endorfinas”, que são substâncias químicas que ajudam a aliviar a dor física e emocional.
A psicóloga Érika Miranda acrescenta que o choro pode proporcionar alívio para cargas emocionais pesadas. “Algumas pessoas relatam até que se sentem melhor depois que choram”, conta. Ela aponta ainda que chorar pode ser uma forma de aceitar as emoções mais difíceis. “Quando choramos, começamos a entender o processo das nossas emoções de tristeza, por exemplo. Dependendo do que estivermos passando, pode nos ajudar a enfrentar situações mais adversas”, afirma.
Saúde dos olhos
Chorar também pode promover benefícios para a saúde ocular. É isso o que explica o médico oftalmologista Tiago César Pereira Ferreira, especialista em cirurgia refrativa, catarata, lentes de contato e ceratocone. “As lágrimas são essenciais para a lubrificação dos olhos. Elas formam uma camada protetora na superfície ocular, ajudando a manter a córnea úmida e funcionando adequadamente. Isso é crucial para a saúde dos olhos, pois a secura ocular pode causar desconforto e irritação e aumentar o risco de infecções”, pontua.
Ainda conforme o médico, chorar também ajuda a remover partículas estranhas e irritantes nas superfícies dos olhos, já que as lágrimas atuam como um mecanismo de limpeza. “Elas também contêm enzimas e proteínas com propriedades antimicrobianas, como a lisozima. Essas substâncias ajudam a proteger os olhos contra infecções bacterianas, promovendo a saúde ocular geral”, acrescenta.
O oftalmologista explica que há um benefício indireto no ato de chorar para a saúde dos olhos. “O alívio emocional por meio do choro pode ter um impacto positivo, porque o estresse acaba contribuindo para condições como olho seco e espasmos oculares. Então, se nós as reduzimos chorando, ajudamos a mitigar esses sintomas”.
Entender o choro é fundamental para a saúde
Embora o choro tenha uma série de aspectos positivos, chorar também pode ser um sinal de que as coisas não vão muito bem, principalmente quando o assunto é a saúde mental. É justamente por isso que a psicóloga Érika Miranda ressalta a importância de compreender o choro e, até mesmo, de monitorá-lo. “A gente precisa entender, por exemplo, a frequência do nosso choro, em qual contexto ele acontece. Avaliar em quais situações a gente está chorando, se é após uma situação estressante, uma lembrança, um choro de tristeza”, exemplifica.
Se o choro começa a interferir na vida diária, pode ser um alerta para a necessidade de buscar ajuda. “Se o choro está recorrente, incontrolável e acontecendo de forma inesperada, pode indicar alguma doença. Quando você monitora e compreende o seu choro, consegue notar isso e entender se é uma atitude que está funcional ou disfuncional”, explica.
De acordo com Bruno Brandão, um choro excessivo pode ser sinal de vários distúrbios emocionais, especialmente a depressão, a ansiedade e o transtorno de personalidade borderline. “Chorar em excesso sinaliza algum problema, principalmente de ordem emocional, psiquiátrica e até neurológica”, acrescenta o psiquiatra. Bruno pontua ainda que chorar em excesso pode ter impactos físicos. “Pode contribuir para dores de cabeça, olhos inchados, congestão nasal e, muitas vezes, cansaço e exaustão física mesmo”, alerta.