Enfermeira, coelha, policial, bombeiro, empregada doméstica. Muito mais do que mera coincidência, as fantasias listadas aparecem entre as mais procuradas segundo o relato de dois profissionais de sex shops em BH. Proprietário da L’amour Boutique Erótica, Alexandre Bicalho afirma que “as fantasias ajudam muito na conexão do casal, pois mostra que está havendo um diálogo sobre o que cada um mais gosta, e que ambos estão buscando algo para apimentar a relação”.
Ele completa que “os homens costumam procurar fantasias para as companheiras, e não para eles mesmos”. “Os homens que mais buscam fantasia são gays, à procura de acessórios para práticas sadomasoquistas”.
Já o vendedor Allysson Aguiar, da Sex Shop Atacadão, acredita que o sucesso de fantasias sexuais como as citadas acima está intimamente ligada à possibilidade de “se construir uma narrativa envolvente”. “O principal, ao usar a fantasia, é criar uma história antecipada, que leve a pessoa ao momento desejado, pois a excitação vem da imaginação!”, analisa Allysson.
Para a psicóloga e sexóloga Bruna Coelho, as fantasias servem como “uma preparação para a realidade, e podem conduzir a um domínio melhor sobre ela”. Entre os fatores que envolvem a escolha pelo uso de fantasias sexuais, ela destaca a chance de “escapar da realidade e se inserir, através da imaginação, em um cenário onde as inibições não existem, vivenciando a liberdade ao assumir outro personagem ou profissão que permitem à pessoa explorar aspectos da identidade como poder, vulnerabilidade ou domínio”, sustenta a especialista, para quem, o objetivo final, “é o aumento da excitação sexual por meio de elementos de novidade e surpresa que são muito estimulantes sexualmente, e promovem uma conexão física e emocional”, avalia.
Na opinião de Bruna, a alta procura por fantasias como as de enfermeira e policial está relacionada a “símbolos de autoridade, inocência, submissão e rebeldia”. “As fantasias revelam necessidades humanas e algumas dinâmicas de poder, autonomia, rompimento de tabus e transgressões às regras sociais”, esclarece.
Nesse quesito, ela percebe que, em nossa sociedade, “algumas profissões têm o status de sagrado e intocável”, o que geraria a excitação fantasiosa. “Esse paradigma entre o sagrado e o profano sempre compôs as dimensões do erótico e da sexualidade. São como um meio para a pessoa acessar seus desejos, permear novas interações e dar contornos mais libertários à sua expressão sexual. Isso auxilia na percepção dos limites pessoais e no processamento de algumas emoções, em um ambiente seguro e consentido”, pondera.
Fetiche
Uma fantasia sexual custa, em média, entre R$45 e R$250, a depender do tamanho do conjunto ou da especificidade do vestuário. Peças de couro ou látex, utilizadas principalmente pelos fetichistas e adeptos do BDSM, sigla para práticas sadomasoquistas que tende a requisitar utensílios como chicote e algemas, podem chegar a R$600 devido à qualidade do tecido.
Em sua experiência como dono de sex shop, Alexandre Bicalho lembra-se de um casal que foi à loja procurando “uma fantasia realista de cachorro, daquelas em que o homem se veste para se comportar como tal e a mulher o mimar” como seu autêntico animal de estimação. O casal já havia providenciado uma cama de cachorro, um pote de ração com biscoitos de fruta e mel, e até um tapetinho para o xixi. E essa não foi a única história que lhe chamou a atenção.
De outra feita, Bicalho recebeu um casal que desejava uma fantasia de empregada doméstica para a mulher, e a de mordomo para o homem. “O fetiche era outro homem ter relação com a sua esposa vestida de empregada doméstica, enquanto ele, vestido de mordomo, somente assistiria”, conta, observando a prática de voyeurismo. Bruna Coelho percebe que, “através de elementos visuais, de moda e comportamento, são lançados temas no imaginário social que ativam percepções, e trazem novos paradigmas”.
Ela relembra, como exemplo, o álbum “Erótica”, lançado por Madonna em 1992, com “temas oriundos do BDSM e do fetichismo”. “Toda a sua comunicação visual e artística reforçava essas imagens. A indústria do cinema e da música, de forma geral, costuma erotizar personagens para atrair mais atenção, o que desperta fantasias”, diz.
A especialista constata que “pessoas que se dispõem ao universo das fantasias sexuais costumam ter uma natureza mais exploradora e aberta que permite entender com mais propriedade quem são e o que desejam”. “Isso pode se traduzir em uma abordagem mais aberta em outros aspectos da vida, estimulando a criatividade, a inovação, curiosidade, e, certamente, este comportamento mais pró-ativo e essa busca, sobretudo, impacta a maneira como a pessoa se vê e percebe a sua identidade”, afiança Bruna.
Ela garante que, do ponto de vista científico, ter fantasias sexuais é “não apenas saudável, como fundamental para uma vida sexual satisfatória”. “Grande parte dos medos, da ansiedade e estranheza que as pessoas sentem e explicitam é devido a uma ideia de julgamento sobre essas nuances sexuais, oriunda de crenças limitantes que foram originadas no decorrer da nossa formação religiosa, familiar e social. Ao explorar essas fantasias de maneira consciente, surgem novas possibilidades para o autoconhecimento, o crescimento pessoal e a comunicação no casal, promovendo uma sexualidade mais saudável e prazerosa”, arremata a sexóloga.
Riscos e benefícios das fantasias sexuais
Como tudo na vida, as fantasias sexuais também trazem riscos e benefícios, a depender do uso do cliente. Sexóloga e psicóloga, Bruna Coelho afirma que os principais benefícios estão no “aumento da excitação, prazer e satisfação sexual, na melhora da comunicação entre os parceiros, no desenvolvimento pessoal com vistas a descobrir novas dimensões da sexualidade e na redução do estresse através do escapismo da rotina”. Por outro lado, a sexóloga alerta que “a dependência excessiva de fantasias sexuais pode levar a uma desconexão da realidade, levando a pessoa à insatisfação com a sua vida sexual real”.
“Pode gerar também expectativas irrealistas e se a fantasia englobar elementos que constituem um tabu, pode gerar vergonha e culpa”, complementa Bruna. Por fim, ela salienta que “a pessoa deve prezar por uma comunicação clara com o parceiro, para partilhar e estabelecer limites seguros que compreendam a dignidade dos dois”.
“Atentar-se para que tudo que for proposto seja explorado de maneira consensual e que todos se sintam respeitados. Deve-se levar em conta que as fantasias são um recurso para explorar a criatividade. Desta forma, o sujeito precisa refletir sobre suas motivações, as regras do seu relacionamento, o impacto que isso pode gerar”, finaliza.