Uma pesquisa feita com 40 países ao longo de três anos, baseada na devolução de carteiras contendo dinheiro, e publicada pela revista Science, concluiu que Suíça, Noruega, Holanda, Dinamarca, Suécia e Nova Zelândia ocupam o topo do chamado “ranking da honestidade”, enquanto Estados Unidos, China, Portugal e Reino Unido ficaram todos abaixo da vigésima colocação.
O Brasil aparece na posição de número 26. De acordo com Ródinei Páscoa, presidente do Sindicato dos Sociólogos de Minas Gerais, o estudo permite traçar uma relação entre a alardeada honestidade e índices de desigualdade social, em nações onde o avanço do capitalismo trouxe consequências variadas.
“Nos países mais bem colocados, a desigualdade não é tão abismal. Então, talvez essa ‘desonestidade’ advenha mais da necessidade da pobreza, do sofrimento das pessoas em relação aos maus tratos que o próprio sistema capitalista acaba produzindo”, analisa Ródinei, que recorre ao clássico da literatura “Os Miseráveis”, de Victor Hugo (1802-1885), publicado em 1862, em que o roubo de um pão e de uma maçã no pomar desencadeia uma série de acontecimentos, explicitando essa engrenagem de violências cotidianas. Já em “Ressurreição”, derradeiro romance de Tolstói, de 1899, uma personagem se rebela e dispara: “Primeiro roubaram a terra e mataram, depois criaram a lei em que proibiam aqueles que foram lesados de roubar e matar”.
Ródinei pondera que “mesmo havendo desonestidade na sociedade, não é toda ela que vai ser desonesta”. “Existem pessoas que irão se manter honestas, destacando os bons relacionamentos sociais”, opina. Na Coreia do Sul, por exemplo, outro país com baixa desigualdade social, é comum as pessoas marcarem seus lugares em cafés com carteiras, smartphones ou laptops.
Segundo uma pesquisa do Korea Herald, um jornal inglês publicado em Seul, a taxa geral de devolução de carteiras com dinheiro corresponde no país a quase 57%. Arão Levcovitz, 79, aposentado, viveu na pele essa situação. “Uma vez, um rapaz passou de moto na minha frente e deixou a carteira cair. Tinha a identidade dentro da carteira, consegui descobrir como encontrá-lo e devolvi a carteira”, conta.
Primeira pedra
Arão garante que “a honestidade é fruto da criação e do próprio caráter”. “Várias vezes foram desonestos comigo. Hoje em dia, então, é um perigo. O que tem de golpe pelo celular, não é fácil”, lamenta. Um dado interessante é que, embora as pessoas percebam a desonestidade na sociedade, poucas admitem sua parcela de participação nesse caldo.
A professora Daiane Filbrich, 22, parece constituir uma exceção. Ela admite que chegou a pagar um funcionário para conseguir tirar a carteira de habilitação. “É algo desonesto, mas quem nunca fez que atire a primeira pedra”, diz, aludindo ao ensinamento bíblico de Cristo, na passagem sobre Maria Madalena, que revela a hipocrisia da sociedade que apedreja a prostituta.
Apesar do deslize, Daiane se considera “98% honesta”. “Mas não é um trabalho fácil, muitas coisas vão aliciando a gente no dia a dia, e a vida sem honestidade, acredito, abre mais portas, mais caminhos”, pontua. De fato, não é raro encontrar pessoas que galgam promoções e altos postos de trabalho deixando de lado os escrúpulos.
Para o advogado Carlos Gomes, 67, ao se pensar sobre honestidade é preciso ter em mente que as aparências enganam. A imagem de candura de uma simpática velhinha pode esconder intenções arrepiantes. “A honestidade não tem nada a ver com oportunidade. E a canalhice também envelhece”, dispara Carlos.
A servidora pública Darcilene Souza, 53, se recusa, terminantemente, a estacionar seu veículo em vagas para idosos e pessoas com deficiência, o que ela exibe como símbolo inconteste de sua honestidade. “Tenho muita consciência, não vou fazer com os outros o que eu não gostaria que fizessem comigo”, afirma Darcilene.
Para ela, “não existe pecadinho nem pecadão, é tudo pecado”. “A mesma coisa serve para a desonestidade, se eu achar a carteira de alguém irei devolver, pode ter dez ou dez mil reais”, garante a servidora. Porém, Darcilene confessa que, no caso de não encontrar contatos para localizar o dono da carteira perdida, ficaria com ela para si. “Não sou boba”, completa.
Já para o motorista Hélio Geraldo, 55, “bobo é quem é desonesto”. “Honestidade sempre vale a pena”, proclama. O vendedor de balas Arlei Oliveira, 22, gosta de “tudo certinho”. “Não gosto de conversa fiada, me considero honesto, sou fiel ao meu ‘mozão’. Isso é honestidade também. Até uma agulha que você pegar na casa dos outros, se não for sua é desonestidade”, arremata.
Em 1933, Noel Rosa (1910-1937), compôs o samba “Onde Está a Honestidade?”, lançado por ele mesmo. A perenidade da letra a levou a ser regravada por nomes como Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Teresa Cristina, Ivan Lins e Paula Toller. A resposta à pergunta do eu lírico parece estar na boca do povo. “E o povo já pergunta com maldade/ Onde está a honestidade?”, diz.
Valores como honestidade influenciam a organização social
Presidente do Sindicato dos Sociólogos de Minas Gerais, Ródinei Páscoa afirma que a honestidade é um dos valores que influenciam “a organização social e os relacionamentos entre os indivíduos, a partir de noções como confiança, respeito e segurança”. “Nada é dito, mas, de alguma forma, estabelecemos esse contrato social entre as partes, em que a honestidade precisa estar presente”, destaca. Instituições como o casamento e relacionamentos profissionais e afetivos podem ser erodidos, na visão do sociólogo, se for percebida uma falta grave de honestidade, “rompendo esses laços”.
Ao mesmo tempo, ele avalia que a honestidade é um valor de ordem ética e moral que pode e deve ser aprendido no convívio social estabelecido em escolas, no seio das famílias e também por meio das religiões, a partir de missas, cultos e celebrações em igrejas. “Todas essas conexões impactam fortemente a percepção das pessoas sobre honestidade, porque se torna alicerce daquela convivência em grupo”, finaliza Ródnei.