Das sete atividades domésticas listadas pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, seis são desempenhadas na sua maioria por mulheres. Tarefas ligadas à alimentação, ao cuidado com roupas e animais domésticos, limpeza e arrumação, por exemplo, são feitas majoritariamente por elas. Os homens só são maioria em atividades de manutenção do domicílio e pequenos reparos na casa. Toda essa desigualdade na divisão dos serviços da casa fica refletida também na diferença de tempo trabalhado por homens e mulheres. Em 2022, aquelas que trabalhavam dedicaram, em média, 9,6 horas a mais que aqueles na mesma posição. Enquanto os homens gastaram 11,7 horas com atividades domésticas semanalmente, as mulheres trabalharam quase o dobro em casa: 21,3 horas. 

Segundo o psicólogo Jailton Souza, essa desigualdade reflete uma questão cultural: o entendimento de que certas atividades, principalmente as relacionadas à casa e ao cuidado com outras pessoas, são exclusivamente femininas. “Dificilmente o homem, na sua adolescência ou infância, é educado para fazer tarefas domésticas. É como se fosse uma obrigatoriedade social da mulher”, observa ele, acrescentando que o cenário muda na medida em que os homens envelhecem e passam a ser cobrados por essas atividades. “Aprender isso acaba se tornando algo mais difícil, é uma atividade que acaba sendo feita por obrigação”, afirma.

A construção social também reflete na forma como homens e mulheres percebem a bagunça. É isso o que mostra um estudo desenvolvido por filósofos das Universidades de Cambridge, no Reino Unido, e de Viena, na Áustria. Na pesquisa, eles propõem algo que é chamado de “teoria da disponibilidade” (“affordance theory”, em inglês), que indica que homens e mulheres vivenciam objetos e situações como tendo ações implicitamente associadas. 
No ambiente doméstico, por exemplo, a teoria se aplicaria da seguinte forma: uma mulher pode olhar para uma superfície suja e ter a ação, implícita, de limpá-la, enquanto homens podem apenas observá-la coberta de migalhas. 

A questão cultural ainda afeta a feitura das atividades domésticas de outras maneiras. Segundo o psicólogo Jailton Souza, homens podem deixar de cumprir com deveres domésticos por causa da certeza de que outra pessoa – a mulher – irá cumprir com aquela demanda. 

Por outro lado, quando a tarefa é assumida pelo homem, ela pode ser feita de forma bem menos comprometida ou “meia boca” – e de propósito. Pelo menos é isso o que já mostrou um estudo desenvolvido no Reino Unido. Conforme a pesquisa, que ouviu 2.000 pessoas, um terço dos homens admitiu fazer o serviço de casa malfeito só para que suas parceiras não peçam para que eles ajudem nas tarefas domésticas novamente. 

A divisão igualitária dos trabalhos domésticos ainda não é um consenso entre moradores da capital. A reportagem do Interessa foi às ruas ouvir como é a rotina nos lares dos belo-horizontinos e, dos 12 entrevistados, apenas em três lares homens e mulheres têm responsabilidades equivalentes. Para a maioria, sobretudo os mais velhos, a mulher é a mais habilitada aos cuidados domésticos, seja por passarem mais tempo em casa ou por acreditarem que elas são mais detalhistas.

Embora a maioria dos entrevistados reconheça que a divisão das tarefas domésticas seja desigual, nenhum dos homens admitiu fazer o serviço de casa malfeito para que as mulheres assumissem a demanda. As mulheres também não acreditam que seus maridos fazem isso. Mas um pensamento em comum apareceu entre algumas das entrevistadas: a ideia de que determinadas demandas da casa são feitas de forma mais adequada pelas mulheres. 

Esse é o caso da servidora pública Rosinete Ferreira dos Santos, 63. Ela diz que apesar de contar com o apoio do marido no cuidado com a casa, certas atividades só são bem feitas quando assumidas por ela. “Tem coisas que só eu sei fazer, o homem não tem a mesma habilidade que as mulheres na limpeza de uma casa, na limpeza pesada da cozinha. Essa parte tem que ser a mulher”, acredita. 

A auxiliar de sala Thais Moura Caetano, 33, compartilha da mesma opinião. Embora conte que o marido ajuda, principalmente na questão da alimentação, ela afirma que a limpeza não é um papel assumido por ele. “Os homens não sabem fazer, não sabem limpar com a riqueza de detalhes [que as mulheres limpam]. Eles não veem as coisas como nós vemos. Ninguém limpa como a gente, nem os filhos que a gente cobra, fazem igual”, diz. 

A dona de casa Maria Raymunda Tomás Pereira, 74, é mais uma que concorda com a ideia de que as mulheres fazem o serviço de casa melhor. Ela, que assume a responsabilidade da casa porque o marido está impossibilitado por conta de um infarto, confessa que, quando ele podia ajudar, não fazia o serviço bem feito. “Não é o gosto da gente, a mulher que sabe os pequenos e os grandes detalhes”.

Educação para transformar

Para o psicólogo Jailton Souza, esse cenário de desigualdade só pode ser transformado quando o pensamento também for. “A gente tem que mudar essa questão de que existem atividades que são para homens e atividades que são para a mulher. O homem tem que aprender desde cedo que é preciso haver divisões nas tarefas domésticas, que isso é também um trabalho, e que as pessoas não têm obrigação de servir por servir. E se a pessoa servir por opção, ela precisa ser valorizada por isso”, pontua. 

Ele ainda acrescenta que é necessário que as tarefas domésticas sejam aprendidas pelos homens desde a infância. “Temos que pensar numa educação de base, porque isso também é educar, que vá além dessa educação profissional e que inclua também uma educação para atividades domésticas e para uma percepção de que essas tarefas são divididas”, diz ele, observando também que outras mudanças precisam ser feitas. “Quando o homem faz há uma supervalorização, como se isso não fosse algo para ele. Então, se o homem lava, as pessoas falam: ‘olha, fulano lavou uma roupa, uma vasilha’. Essa supervalorização é algo que a gente tem que começar a eliminar, porque ele não fez mais do que a obrigação. A atividade doméstica tem que ser naturalizada como algo que deveria ser tanto do homem quanto da mulher”, conclui.

(Com Raquel Penaforte)