“Tristeza não tem fim; felicidade, sim”, dizem os versos de Vinicius de Moraes eternizados na voz de Tom Jobim ao que podemos acrescentar: o dinheiro também. E esse costuma ser um problema e tanto para muita gente. Isso porque, como já demonstraram pesquisas diversas, há uma curiosa correlação entre estar triste e um avassalador ímpeto consumista. Caso de um estudo conduzido pelos departamentos de psicologia das Universidades de Harvard e Columbia, nos Estados Unidos, que concluiu que, quando tristes, as pessoas costumam agir de maneira menos racional, ficando mais suscetíveis a sofrer perdas financeiras.  

Esse fenômeno que vem sendo chamado de “tristeza míope” e funciona assim: abatido emocionalmente, o indivíduo, que não está habituado a lidar com sentimentos desagradáveis, tende a buscar pequenos prazeres para, pretensamente, curar aquela dor momentânea. E fazer compras é uma forma de obter satisfação – ainda que pouco durável. Então, sem avaliar muito bem os prós e os contras, o sujeito cede à tentação e acaba consumindo mais do que poderia em uma lógica que é perigosa tanto para a saúde financeira quanto para a saúde psicológica. 

“A nossa cultura nos condiciona a pensar que devemos estar felizes a qualquer custo e nos leva a acreditar que, para isso, devemos evitar sentimentos que entendemos como negativos, como a tristeza. Por causa dessa postura, acabamos ignorando que a tristeza é uma emoção que nos faz refletir sobre a vida. E a reflexão, por sua vez, é um importante instrumento para a promoção de mudanças. Mas, de novo, estamos falando sobre algo que é evitado no imediatista mundo contemporâneo, em que decisões rápidas são mais valorizadas”, critica a psicóloga Simone Felipe. 

“Então, sem saber lidar com uma emoção vista como ruim e habituados a esse ímpeto de encontrar soluções rapidamente, acabamos cedendo ao prazer das compras sem medir as consequências dessa atitude”, complementa, asseverando que os resultados de tanta impulsividade nunca são bons. 

“Acontece que, depois da despesa feita, a pessoa pode se arrepender por ter gastado demais, por ter se endividado ou mesmo por ter acumulado mais coisas do que gostaria. Com isso, ao abrir o guarda-roupas, a pessoa pode se sentir pior e ficar ainda mais angustiada do que antes”, comenta, salientando que o que era para ser a solução de um mal-estar pode se converter apenas em mais tristeza. “Muitos vão se deprimir depois de ceder ao impulso consumista, sentindo-se frustrados, incapazes de se controlar e ainda experimentando uma sensação de vazio, pois aquela sensação boa experimentada no momento da compra dura pouco”, comenta. 

E o pior é que, para algumas pessoas, pode haver uma compulsão pelas compras, entendidas como válvula de escape, como um conforto em momentos difíceis. Isso acontece porque o consumo ativa o chamado “sistema de recompensas”, que leva à liberação de dopamina, um neurotransmissor que promove sensação de bem-estar. “Frustração, tristeza, angústia, insegurança e medo são emoções que sinalizam para o cérebro a necessidade de uma ativação positiva, ou seja, algo que dê prazer. O problema é utilizar estratégias mal-adaptativas desse sistema de recompensa como uma tentativa de ajustar as emoções. É justamente esse tipo de operação que vai reverberar em condições de vício”, informa a psicóloga e pesquisadora Renata Borja. 

Ilusão. Lidando com uma depressão, o youtuber Felipe Neto, 33, revelou já ter passado por episódios de miopia da tristeza. No Twitter, ele relatou ter ido ao shopping afogar as mágoas e fazer compras com o objetivo de se sentir bem. Contudo, o empreendimento não deu certo. “Spoiler: não me senti melhor”, escreveu o empresário. 

Momentos delicados potencializam problema 

Se pequenas tristezas cotidianas podem induzir a um problemático comportamento consumista, situações mais graves tendem a potencializar esses riscos. Caso de pessoas que estão vivendo um divórcio. Além da angústia associada à separação, esses indivíduos precisam tomar decisões importantes e que vão implicar em novos gastos com habitação e alimentação, por exemplo. Nesse cenário, opções equivocadas podem levar pessoas ao endividamento. 

Uma realidade que é confirmada pelo advogado Paulo Akiyama, especializado em direito de família e sucessões. Segundo ele, não é incomum que, durante o processo de separação, as partes fiquem mais vulneráveis a sofrer com dificuldades financeiras. Detalhe que, segundo estudo realizado pelo SPC em parceria com o Banco Central, 46% dos casais brigam por motivos monetários, sendo que 51% culpam o outro pelo desequilíbrio nas economias. 

Mudando padrões 

Simone Felipe é assertiva ao dizer que precisamos nos habituar a refletir mais sobre nossas ações – e sobre as motivações que estão por trás delas. E ela ainda sustenta ser importante aprendermos a validar as nossas emoções, sejam elas quais forem. 

“É fundamental ter clareza sobre o que estou buscando. Assim, vamos entender que, talvez, a nossa história de vida e o nosso cérebro, buscando uma reação química que promova bem-estar momentâneo, nos levem a crer que precisamos mesmo ir às compras para lidar com um problema. Mas se sei o que estou buscando, se sei aonde quero chegar, fica mais fácil não agir apenas respondendo a emoções, mas tentando entendê-las, acolhê-las e racionalizar aquela experiência”, comenta. 

A psicóloga destaca que, dificilmente, pessoas já viciadas em um padrão de comportamento conseguem sair dessa condição sozinhas. Nesse caso, a psicoterapia costuma ajudar, mas, por vezes, “tratar esse descontrole exige até mesmo o uso de medicamentos”, diz Simone.

Proteção. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor permite a desistência da compra em até sete dias, mas só no caso de as compras terem sido feitas fora da loja física. Quando se trata da aquisição de imóveis, a desistência do comprador gera indenização ao vendedor.