Empatia

Acolher sua criança interior é um grande passo na busca de saúde emocional

Revisitar a infância e o oferecer a você mesmo aquilo que lhe faltou emocionalmente pode trazer grandes transformações para a vida adulta


Publicado em 12 de outubro de 2023 | 07:00
 
 
 
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“Imagine que você está chegando à casa onde passou sua infância com a idade que tem hoje. Você entra e vai até o cômodo em que está a criança que você foi. Chegue bem pertinho dela, olhe em seus olhos e pergunte o que ela precisa, se é atenção, segurança ou aceitação. Escute o que ela tem a dizer e comece a ofertar o que ele necessita. Olhando para essa criança, você vai dizer: ‘Vou te dar o que você precisa, te dar segurança, atenção. Te aceito como é. É válido o que você sente’. Aceite as emoções que ela demonstra. Se a criança for mais tímida, tudo bem, se ela for espontânea nas reações também. Ofereça um abraço e diga para ela que vocês estão juntos e que ela nunca mais vai ficar sozinha”, sugere a psicóloga Elayne Novais. É assim, com um exercício imaginativo, que profissionais ajudam pacientes em um movimento importante: o acolhimento da criança interior. 

Especialista em terapia cognitivo-comportamental, Elayne explica que esse é um processo fundamental para que questões, situações e circunstâncias experimentadas no início da vida sejam ressignificadas. “Acolher a nossa criança interior pode gerar um desconforto inicialmente, mas é um processo lindo e importante porque nos ajuda a nos reconciliar com a nossa história, reconhecê-la como especial e a ativar a saúde emocional no adulto que somos hoje”, ressalta. 

Oferecer esse tipo de amparo torna-se ainda mais importante em situações em que as necessidades emocionais não foram supridas de forma adequada. “Em uma relação com pais muito rígidos e punitivos, por exemplo, essa nutrição é comprometida. O mesmo acontece quando os cuidadores são negligentes ou superprotetores”, afirma. “Tudo o que experimentamos na infância vai repercutir na vida adulta e, quando não temos nossas emoções supridas na medida certa, as consequências podem acontecer na forma de ansiedade e depressão”, exemplifica. 

Vale ressaltar que a vivência durante a infância tem um papel fundamental na formação da personalidade. “Esse período – normalmente até os 20 anos, mas com o pico até os 12 – é o mais decisivo, ainda que a personalidade siga se transformando ao longo do tempo, embora com menor intensidade”, explicou o psiquiatra Bruno Brandão, em entrevista a O TEMPO. Ele acrescenta ainda que as crenças e comportamentos adquiridos nessa fase acabam ficando mais enraizadas do que outras que surgem em épocas diferentes. “Por isso, fica mais difícil acessar e modificar esse padrão”, determina. 

As consequências das experiências de vida das crianças podem ser tão impactantes que, em alguns casos, podem definir até mesmo as chances de que, quando adultos, essas pessoas sejam presas ou acabem em instituições educacionais. Foi isso o que mostrou um relatório do Safe Horizon, grupo de assistência a vítimas que administra centros de defesa da criança em Nova York, e do Centro de Traumas Violentos da Infância da Universidade de Yale, ambos nos Estados Unidos.

Segundo o estudo, crianças que sofrem abuso ou que são negligenciadas têm 59% a mais de chances de serem detidas em instituições educacionais, 28% a mais de chances de serem presas quando adultas e 30% mais chances de cometer um crime violento. As vítimas também enfrentam taxas muito maiores de gravidez na adolescência e são mais propensas a abusar ou negligenciar seus próprios filhos.

Transformador

Mesmo que possam existir momentos complicados durante o processo de acolhimento, principalmente nos exercícios imaginativos em que as pessoas têm contato com experiências dolorosas, a técnica é uma oportunidade para que a questão em pauta seja resolvida. “O ser humano tem muita necessidade de não estar só, ele sente segurança no vínculo, no apego, e é também isso que a gente oferta para essa criança interior. Se ela não teve com quem contar na infância, ela terá agora”, afirma. 

Embora o acolhimento envolva exercícios feitos durante a terapia, a psicóloga orienta que as pessoas busquem fazê-lo também de forma natural em seu dia a dia. “Quando a gente se depara com alguma dificuldade na vida adulta e busca revisitar nossa infância, vendo com que ponto ela se conecta, muitas vezes conseguimos nos ‘destravar’. Vemos o que aconteceu quando éramos crianças, nos acolhemos e conseguimos nos nutrir de forma suficiente para que isso faça diferença para nós”, diz.

Pais também devem acolher os filhos

A psicóloga Elayne Novais orienta que pais e cuidadores de crianças busquem por conhecimento, principalmente no que diz respeito às necessidades emocionais da infância. “Assim eles vão saber que direção devem tomar. O próprio processo terapêutico e a orientação parental podem contribuir”, diz. 

Conforme a psicóloga, as crianças têm cinco demandas principais. A primeira delas é a de um vínculo seguro. “Ele é o que vai dar proteção e amparo”, explica. A segunda necessidade é a autonomia. Nesse sentido, os pais devem permitir que os filhos façam aquilo que sabem fazer e o que dão conta – claro, considerando a idade e habilidades dos pequenos. “Se ele já consegue tomar banho sozinha, por exemplo, é importante que os pais autorizem e validem essa atividade. Pais superprotetores comprometem muito a autonomia dos filhos, impedindo que eles se desenvolvam”, argumenta. 

Outra questão pontuada pela especialista é a importância da imposição de limites, mas com afeto. “É ele que dá segurança, mas o que acontece, na realidade, é que a gente vem de uma geração em que os limites eram impostos com muito castigo e punição. Isso gera prejuízos. As crianças desenvolvem mais insegurança e apresentam um nível de ansiedade mais alto”, observa. “Hoje, com a psicologia positiva, aprendemos que esse limite é dado com amor. Não é permissividade, mas é diálogo, explicação e compreensão. Não precisa tanto de castigo”, acrescenta.

A validação emocional é outra necessidade que precisa ser suprida de forma adequada durante a infância. Os pais devem permitir que os filhos chorem, que sintam raiva e tristeza. “As emoções eram muito abafadas em gerações anteriores, mas nós temos necessidade de sentir”. Por fim, a quinta demanda está relacionada à espontaneidade e ao lazer. De acordo com Elayne, as crianças devem ter a chance de falar, opinar e conversar. “Quando esse espaço não é dado à criança, ela fica com a criatividade comprometida e se fecha”.

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