Poder de escolha

Amor romântico não está ligado à felicidade, especialmente na idade avançada

É cada vez mais frequente observar pessoas mais velhas que escolheram pela solteirice

Por Laura Maria
Publicado em 24 de abril de 2024 | 06:00
 
 
 
normal

Já cravou um dos grandes gênios da bossa nova: “é impossível ser feliz sozinho.” Será mesmo? Ao cantar em “Wave” (1967) a impossibilidade de ter alegria na vida estando só, Tom Jobim talvez tenha ampliado a variedade de relacionamentos, não somente os amorosos. Até mesmo porque, cada vez mais pessoas têm provado que é possível, sim, ser feliz sozinho, especialmente com o avançar da vida.

Estudo realizado em 2022 pelo instituto de pesquisas dos Estados Unidos Pew Research Center revelou que 30% dos adultos norte-americanos com 50 anos ou mais solteiros estão felizes pelo status de relacionamento. O levantamento mostrou também que as pessoas mais velhas sem relacionamentos amorosos eram as menos propensas a responder que gostariam de namorar em comparação com as mais jovens. 

Segundo a empresa de pesquisas Euromonitor International, o número de pessoas solteiras superou o de casadas tanto na América do Norte quanto na Europa, com tendência de crescimento desse perfil de 20% até 2024. Por aqui, a situação se repete. Dados mais recentes de IBGE estimaram que há 81 milhões de pessoas brasileiras vivendo sem vínculos amorosos, contra 63 milhões que contraíram matrimônio. 

Na avaliação da psicóloga Renata Borja, o que acontece é que a sociedade tem cobrado menos de alguém sobre os caminhos que ela deseja traçar para alcançar a felicidade. “Antigamente, existia uma pressão maior de que as pessoas deveriam ter um relacionamento romântico, e hoje isso já não existe mais. O que existe é um poder maior de decisão. Ou seja, eu posso escolher me relacionar ou não com alguém”, aponta a profissional, especialista em terapia cognitivo-comportamental e terapia metacognitiva.

Por trás dessa decisão, podem existir muitos fatores, como priorizar a liberdade, as lembranças de um relacionamento ruim ou mesmo não conseguir lidar bem com o outro. “Também pode haver um certo perfeccionismo. A pessoa espera achar alguém tão sensacional, que não vai conseguir encontrá-lo. Mas o que interessa é que, antigamente, existia uma cobrança de que as pessoas deveriam estar num relacionamento para estarem felizes”, evidencia.

Quando se trata especificamente de pessoas mais velhas, a psicóloga analisa que, geralmente, com mais de 50 anos, elas já estão com a “vida mais resolvida.” “De forma geral, nessa faixa etária elas têm um pouco mais de estabilidade em nível financeiro. Com isso, essas pessoas têm mais autonomia de escolher o que querem. Estando em um relacionamento que pode trazer conflitos e problemas para ela, é natural que decida estar sozinha e se sinta melhor com isso. Isso não significa, porém, que todos os solteiros sempre estarão felizes”, pondera.

Renata também considera que o relacionamento afetivo é uma parte da vida do indivíduo, mas não a única. “A pessoa tem o trabalho, amizades, família, espiritualidade… São várias outras coisas que ela vai considerar importantes também, como o próprio lazer e a vida social. Então, o fato da pessoa não estar num relacionamento romântico não significa que ela não esteja em outros relacionamentos, que podem ser bem melhores que uma relação afetiva ruim”, afirma.

Estigma ainda é forte

A psicóloga Renata Borja avalia que, por mais que a pressão da sociedade sobre relacionamentos românticos tenha diminuído, ainda há um forte estigma sobre quem decide não se relacionar com ninguém. “Vejo ainda que alguns dos meus pacientes mais velhos e sozinhos sentem um certo desconforto por estarem solteiros, como se isso fosse um demérito ou representasse um fracasso. Mas isso é muito pessoal. Não é a sociedade que têm essa percepção, mas os indivíduos”, evidencia.

Para romper com esse estigma, é importante encontrar significado na própria existência. “Quando a pessoa tem alguém a quem cuidar, como filhos ou companheiro, é mais fácil que encontre sentido na vida. Mas quem está solteiro pode encontrar por sentido na vida, fazendo um trabalho voluntário ou praticando o bem de outras formas”, sugere. 

Vantagens e desvantagens de estar sozinho com mais de 50 anos

Uma das maiores vantagens de estar sozinho, na avaliação da psicóloga Renata Borja, é não ter expectativas sobre ninguém, para não frustrá-las. “É provável que, dessa forma, você tenha um pouco menos de ansiedade. Algumas pesquisas mostram que mulheres solteiras são menos ansiosas que as casadas, justamente porque estas têm mais obrigações e tentam atender a expectativa do outro”, diz, destacando que nem todas as casadas têm o mesmo perfil.

Quanto às desvantagens, a especialista destaca que, por exemplo, em um caso de doença, as dificuldades de encontrar alguém para cuidar podem ser maiores, mesmo com a ajuda dos amigos. “Tendo um companheiro, as chances de ter alguém para cuidar de você são maiores. Na velhice, então, principalmente, a pessoa solteira pode ter mais dificuldades em lidar com a solidão. Porque enquanto ela está ativa, podendo sair para viajar, isso é positivo. Mas mais velha e debilitada, pode ser mais problemático”, salienta.

 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!