Na saga do caminho para o despertar espiritual, os peregrinos incautos optam por atalhos, tropeçam pela estrada da vida, distraem-se, confundem-se, mas a regra é perseverar sempre.

Reza a lenda que Shiva, um dos deuses supremos do hinduísmo e que vivia na floresta, casou-se com Parvati, filha do Himalaia, que vivia nos picos nevados. Ele era o mestre, guru e controlador de fantasmas e demônios que faziam parte de sua procissão de casamento.

“Alguns tinham um olho na parte de trás da cabeça, outros não tinham olhos ou possuíam olhos na barriga. Alguns tinham apenas um ouvido; outros, enormes orelhas de elefante ou apenas buracos para os ouvidos. Alguns andavam em uma perna, outros em três”, narra a professora de ioga Dharmavandana Saraswati, ao relembrar uma história contada por seu guru, o swami Satyananda Saraswati.

Enquanto o cortejo caminhava pela floresta em direção às núpcias, a família de Parvati enviou uma comitiva de recepção para acompanhá-los até sua casa. Mas, quando avistaram Shiva e seus estranhos companheiros, eles os perseguiram.

“Na casa de Parvati, eles relataram o horror do que viram. ‘Oh, ele (Shiva) é terrível! Vem montado em um touro e está nu. Seu corpo está sujo de cinzas, há cobras em toda parte, e seus companheiros são hediondos’”, conta Dharmavandana.

A mãe de Parvati ficou atônita: como poderia aceitar um genro tão horrível? Mas a filha permaneceu calma e resoluta.

No momento em que a procissão de Shiva entrou no reino dos Himalaias, ele e seus companheiros se transformaram em deslumbrantes seres divinos com belos rostos, roupas finas e flores perfumadas.

“Os demônios se transformaram em pessoas amáveis. Tudo foi alterado num piscar de olhos, e assim o casamento aconteceu”, continua Dharmavandana.

Shiva simboliza a consciência. “Para o indivíduo, a consciência está se movendo cada vez mais alto em direção a Shakti (a evolução da energia), junto com os instintos e propensões animais, com tudo o que somos. Mesmo o praticante de ioga abriga em si medo, raiva, paixões, preocupações e ansiedade”, explica a professora.

 

A jornada do buscador requer disciplina

Peregrinos e praticantes da ioga almejam a iluminação. Dharmavandana Saraswati lembra que o processo que antecede a iluminação é conhecido como “a noite escura da alma”, também citada pelo místico cristão são João da Cruz.

O swami Satyananda Saraswati dizia que, quando o indivíduo vivencia a existência, a realidade objetiva ao seu redor, é o dia da consciência. Quando a consciência está sozinha e nenhuma experiência objetiva acontece, é a noite da consciência.

“Você não ouve, vê ou sabe de nada. Tempo, espaço e objetividade, três qualidades da mente, caem completamente. Só a consciência permanece”, diz o swami.

Durante sua jornada evolutiva, o indivíduo vivencia emoções negativas e positivas. “Enquanto caminha pela vida, ele vai encontrando pessoas e vê seus espelhos: gente com medo, com raiva, negativa”, diz Dharmavandana.

Mas, se o sujeito não ligar para o que vê e continuar com suas práticas, “além de desejar o bem para essas pessoas, ele vai superando as memórias e emoções negativas acumuladas em muitas vidas e que geraram sua atual personalidade. Dessa forma, ele pode evoluir até a iluminação”, argumenta Dharmavandana.

 

É preciso retirar os véus da ignorância

O objetivo da ioga e da vida é mover-se em direção ao conhecimento e rejeitar a ignorância.

Para a swami Satyasangananda (Satsangi), nascida em Chandornagore, na Índia, “conhecimento não é algo, como geralmente pensamos, que pegamos do exterior”. E completa: “É inerente a você. Mover-se em direção ao conhecimento significa que você precisa retirar os véus, um a um, e remover a cobertura da ignorância”.

A swami apresenta os dois dos maiores professores nessa jornada em direção ao conhecimento: “A dor e o prazer que nós vivenciamos devem nos ensinar a agir sabiamente, de maneira que nós possamos entender o que nós podemos fazer ou não. Prazer e dor provêm de impressões do passado, que retornam na forma de experiência cármica para ensinar. São os desejos nascidos do carma, que impedem você alcançar o conhecimento”, diz a swami.

Direção

Carma ioga. Essa tradição considera que, por meio de ações generosas e desinteressadas e com o estudo de qualquer escritura, os homens podem se entender e praticar o bem.

A jornalista Ana Elizabeth Diniz escreve neste espaço às terças-feiras. E-mail: anabethdiniz@gmail.com