Dispense as longas introduções e fuja de narrativas complexas. Quando for gravar, pense em poupar o tempo do ouvinte e vá direto ao ponto. De preferência, resolva tudo em menos de dois minutos e meio. 

Aparentemente, o que poderia ser um conselho sobre mensagens de áudio no WhatsApp é também, em tese, a receita para se fazer música na era do streaming. Pelo menos é o que indicam levantamentos feitos por plataformas como Spotify, Deezer e Amazon Music. De acordo com essas mídias, os clássicos solos de metais, sopros e cordas não são tão atrativos para a maioria da audiência virtual, que raramente tem paciência para ouvir canções com mais três minutos. 

Mais do que um roteiro para músicos e produtores preocupados com o alcance de seus trabalhos, o fenômeno, que vem sendo chamado de “audição ansiosa”, é lido também como sintoma de uma sociedade cada vez mais apressada – e impaciente. 

“O mundo moderno exige de nós a excelência e nos faz crer que precisamos estar sempre atualizados, sabendo de tudo o que acontece e absorvendo o máximo de informação e conhecimento possível. Algo que é reforçado nas redes sociais, onde estamos constantemente recebendo estímulos e onde temos acesso a diversos conteúdos em tempo real”, contextualiza a psicóloga e pesquisadora Renata Borja, que é especializada em distúrbios de ansiedade. Ela acredita que o fenômeno identificado pelas plataformas de streaming tem a ver com essa lógica. “É algo que nos leva a desejar não perder nada, a querer fazer parte de todas as discussões, vendo e ouvindo tudo o que está disponível – como se isso fosse possível”, argumenta, acrescentando que, como efeito disso, o tempo fica pequeno e, para dar conta de tudo, a aceleração parece, ilusoriamente, a melhor alternativa. 

Para Renata, faz todo sentido chamar esse comportamento musical impaciente de “audição ansiosa”. “A ansiedade é uma emoção que aparece quando há a sensação de risco ou de ameaça futura. Nesse caso, o que gera a ansiedade em nós é o medo de ficarmos para trás, de ficarmos desatualizados e, por isso, perder oportunidades. Diante desse medo e de nossa incapacidade de dar conta de todos os estímulos a que estamos expostos, a tendência é mesmo tentar acelerar processos”, argumenta, ponderando que a ansiedade não é, em si, um problema. 

“A grande questão é a forma como lidamos com essa emoção. Se fazemos dela uma fonte de motivação para executar tarefas que, para nós, têm significado e fazem sentido à luz de nossos propósitos, então, não há problema. Mas, se estamos tão apreensivos que deixamos de viver o momento presente, se estamos sempre pensando no depois, na próxima tarefa, precisamos acender o sinal de alerta”, sentencia. 

A psicóloga ainda adverte que há risco de, cedendo a tanta urgência, se mergulhar em um ciclo de pressa contínua. “No sujeito ansioso, há liberação de adrenalina. O coração bate mais rápido, e a respiração fica mais curta. E isso faz que você pense mais rápido e queira fazer as coisas ainda mais velozmente. Nesse caso, a pessoa entra em um estágio de apreensão, que leva à aceleração e faz com que ela caia em um ciclo de ansiedade, desaprendendo a parar, desaprendendo a descansar”, opina.  

Imediatismo 

“A verdade é que nós nos condicionamos a viver sempre com pressa, convencidos de que estamos atrasados para o próximo compromisso. Hoje, somos engolidos pelo streaming, pelos áudios e pelos vídeos que consumimos em modo acelerado e, assim, vamos nos habituando a uma lógica em que abrimos mão de viver o presente de maneira plena”, assinala Edna Goldoni, CEO da Vasselo Goldoni Desenvolvimento. 

“Quanto mais imersos nós estivermos nessa cultura, menos capazes seremos de estabelecer relações mais saudáveis com a gente mesmo e com o outro, posto que o tempo livre é considerado negativo, improdutivo e algo que deve ser evitado. Daí, na ânsia de consumir mais conteúdos, vamos nos tornando incapazes de desenvolver relações mais sólidas e menos apressadas e vamos perdendo a oportunidade de aprimorar nosso autoconhecimento, pois estamos permanentemente ocupados com o que julgamos ser mais importante”, avalia. 

Indicada por dez anos consecutivos ao Prêmio Top of Mind na categoria de Recursos Humanos, ela lembra que esse tipo de comportamento implica em problemas de saúde. “Podemos ter problemas como a depressão e a síndrome de burnout, por exemplo”, diz.  

Edna acrescenta que tanta afobação acaba repercutindo também na perda da qualidade de aprendizagem, pois nem sempre conseguimos raciocinar com a mesma velocidade com que somos submetidos aos diversos estímulos visuais e sonoros. “E então, na tentativa de absorver o máximo de impressões, acabamos sobrecarregando a nós mesmos e acabamos, ironicamente, não conseguindo assimilar tudo aquilo”, expõe. “Essa cultura do imediatismo reduz a nossa capacidade de reflexão. Nós simplesmente não temos tempo para parar, pensar e avaliar melhor uma situação. Com isso, passamos a agir como autômatos”, complementa a gestora.  

No mesmo sentido, Renata Borja acredita que um dos principais problemas relacionados a esse sentido de constante urgência é o fazer por fazer. “Quando isso acontece, vamos nos perdendo naquele monte de coisas que tentamos fazer simultaneamente, ficando cada vez mais estressados e frustrados”, examina, reforçando a necessidade de organização e planejamento. “Elencar prioridades é fundamental para não cair nessa espiral ansiosa”, aconselha. 

A psicóloga cita que exercícios físicos, técnicas como o mindfulness e a própria espiritualidade ajudam a aquietar a mente agitada. “Atividades manuais de lazer e programas ao ar livre também ajudam”, comenta, lembrando que a psicoterapia é fundamental no caso de distúrbios e transtornos ansiosos.