A situação é curiosa: um menino de 6 anos conversa com a mãe sobre algo que o aflige naquele momento: “Mamãe, quero ser descolado”. Ela logo tenta remediar, lembra que ele tem vários amigos na escola, que é uma criança legal. Nada o consola. “Mas isso não é ser descolado. Isso é ser ‘fofo’… Eu quero é ter uma pedrinha que brilha no dente”, finaliza.

A inquietude do menino, nessa história ouvida pela reportagem durante a produção desta matéria, pode até soar engraçadinha, mas está longe de ser meramente coisa de criança. Na verdade, a seu modo, ele capta e fala de algo quase universal: não, não é que a maioria das pessoas queira “uma pedrinha que brilha no dente”, mas, ao menos, boa parte delas compartilha o desejo de ser “cool”, um atributo visto como mais vantajoso do que ser simplesmente “legal”, “boa pessoa” ou, como diz ele, “fofo”. E esse desejo molda a forma como uma vastidão de gente fala, compra e se diverte. Um traço de comportamento que vale para os moradores de São Francisco, na Califórnia, para os que vivem em Santiago, no Chile, e também para os habitantes de Sydney, na Austrália, ou de Seul, na Coreia do Sul.

As conclusões são do estudo “Cool People”, publicado no Journal of Experimental Psychology: General, que analisou percepções sobre o que é ser “cool” em 13 países diferentes, ouvindo quase 6.000 pessoas e questionando, por exemplo, o que exatamente faz alguém ser considerado “descolado”, o que diferencia esse grupo de outras categorias como as “boas pessoas” e os que são “legais” e, por fim, se essa concepção cultural mudaria conforme as dinâmicas de cada lugar.

Com amostras em países como Alemanha, China, Índia, Turquia, México, Nigéria e Estados Unidos, a investigação liderada por Todd Pezzuti, da Universidade Adolfo Ibáñez, no Chile, Caleb Warren, da Universidade do Arizona, e Jinjie Chen, da Universidade da Geórgia, ambas nos EUA, constatou que independentemente da cultura, a ideia do que é ser cool se sustenta sobre o mesmo conjunto de atributos. E, embora haja sobreposição entre o que é considerado “bom” e “cool”, há também distinções importantes.

Essa estabilidade sugere que ser “cool” é um “construto social adaptativo”, isto é, um conjunto de ideias e comportamentos que se espalhou globalmente por servir a uma função social importante. Conforme os autores, ser visto como descolado pode conferir status, atratividade social, autoestima e até acesso a recursos. “A coolness parece ter se cristalizado como uma forma de sinalizar carisma, independência e habilidade para navegar o mundo social com charme e confiança”, escrevem eles, que, no artigo, detalham que o conceito hoje global foi criado em subculturas afro-americanas nos Estados Unidos, sendo popularizado nas décadas de 1950 e 1960 – inclusive por movimentos contraculturais. 

Dinâmica e conclusões

No estudo, os participantes foram convidados a pensar em alguém que conheciam pessoalmente e que se encaixasse em um dos seguintes perfis: uma pessoa descolada, uma não descolada, uma pessoa boa ou uma não boa. Depois, eles deveriam avaliar essa pessoa com base em 15 características de personalidade e valores, como extroversão, autonomia, tradição, calor humano, abertura a experiências e hedonismo – termo que, nas ciências sociais, significa a busca pelo prazer como valor de vida.

Os dados apurados indicaram que algumas características estão presentes tanto em pessoas vistas como boas quanto nas vistas como cool, mas havia diferenças – e muitas. 

Entre os seis atributos que se destacaram como marcadores principais do que é ser “cool” estão a extroversão, o hedonismo, o poder, o espírito aventureiro, a abertura a novas experiências e a autonomia. Ou seja, pessoas descoladas são vistas como mais ousadas, buscam prazer, desafiam convenções e têm controle sobre a própria vida. Já aquelas vistas como “boas pessoas” tendem a ser associadas a valores como conformidade, tradição, segurança, calor humano, universalismo, amabilidade e calma. São, portanto, mais estáveis e comuns.

A partir destas constatações, os pesquisadores sublinham que, embora haja sobreposição entre os dois grupos, de forma que ser bom ajuda a ser visto como cool, há um tipo de charme ou magnetismo que está ligado a atributos distintos da moralidade tradicional, com o descolado sendo associado a alguma rebeldia, ainda que moderada.

‘Descolados são mais admirados’, avalia psicólogo

Alinhado aos achados da pesquisa, o psicólogo Jailton de Souza avalia que pessoas “cool” costumam ser admiradas porque parecem não se submeter à necessidade constante de validação social ou às normas morais convencionais.

“Essa independência simbólica pode ser percebida como um sinal de autenticidade, um dos traços mais valorizados em contextos sociais contemporâneos. Enquanto o ‘legal’ ou ‘bom’ remete à conformidade, à previsibilidade e à aprovação social, o ‘cool’ sugere liberdade, inovação e até transgressão, sem necessariamente implicar em risco real. Isso pode ser atraente para o imaginário coletivo, principalmente em culturas que valorizam a individualidade e a autoexpressão”, observa.

Sobre o universalismo do conceito, Souza recorre à psicologia cultural para assinalar como, com o avanço da globalização e da internet, sobretudo das redes sociais, certos ideais comportamentais e estéticos foram se tornando mais amplamente compartilhados. “Isso é particularmente visível em símbolos de status, consumo e estilo de vida”, explica, ponderando que os indivíduos tendem a buscar pertencimento a grupos de referência, muitas vezes globais, mas, ao mesmo tempo, mantêm traços identitários que os ligam à cultura local.

O psicólogo finaliza lembrando que o problema de imitar alguém descolado para parecer igualmente “cool” é que, ao copiar superficialmente gestos, falas ou estilos, sem uma real integração desses comportamentos ao próprio “eu”, o indivíduo corre o risco de parecer forçado, o que mina a ideia de autenticidade, importante para a construção de uma imagem descolada. “A imitação pode funcionar como estágio inicial de aprendizado social, mas a consolidação da imagem descolada depende de um alinhamento entre expressão e identidade”, detalha.