O cinema indiano não se restringe a Bollywood, indústria que produz entre 1.000 e 1.5000 filmes por ano e emprega cerca de 250 mil pessoas, sendo que pelo menos 100 trabalham nos sets de filmagem (dados de 2017). Os indianos lotam as salas de exibição e sustentam a marca de 3,5 bilhões de ingressos vendidos por ano.
Quem apresenta esse universo mágico e rentável é Juily Manghirmalani, 31, filha de indiano, formada em audiovisual e que trabalha com cinema e TV e produz conteúdo sobre cultura e representações de mulheres, identidade de gênero e sexualidade na diáspora indiana.
“Na Índia existem cinco indústrias de cinema que se diferem por sua localização geográfica, língua falada (que é diferente em cada Estado), por alguns determinantes culturais, como linguagem cinematográfica, gênero, formas de apresentar afeto, música e dança. Cada indústria tem sua característica”, comenta Juily.
A mais famosa, Bollywood, “é a que a gente acaba conhecendo mais por ser a que mais exporta filme, principalmente para sua diáspora e para o público ocidental. É a indústria que está impregnada por modelos de produção mais ocidentalizados e que muitas vezes compõem com o hindi e o inglês. É o maior produtor cultural do país junto ao críquete, esporte favorito dos indianos”, diz a pesquisadora.
O cinema chegou à Índia no final do século XIX, “praticamente junto à estreia dos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière, considerados os pais do cinema mundial. Ele foi apresentado para a elite indiana e membros da colônia britânica, mas depois começou a se espalhar para as feiras culturais e zonas rurais ainda antes da independência”, relembra a pesquisadora.
Segundo ela, o ativista Dadasaheb Phalke, que lutava pela independência da Índia, “viu no cinema a oportunidade de resgatar a cultura indiana e produziu filmes com as narrativas hindus que estavam sendo apagadas pelo processo colonizador, trazendo, com isso, certa unidade para o país que lutava por sua independência. O cinema indiano, desde o seu início, era sustentado por valores culturais muito fortes, sua religiosidade e suas mitologias”.
Juily lembra que “o cinema indiano começou a se industrializar, e nos anos 1950 já estavam bem estabelecidos os métodos hollywoodianos de departamentalização dos estúdios. Foi o momento de ouro do cinema de arte que foi influenciado pela Nouvelle Vague (Nova Onda francesa) e pelo neorrealismo italiano”.
Era um olhar diferenciado para a realidade indiana. “O cinema de arte utiliza outra linguagem: as gravações aconteciam na rua, com não atores, expunham a pobreza e tinham outra pegada, mais focada no drama. Ao passo que, dentro dos estúdios, o cinema comercial contemplava pautas mais familiares, mostrando a classe média, certa industrialização e até um processo de higienização, que não eram corroborados pelo cinema de arte”, ressalta a pesquisadora.
Cinema de diáspora vem ganhando o mundo
A principal fórmula de Bollywood, conhecida como “masala filmes”, ganhou força em 2000. “Cada filme produzido tem drama, ação, romance e comédia, não se prendendo a um único gênero, e duração de quase três horas, com intervalos a cada 20 minutos para um clipe de dança, que normalmente é gravado e comercializado antes da produção do filme”, ressalta a pesquisadora.
O cinema de diáspora indiano ganha forma e poder nos anos 90, quando há grande disseminação de indianos para fora da Índia. “Muitas pessoas saíram do país em busca de trabalho para fugir da crise econômica pós-independência e que abriu as portas para o sistema capitalista. Esses diretores têm trajetórias independentes e se destacam porque não participam dos protocolos indianos”, comenta Juily.
Ela comenta que dentro da Índia, ainda hoje, há um órgão de censura muito forte, que proíbe certos assuntos, como sexualidade feminina, questões de castas e racismo. “Isso faz com que os filmes se tornem quase infantis e sem aprofundamento social. A partir de 2000 há diretores que estão tentando ir contra isso”.
A pesquisadora observa que “foi graças ao cinema de diáspora que o cinema indiano ganhou visibilidade internacional em diversos festivais de cinema. Grandes diretoras surgiram trazendo questionamentos de gênero e sexualidade e ao hinduísmo conservador”. (AED)
Não há como pensar na Índia sem algum tipo de religião
A religião ainda hoje faz parte das narrativas na construção do cinema indiano, principalmente o hinduísmo, por meio dos dois principais contos épicos: o mahabharata e o ramayana. “Nos últimos 20 anos vem acontecendo uma mudança nessa narrativa, porém ainda muito explorada e utilizada. É impossível pensar na Índia sem se associar algum tipo de religião, espiritualidade e o sistema de castas, e isso se reflete no cinema”, diz Juily Manghirmalani.
A receptividade do mundo ocidental ao cinema indiano acontece em praticamente todos os lugares onde a imigração é forte, fazendo com que as pessoas acabem se interessando em conhecer melhor essa cultura por meio dos filmes. Com exceção da América do Sul, onde não há tantos indianos e as pessoas têm mais dificuldade de entender as narrativas não cristãs”, finaliza a pesquisadora. (AED)