O brasileiro médio teve primeiro contato com a pornografia ainda na transição entre infância e adolescência, aos 12 anos, iniciou sua vida sexual quando entrava na fase adulta, aos 18, e teve dez parcerias sexuais ao longo da vida. Quanto à frequência, se está em um relacionamento, as transas variam de duas a três vezes no mês a duas a três vezes por semana. Já a masturbação e o acesso a conteúdo pornô têm assiduidade mais estável: são práticas cultivadas semanalmente, de duas a três vezes.
Estas são algumas das constatações de uma pesquisa que, apresentando uma radiografia dos hábitos sexuais no país, ouviu 3.650 brasileiros com idade média de 45 anos. O levantamento é parte da iniciativa global “International Sex Survey”, que, por meio de questionário online, coletou respostas de 82 mil pessoas de 45 diferentes nacionalidades. No Brasil, o estudo, divulgado inicialmente pelo blog VivaBem, do portal UOL, foi liderado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq - FMUSP).
Alguns dos detalhes já revelados causaram estranhamento, tanto em leigos quanto em especialistas. A servidora pública Maria do Carmo Coelho, 54, por exemplo, reconheceu surpresa ao ser informada que, segundo a pesquisa, os brasileiros têm a primeira vez aos 18 anos. “A impressão que tenho é que muitos começam bem antes, com no máximo 15 anos”, argumenta, dizendo que ela própria iniciou-se sexualmente mais tarde, aos 21. A opinião é compartilhada pelo vigia e motoboy Michael da Silva Ferreira, 28. “Pela mentalidade de hoje, achava que a média seria de 14 a 15 anos”, argumenta.
Tanta perplexidade é, em parte, corroborada pela psicóloga e sexóloga Enylda Motta. “Sabemos ainda ser comum que a vida sexual se inicie precocemente no Brasil. Não por outro motivo, apesar da redução, o país ainda apresenta dados elevados de gravidez e maternidade na adolescência”, sinaliza. Mas ela pondera que essa sensação de existir um quase “liberou geral”, como se, hoje, houvesse um desregramento quando o assunto é sexo, é também equivocado.
Para a estudiosa, o fato de se falar mais abertamente sobre a sexualidade tende a gerar a impressão de que a prática do ato também se tornou mais disseminada, o que nem sempre é verdade. Na verdade, o efeito pode ser o oposto: quando o tema é debatido com seriedade, à luz de informações confiáveis, a tendência é que os adolescentes se tornem mais conscientes sobre a importância de estarem preparados para essa experiência, compreendam o significado do consentimento e se empoderem para, inclusive, não se sentirem obrigados a transar caso não se sintam confortáveis para tal.
O sexólogo e educador Pedro Drubscky acrescenta que o Brasil é um país de proporções continentais, com culturas e práticas diversas. “Essas pesquisas precisam abranger todos o território, para termos dados mais precisos. Feita de forma online, a pesquisa pode excluir pessoas que não têm acesso a essas ferramentas”, pontua, asseverando a importância de se avaliar a metodologia utilizada. A reportagem tentou ter acesso à íntegra do levantamento, mas não havia obtido resposta até o fechamento da matéria.
Feitas as ponderações, Dubscky ressalva considerar que investigações como a que debatemos aqui são essenciais. “Mesmo a gente não sabendo dessa metodologia, os dados que a pesquisa trouxe já vão contra essa perspectiva social do brasileiro hipersexualizado”, pontua, acrescentando que esse tipo de iniciativa tem desdobramentos em termos de políticas públicas, tendo atravessamentos em questões de violência de gênero e de diversidade sexual.
Primeiro acesso à pornografia
Se, por um lado, a idade média de iniciação sexual declarada pelos entrevistados gera espanto, por outro, o fato de a média da população adulta ter tido primeiro contato com a pornografia aos 12 anos não surpreende. “Eu acho que começa mesmo no início da adolescência”, arrisca-se Maria do Carmo. Palpite semelhante de Michael, que justifica: “Hoje, é algo facilitado pela tecnologia”.
Vale dizer, outros levantamentos sobre o tema indicam tendência semelhante. Caso de um estudo publicado em 2019, coordenado pelo pesquisador Pablo Gómez, da Universidade da República do Uruguai. Investigando os hábitos de jovens moradores de Montevidéu, ele constatou que, em média, é aos 13 anos que a maioria tem contato inicial com esse tipo de material – sendo 4 a idade mais precoce e 17 a mais tardia.
Trata-se, portanto, de um fenômeno global, como examinou Márcia Stengel, professora de pós-graduação do programa de psicologia da PUC Minas. “Antes, o acesso a esse tipo de material existia, mas era muito mais trabalhoso. Agora, é muito acessível. E isso muda comportamentos. Estamos tendo notícias de que esse acesso tem se dado desde muito cedo, o que é perigoso”, disse, em entrevista a O TEMPO em que comentou os achados do estudo conduzido por Gómez.
Na mesma ocasião, a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello assinalou que, embora exista pouca investigação sobre os efeitos da exposição precoce a estímulos sexualizados, a introdução à sexualidade por essa via tende a gerar consequências desastrosas. “Causa a erotização precoce nas meninas e a desresponsabilização sobre o exercício da sexualidade nos meninos, além da banalização da violência para ambos os gêneros. Em segundo, a idealização de um desempenho cinematográfico é ilusória em relação ao fato de que a realidade estará sempre aquém, levando a uma frustração que pode comprometer definitivamente a vida sexual na idade adulta”, advertiu.
Neste cenário, Pedro Drubscky alerta que o tema “pornografia” precisa ser mais discutido, principalmente entre adolescentes. “A gente não vai conseguir impedir que eles assistam, então, o mais importante é educar esses indivíduos em relação ao que eles estão vendo, para que entendam que a pornografia não representa a realidade do que é o sexo”, opina.
Transa casual e identidade sexual fluida
Os dados da pesquisa “International Sex Survey” divulgados até agora apontam também para possíveis reflexos de uma transição cultural, apontando, teoricamente, para um cenário em que a sexualidade é compreendida sem tantas amarras.
É curioso notar, por exemplo, que, ao serem questionados sobre como se identificam sexualmente, a maioria (66%) dos brasileiros tenha se classificado como heterossexuais, mas, entre eles, expressivos 34% disseram não se considerar “estritamente heterossexuais”. Outros 13% se disseram gays ou lésbicas, e 8,6%, bissexuais. Além disso, ainda em relação a indicativos de uma suposta maior abertura para a experimentação sexual, o levantamento indicou que oito em dez pessoas no país já tiveram uma transa casual, ou seja, com alguém com quem não tinham um relacionamento.
Na avaliação de Pedro Drubscky, o fenômeno revelado pela pesquisa já pode ser observado no dia a dia. “Apesar da violência dirigida contra esses sujeitos, cada vez mais pessoas têm se assumido fora do padrão heterocis, pois vivemos um momento em que existe mais proteção e mais permissibilidade social para as pessoas se expressarem como bem entendem”, avalia.
A opinião do sexólogo está alinhada a apontamentos de Marco Scanavino, psiquiatra e professor do IPq, responsável pelo estudo no Brasil. “É um reflexo da modernidade, de como a sexualidade hoje já é vista como algo mais fluido, especialmente nas sociedades ocidentais, e como há maior liberdade para assumir diferentes comportamentos, identidades e orientação sexual”, argumentou ele em entrevista ao “VivaBem”.
Por sua vez, Enylda Motta concorda apenas parcialmente com essa interpretação, lembrando que, embora seja fluida, a sexualidade tampouco é uma escolha racional, ela cita que outro fator que pode contribuir para essa identificação como não estritamente heterossexuais pode ser a dificuldade de se afirmar em uma identidade heterodivergente, o famoso “sair do armário”. “Ainda existe o peso da culpa, o receio da violência e de um possível abandono familiar, entre outros”, argumenta.