Vinda do francês, a expressão déjà-vu – “já visto”, em tradução literal – é um termo que define uma sensação subjetiva, mas intensa, de já ter presenciado ou vivenciado algo, mesmo que a situação nunca tenha ocorrido. Estimativas apontam que pelo menos 90% das pessoas experimentaram o sentimento pelo menos uma vez. E, por definir uma vivência tão compartilhada, o conceito acaba sendo utilizado para explicar outros tipos de situações. É esse o caso da expressão “dating déjà-vu”, que mistura o inglês e o francês para tratar da repetição de padrões nos relacionamentos, o que é válido tanto para a escolha de pessoas com comportamentos semelhantes quanto para similaridades na aparência física e na personalidade.
Um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, mostrou que a situação é, assim como a sensação de déjà-vu, bem comum. A pesquisa, publicada em 2019 no periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences, aponta que frequentemente as pessoas buscam se relacionar com o mesmo tipo de parceiro ou parceira, repetidamente.
Em comunicado divulgado pela universidade, Yoobin Park, o principal autor da pesquisa e estudante de doutorado do Departamento de Psicologia da Faculdade de Artes e Ciências da instituição, explicou que é comum que as pessoas atribuam o término de seus relacionamentos à personalidade de seus ex-parceiros e que decidam que é necessário namorar um tipo diferente de pessoa. Mas a realidade é bem diferente, já que existe uma forte tendência de que os indivíduos namorem pessoas com personalidades semelhantes.
A recepcionista Juliana*, 25, confessa que se interessa sempre pelo mesmo tipo de homem. Eles geralmente são mais velhos e mais carinhosos. “Sempre tenho a expectativa de que ele vai cuidar de mim, não no sentido de me sustentar, mas aquela coisa de dar atenção se eu estiver doente, de se preocupar”, explica. Segundo Juliana, esse é um tema, inclusive, que ela tem tratado na terapia, mas ainda precisa ser melhorado. “Estou me esforçando para curar, porque eu tenho a tendência de ser manipuladora, meio carente, e isso é bem problemático. Eu também sempre coloco expectativas altas nos meus relacionamentos, em qualquer coisa, na verdade, mas neles eu sempre espero muito, e quando as pessoas não correspondem eu fico chateada. Tento conversar para resolver, mas, às vezes, as coisas vão para o lado errado e a gente começa a discutir, e a pessoa percebe que eu estava com expectativas com as quais ela não conseguiria cumprir”, conta.
Ao analisar o comportamento repetitivo, a recepcionista confessa que nota que sempre procura por aquilo que sentiu falta na infância. “Eu busco coisas que, naturalmente, deveria ter recebido do meu pai durante a infância, e não recebi. Não é legal da minha parte fazer isso, mas eu procuro em homens principalmente aquilo que eu não recebi em casa”, pontua.
A percepção de Juliana vai ao encontro de o que já é observado pela ciência e pela psicologia. Os acontecimentos que vivemos e experimentamos na infância, inclusive os traumas, são capazes de reverberar anos depois. O neurocientista e hipnoterapeuta Thiago Porto explica como isso acontece. “Nossas experiências influenciam nossas escolhas porque elas são nossas referências. E, quando temos traumas, eles são como feridas emocionais que acabam criando resistência ou favorecimento a determinadas questões”, pontua.
No caso do “dating déjà-vu”, ele explica que há uma busca do sistema nervoso – afetado pelas experiências traumáticas – pela resolução de conflitos da infância por meio dos relacionamentos afetivos. Em outras palavras, as questões, eventos ou sequências que ficaram mal resolvidas ou que provocaram traumas se repetem nos relacionamentos como uma nova oportunidade para que sejam resolvidos.
Para simplificar a explicação, Thiago cita como exemplo a experiência de uma garota muito criticada pelo pai na infância. “Isso gera nela um trauma, e, agora, ela procura homens que também a critiquem, não porque ela aprendeu a ser criticada, mas porque o sistema nervoso dela foi impactado, então se relacionar com esse tipo de pessoa é uma maneira que o próprio sistema dela tem para resolver a situação”, explica. “Sendo adulta e convivendo com um homem que a critica, ela consegue manifestar a reação que ela não conseguia quando era menor. Isso é terapêutico para ela, mas é uma terapia temporária. Não é uma solução que dura muito tempo”, pondera.
Conforme o especialista, a melhor maneira de evitar esse padrão comportamental ou se livrar dele é com tratamento terapêutico. E, nesse sentido, práticas como a hipnose são recomendadas por ele. “Ela é voltada justamente para tratar esses assuntos mal resolvidos no passado, e a ferramenta que mais desempenha esse tipo de tratamento é a hipnoterapia”.