Um motivo a mais de inspiração e um pretexto para deixar o amor transbordar em gestos de carinho, o Dia dos Namorados, celebrado no Brasil em 12 de junho, é aguardado com expectativa pelos apaixonados . Não raro, casais aproveitam a data para surpreender a pessoa amada com demonstrações de bem-querer. Em geral, pequenos mimos, declarações nas redes sociais ou singelas experiências novas – como um jantar romântico – costumam ser uma opção na hora de expressar os sentimentos. Mas há também quem prefira gestos mais, digamos, exuberantes. São pessoas que, sem pensar duas vezes, cometem as tais “loucuras de amor”.
Tantas vezes representadas na literatura, na música, no cinema e na televisão, essas manifestações afetuosas, que podem soar um tanto exageradas, não estão restritas à ficção e não são coisa do passado. Neste ano, por exemplo, ficou conhecida a história de um mineiro, de 17 anos, que tentou ir de Uberaba, no Triângulo Mineiro, até o Maranhão para encontrar uma mulher que ele conheceu na internet. A distância que o adolescente pretendia percorrer de bicicleta somava cerca de 2.000 km. Contudo, a prova de amor estava além das capacidades físicas dele, que foi resgatado, no dia 3 de fevereiro, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), no acostamento da BR–050, no município de Cumari, em Goiás. A família o procurava desde o dia 28 de janeiro.
Tanta impulsividade, claro, virou notícia. Em defesa do rapaz, pode-se dizer que, aos olhos da neurociência, a paixão costuma mesmo vir acompanhada da insensatez. É o que indica um estudo publicado em 2015, realizado por pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade do Estado de Nova York, nos Estados Unidos. A publicação examinou, por meio de ressonância magnética, o cérebro de pessoas que, conforme relato delas próprias, haviam acabado de se apaixonar. A conclusão foi que a emoção ativa o sistema de recompensas, acionando as mesmas regiões neurais relacionadas ao vício.
Em termos químicos, isso quer dizer que o sujeito apaixonado sofre descargas de dopamina, um neurotransmissor que dá sensação de prazer. E daí vem aquele desejo de querer mais. Para os cientistas, ficar longe de quem se ama pode gerar até mesmo uma reação parecida com a da abstinência.
E, de tão à flor da pele, o amor pode causar ainda sintomas físicos, como a aceleração da frequência cardíaca, arrepios e aquele friozinho na barriga. Reações que são explicadas pela liberação de cortisol, o hormônio do estresse, conforme aponta uma pesquisa publicada em 2009 e realizada por estudiosos ligados ao Departamento de Desenvolvimento Humano e Ciências da Família, da Universidade do Texas em Austin, também nos Estados Unidos. O fenômeno, aliás, reforça a tese de que estar apaixonado deixa as pessoas mais vulneráveis à ansiedade, favorecendo comportamentos impensados.
Prova de ajuda. Mas, mesmo que a ciência ratifique que os amantes são mais propícios a ações passionais, a verdade é que as loucuras de amor podem ser menos uma prova de afeto e mais uma prova de que a pessoa precisa de ajuda. “É algo que eu vejo com preocupação, pois não me parece natural que uma pessoa, ao tentar demonstrar carinho por outra, tome uma decisão que vai além de suas capacidades, sejam elas físicas ou econômicas”, pondera a psicóloga clínica Telma Cunha.
“Esse tipo de iniciativa pode revelar, por exemplo, um quadro de problemas com a autoestima e de transtorno de ansiedade motivado por um medo excessivo de perder o outro. Por isso, é recomendável que esses casos sejam avaliados por profissionais”, sinaliza.
Telma assinala ainda que – embora, culturalmente, ainda sejam exaltadas e estimuladas sob o pretexto de significarem raras provas de amor – essas posturas temerárias podem significar risco ao bem-estar e à vida. Ocorre que, para dar mostras de afeição, por exemplo, uma pessoa pode se endividar, comprometendo, inclusive, o futuro da relação. E, voltando à história que abre esta reportagem, a própria PRF, ao divulgar o resgate, ressaltou que a aventura amorosa poderia ter tido um final trágico: debilitado e circulando por movimentadas rodovias, o adolescente mineiro se expunha ao perigo de atropelamento.
Provas de carinho ou caminho para a manipulação?
“Existem várias formas de expressar o amor, e, naturalmente, cada casal vai manifestar o que sente à sua maneira”, examina a psicóloga Telma Cunha, para quem a ideia de que provas de amor seriam demonstradas em ações esporádicas e grandiosas soa estranho. “Ao contrário, acredito que as mostras de apreço pelo parceiro são dadas no dia a dia”, pontua, acrescentando que, ao mesmo tempo, surpresas e gestos explícitos de respeito e de carinho podem ser agradáveis e costumam fazer bem ao relacionamento – “desde que o sujeito não fuja do que está ao alcance dele”, argumenta.
A reticência de Telma a demonstrações muito efusivas de amor se deve ao fato de essas atitudes, muitas vezes, se converterem em frustração ou em instrumento de manipulação. “Às vezes, a pessoa faz algo que impressiona, mas, em troca, implícita ou explicitamente, ela cobra que o outro também faça algo”. Nesses casos, há o risco de esse indivíduo, que parece capaz de fazer o possível e o impossível para agradar sua parceria, se ressentir e se frustrar por não receber mostras de bem-querer de mesma proporção. Há também chances de essa pessoa “se sentir dona da relação”, indica.
“É importante observar até que ponto essa dinâmica está gerando um certo carinho, um certo afeto, uma certa homenagem e até que ponto esse padrão de comportamento não está repercutindo em constrangimento e coação”, destaca a psicóloga. Ela lembra que muitas pessoas, sobretudo mulheres, ainda buscam parcerias que personifiquem o ideal de um “príncipe encantando”.
A também psicóloga Adriana Roque concorda. Ela lembra que os relacionamentos abusivos costumam ser construídos por meio de situações que promovem dependência e em que o outro se torna tão vulnerável que nem sequer consegue entender que está vivendo uma relação de violência. Além disso, mesmo quando a vítima se dá conta do que está acontecendo, muitas vezes não conseguem pedir ajuda, seja por medo ou por vergonha, pois, aos olhos dos outros, aquele namoro ou casamento parece perfeito. “Mas, na verdade, pode ser que, na intimidade, há muito tempo, o príncipe tenha revelado-se um sapo”, diz.