Desde criança, a açougueira Joelma Neres Peixoto, 32, tem medo de escuro. Ela não sabe dizer de onde vem esse pavor, mas lembra que nunca ia ao banheiro sozinha nem sequer saía do quarto desacompanhada. Quando a mãe não estava em casa ou não acordava com seus chamados de madrugada, ela fazia xixi na cama. Isso aconteceu várias vezes. Na idade adulta, a nictofobia (medo de escuro ou da noite) que acompanha Joelma ficou mais acentuada pelo trauma de dois sequestros noturnos.

“Já perdi oportunidade de trabalho porque a vaga era para o turno da noite, e eu não me sentia segura”, conta a maranhense, que fala sobre o problema com naturalidade, mas nunca buscou ajuda de especialistas: “Não escondo meus medos de ninguém, sou bem aberta em relação a isso, mas não adianta muito. Continuo com medo”. 

O maior temor do estudante Tomás Lazarini, 14, é ver sapo pela frente. “Desde pequeno eu não consigo nem chegar perto. Já acordei com um sapo na cama, e acho que esse meu medo é por conta disso”, diz o jovem. Talassofobia, ou medo do mar, é o que Hana, 15, colega de Tomás, sente. Ela tem pesadelos vez ou outra, e ver notícias sobre tsunamis deixa a jovem apavorada. “Já tentei andar de caiaque na praia e não consegui. Fiquei em pânico, desesperada”, afirma. 

Fobia é o medo exagerado e incontrolável de algo ou de alguma situação. As causas podem derivar de fatores genéticos ou de algum histórico familiar e experiências traumáticas na infância, na adolescência e na idade adulta. Os sintomas variam: choro, enjoo, gritos, ansiedade, suor excessivo, desmaios e medo acentuado e até mesmo irracional, desproporcional ao perigo verdadeiro. Agorafobia (medo de lugares abertos e multidões), acrofobia (medo de altura), claustrofobia (medo de lugares fechados), astrofobia (medo de relâmpagos e trovões) e aerofobia (medo de avião) são transtornos comuns e podem ser tratados. 

Segundo o psiquiatra Guilherme Rolim, para a pessoa ser classificada com transtorno de fobia específica, o fenômeno tem que ser bastante intenso, caracterizado por medo exagerado associado a reações corporais. “Quando a gente sente medo, há uma descarga de adrenalina no corpo. A adrenalina é o hormônio do fugir, o coração dispara, a mão fica gelada, a pupila dilata. É uma situação de extremo medo”, observa. “O tratamento consiste em terapia e medicação, em alguns casos, como antidepressivos e calmantes, para diminuir a ansiedade perante essas situações”, ele completa.

A exposição às coisas, às situações ou aos lugares que desencadeiam a fobia pode ser um dos tipos de tratamento. O medo, de acordo com Guilherme Rolim, é uma defesa do corpo, e há momentos em que o cérebro dispara o sistema de medo equivocadamente. Há, então, uma disfunção que pode ser corrigida. “Aos poucos, é preciso enfrentar o medo, senão não vai vencer nunca. É claro que a gente dá o suporte para que isso aconteça sem sofrimento. É um trabalho de exposição gradual”, comenta o Rolim.

Em alguns casos, a fobia tem cura, e em outros, não. Porém, com tratamento, é possível reduzir o medo e as limitações que ele causa. Segundo o psiquiatra Bruno Brandão Carreira, quando a pessoa não procura tratamento, não quer dizer necessariamente que ela esteja escolhendo o caminho errado. O especialista diz que o fundamental é avaliar os prejuízos que a fobia traz à rotina de quem sofre esse tipo de transtorno: “Certas situações requerem tratamento, mas mais importante que o comportamento em si é saber analisar quais malefícios essa pessoa vai ter em sua vida”. 

Carreira destaca que, embora a fobia específica e os transtornos de ansiedade causados por ela sejam uma das condições mais comuns dentro da psiquiatria, normalmente a pessoa que sofre a perturbação não costuma buscar tratamento, exceto em casos extremos. Ao contrário, ela normalmente organiza sua vida de modo a evitar situações que a coloquem diante daquilo que causa medo.

“Quando se evita um sofrimento, o cérebro entende isso como algo positivo”, pontua o psiquiatra, que completa: “Toda vez que a pessoa evita entrar no avião, por exemplo, ela não se sente mal, a emoção negativa não vem. A evitação é algo que pode agravar significativamente o problema”. 

Pandemia e traumas coletivos também influenciam

A psicóloga Adriana Moreira faz uma observação: a pandemia, cercada por restrições em função da quarentena, está sendo um período crítico para muitas pessoas que têm de lidar com medos e fobias. “Hoje eu percebo que medos e fobias vieram à tona ainda mais no isolamento. É importante dar atenção a esse tema, principalmente quando se está no início do processo para evitar danos maiores”, ressalta Adriana.

O tratamento psicológico não deve ser ignorado. Homeopatia, meditação, exercícios de relaxamento, técnicas holísticas e psicoterapia também são importantes aliados quando a fobia ainda está em estágio inicial.

Outro ponto que a psicóloga reforça é que traumas coletivos que geram comoção também impactam a pessoa que já convive com a fobia. Para o aerofóbico, por exemplo, tragédias como a queda do avião da Chapecoense, em 20 de novembro de 2016, e da equipe da cantora sertaneja Marília Mendonça, na última sexta-feira, podem aumentar a sensação de medo. Quando ocorrem catástrofes, essa informação fica no inconsciente coletivo, que é acessado individualmente.

“A pessoa começa a ver as cenas e imagina que pode acontecer com ela, com a mãe, com o filho, e essa fobia aflora, sim. A fobia também pode acontecer de uma imagem criada que sempre antecede a situação real”, finaliza Adriana Moreira.