Saúde e bem-estar

Juventude eterna: como a obsessão para atrasar o envelhecimento pode fazer mal

Vendido na sociedade como um milagre possível, fascínio por se manter jovem a todo custo costuma trazer mais tristeza do que satisfação


Publicado em 03 de junho de 2023 | 05:30
 
 
 
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No ano de 1508, o explorador espanhol – e então governador de Porto Rico –, Juan Ponce de León (1460-1521), ouviu dos nativos da província uma lenda extraordinária sobre a existência de uma fonte de águas rejuvenescedoras e mágicas, que ficava não muito distante dali numa ilha chamada Bimini.

Impressionado com os relatos, ele decide montar uma expedição em 1513 e ir em busca do mítico lugar. No domingo de Páscoa daquele mesmo ano, o navegador e sua tripulação, enfim, ancoram num paraíso tropical que ganha o nome de "La Florida" numa referência diretas às flores que cresciam na região – sendo as mesmas um simbolo da ressurreição de Cristo, comemorada naquele feriado.

Durante a viagem, de Léon é ferido gravemente por índios e acaba levado à Cuba, onde não resiste e morre, sem ter nunca encontrado as nascentes milagrosas.

No entanto, a fantástica aventura vivida pelo descobridor europeu do século 16 continua a ressoar nos dias atuais, ainda tão saturados com promessas e receitas infinitas contra os efeitos do envelhecimento.

Diante disso, resta uma pergunta essencial: Por que estamos sempre fascinados com a utopia da juventude eterna?

"Esse é um fenômeno que envolve muitos fatores, que vão desde motivos socioculturais a aspectos psicológicos", explica o biomédico, fisioterapeuta dermatofuncional e mestre em medicina estética, Thiago Martins.

Para ele, isso é o reflexo de uma sociedade que constantemente associa o 'ser jovem' com sucesso, beleza e vigor.

"Infelizmente, isso é encorajado em muitas culturas. Basta observar, por exemplo, a indústria da moda e da estética, que sempre tem como ‘garotos propaganda’ alguém jovem. Esses tipos de incentivos culturais acabam levando as pessoas a consumir produtos de beleza ou a buscar procedimentos estéticos que os faça sentir e parecer mais jovens todo o tempo", complementa.

Rodrigo Caetano Arantes, especialista em gerontologia – ciência que estuda o processo de envelhecimento humano – avalia que a preocupação obsessiva com a aparência e a juventude está marcadamente enraizada na nossa cultura.

"Diariamente a mídia nos impõe a ideia de que somente aquilo que é jovial é bonito e nós acabamos desenvolvendo fortes preconceitos contra o envelhecimento sem saber. Um exemplo claro são as histórias infantis que aprendemos desde cedo. Nelas, as bruxas – que costumam ser as vilãs – são retratadas sempre como pessoas velhas. Isso vai incutir na nossa cabeça o conceito de que a velhice é uma coisa ruim", pontua ele, que também é professor de pós-graduação em envelhecimento saudável pela PUC Goiás.

Segundo Rodrigo, essa percepção, além de injusta, é muito limitadora.

"Velhice não é doença. O envelhecimento é uma fase como qualquer outra da vida. Assim como passamos pela infância e juventude, também chegaremos um dia à velhice. Tudo faz parte de um ciclo. Vale registrar que se estamos envelhecendo é sinal de que estamos vivendo, e esse momento pode ser de muita aprendizagem. Uma pessoa que está envelhecendo está somando experiências. E isso é algo positivo", analisa.

Preconceito

A mestre em relações interculturais e especialista em terapia cognitivo-comportamental Renata Borja destaca ainda que o rótulo de "velhice" também tem efeitos negativos no mercado de trabalho.

"Essa visão imposta de que 'quanto mais jovem eu parecer, mais tempo eu tenho para viver' é utópica, vazia e muito danosa. Isso é claro no mercado de trabalho, que tende a desvalorizar e descartar pessoas mais velhas e supervalorizar os jovens. Tem gente que faz de tudo para parecer jovial e ativo só para não perder o emprego. É quase uma estratégia de sobrevivência e não tem nada saudável nisso", argumenta ela.

A psicóloga e fellow em psicogerontologia pelo programa de extensão em psiquiatria e psicologia de Idosos da UFMG, Amanda Pelinson Gomes Tiago alerta que é possível que esse preconceito com a velhice venha a pôr nossa saúde em risco.

"O etarismo impacta diretamente na nossa saúde mental. Comentários como 'você está envelhecendo bem, parece mais jovem!', ou 'você não parece ter tantos anos, parabéns!', acabam reforçando o ponto de vista de que a idade é algo que precisa ser combatido. Isso pode levar algumas pessoas a buscarem métodos muitas vezes prejudiciais para a saúde em nome do 'manter-se jovem para sempre'", opina ela.

Fonte de angústia

O Brasil é um dos países campeões em gastos com o mercado cosmético antienvelhecimento. Alguns estudiosos indicam que todo esse apelo hedonista e idadista, além de fútil, costuma trazer mais angústia e sofrimento do que satisfação.

"Como a beleza está muito associada à juventude, o processo de envelhecimento termina por impactar diretamente na autoestima das pessoas, principalmente mulheres. A angústia e sofrimento associado à perda de um valor estético reforça toda essa busca por uma juventude que inevitavelmente vai passar", alerta Amanda Pelinson Gomes Tiago.

Ela diz que o maior risco da desvalorização de um idoso é afetar diretamente na percepção de valor pessoal desses indivíduos.

"O processo de envelhecer já carrega consigo um peso muito grade de descrédito de valores – como não ser mais produtivo, nem bonito ou interessante. E essa visão é extremamente prejudicial para uma sociedade que está envelhecendo. É essencial a valorização da pessoa idosa e a valorização de belezas em diversas idades, como a que carrega os traços do tempo, e, principalmente, aquela que existe em quem não esconde a idade que tem e não está atrás de um sentimento de juventude para se saber bela", frisa Amanda.

Com isso em mente, o biomédico Thiago Martins propõe que, ao invés de nos apegarmos a rótulos antienvelhecimento, o ideal é nos propormos a um envelhecimento mais ativo e saudável.

"Muito mais positivo do que perseguir a fórmula da juventude eterna, o ideal é adotar práticas que promovam um envelhecimento ativo e saudável, como praticar atividades físicas com regularidade, ter uma alimentação equilibrada, evitar o tabagismo e o álcool, e sempre cuidar da saúde mental", aconselha ele.

Amanda Pelinson concorda e adiciona: "A velhice não é um monstro e, embora seja uma fase de muitos desafios, é possível vivê-la – com a disposição correta – de uma forma plena e sem estigmas", resume.

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