Ser ou não ser “hétero top”, eis a questão – que ganha projeção após o tema ter virado pauta entre participantes do “Big Brother Brasil 22”, da TV Globo. Na casa mais vigiada do país há quem tenha medo de ser associado a essa pecha, quem queira ressignificar o termo e até confinado que assume o rótulo com certo orgulho.
Eliezer, que beijou as sisters Maria e Natália, revelou ter medo de ser visto como “topzera” pelo público. A preocupação parece estar relacionada à ideia de que esse perfil de homens teria pouca responsabilidade afetiva e agiria como “predador sexual”. Já Lucas, em seu vídeo de apresentação, se declarou um “hétero top do bem”. E o simples fato de ele ter adicionado um adjetivo positivo à expressão já indica como ser rotulado dessa maneira não costuma soar muito simpático. Por fim, o mais novo integrante do reality, Gustavo, que chegou ao jogo pela dinâmica da Casa de Vidro, admitiu se identificar com esse estereótipo. “O ‘hétero top’ pintado hoje pela ‘lacrolândia’ é uma pessoa branca, bem-sucedida, e eu tenho orgulho de ser ‘hétero top’ no meu conceito. Eu sou hétero e me considero top”, disse ele ao se apresentar para o público em um vídeo, que, aliás, foi alvo de críticas nas redes sociais. Pegou tão mal que a equipe que cuida das mídias do brother teria dito, segundo publicação do jornalista de celebridades Leo Dias, que ele havia sido obrigado pela Globo a se apresentar dessa maneira.
Mas, afinal, o que é ser um “hétero top”? Na avaliação do cientista da comunicação André Peruzzo, que pesquisa as representações das masculinidades na publicidade, a expressão é uma atualização do “cabra macho”. “Estamos falando do homem heterossexual que cumpre uma série de pré-requisitos de uma masculinidade hegemônica, como estar sempre pronto para o sexo, não demonstrar emoções ou vulnerabilidades e ser dominante em relação às mulheres…”, expõe, lembrando que esse arquétipo de homem-modelo foi reproduzido por décadas na mídia.
O estudioso pondera que o novo termo tem ainda algumas características particulares. “Além de estar associado a esses comportamentos, o ‘topzera’ vai ser jovem, branco e de classe média-alta, sendo frequentador assíduo de academias e baladas sertanejas, além de reproduzir uma série de atitudes machistas”, diz, lembrando que esse perfil tem pontos de intersecção com a ideia de “boy lixo” – aquele que age de maneira afetivamente irresponsável em um relacionamento – e com a do “Villa Mix” – que faz menção ao perfil de frequentadores das festas sertanejas mais caras de São Paulo.
Além disso, Peruzzo lembra que, ao contrário de “cabra macho”, que era carregada de um tom elogioso, representando um ideal de masculinidade, a expressão “hétero top” costuma ser utilizada de maneira pejorativa. “O que acontece é que a sociedade mudou, e comportamentos que antes eram aceitáveis e até estimulados, hoje, não são mais tolerados. Por isso ‘topzera’ vai ser visto como algo negativo, a ser evitado: é a representação de um tipo de sujeito que não se adequou, que ficou cristalizado, parado no tempo”, analisa, acrescentando que esse grupo se vê ameaçado, uma vez que começa a perder poder simbólico.
“Se outras formas de ser ‘homem de verdade’ passaram a ser aceitas e aquele modelo antigo já não serve mais, é esperado que quem se identifica com essa identidade tente reagir, pois é como se a própria existência da pessoa estivesse ameaçada. Daí, para se afirmar, esse sujeito precisa atacar o outro, dizer que o problema é da ‘lacrolândia’, e não dele”, pontua.
Origem. Ainda que o termo “top” fosse comumente usado, André Peruzzo lembra que ele se tornou mais popular depois de um tuíte do jogador de futebol Neymar Júnior. Na publicação de 2010, ainda hoje muito repostada, o atleta escreveu: “Deus é TOP”.
Deus é TOP
— Neymar Jr (@neymarjr) July 23, 2010
“Como ele tem muitos fãs que são homens heterossexuais, a palavra foi sendo adotada por essas pessoas e foi ficando associada a elas. Com o tempo, foi ganhando variações, como ‘topzera’ e ‘hétero top’”, descreve, lembrando que as expressões são constantemente ressignificadas.
O desconforto de ser rotulado
Para o psicólogo clínico Matheus Alves, a pulverização da expressão “hétero top” é uma novidade na medida em que enquadra certo tipo de masculinidade – que por muito tempo foi aceita e tida como desejável – como algo negativo. Ele lembra que a sociedade tem estereótipos bem construídos para as minorias, seja para a população negra, para membros da comunidade LGBTQIA+ ou para mulheres, por exemplo. “Por anos convivemos com a representação da ‘bicha má’, da ‘caminhoneira’, da ‘loira burra’... O que muda agora é que o homem cisgênero e heterossexual também passou a ter que conviver com a própria identidade sendo enquadrada pelos outros. E isso, como estão descobrindo agora, causa incômodo”, avalia.
Alves lembra que definir grupos dos quais desejo me distanciar é também um expediente para a construção da própria identidade. “Quando nomeio o ‘hétero top’ como um tipo indesejado, estou dizendo que não quero me enquadrar nesse perfil. E essa atitude tem efeito duplo. De um lado, é uma forma de a sociedade dizer que certos comportamentos não são mais bem-vindos, que devem ser evitados. De outro, essa atitude hostil pode fazer que as pessoas classificadas de forma pejorativa passem a se autoafirmar dessa maneira, juntando-se a um grupo de similares e gerando, como efeito, mais polarização do que aprendizado”, diz.
O também psicólogo Adilson Leite Júnior, que atende majoritariamente homens adultos e heterossexuais, concorda. “Infelizmente, somos uma sociedade que tem por hábito categorizar as pessoas, como se a identidade delas fosse rígida, e não fluida. A partir do recorte que fazemos – que pode ter por base apenas a aparência, e não as atitudes do indivíduo – corremos o risco de reproduzir uma série de preconceitos. E o pior é que esse comportamento acaba servindo apenas para afastar o outro, em uma dinâmica que, em geral, vai provocar pouca reflexão e mudança”, analisa, ponderando que, na opinião dele, o acolhimento é um caminho mais interessante para a promoção da transformação social.
Virou piada
Em um vídeo publicado pelo canal Porta dos Fundos no YouTube, o arquétipo do “hétero top” virou piada. Com participação do humorista belo-horizontino Rafael Chalub, popularmente conhecido como Esse Menino, a esquete satiriza certos padrões de comportamento do universo “topzera”.