Educação

Inclusão leva alunos a sucesso escolar

Autismo, TDAH e síndrome de Down estão presentes nos colégios. Quatro estudantes contam como superaram desafios e preconceitos.


Publicado em 16 de setembro de 2019 | 15:10
 
 
 
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Sucesso escolar é uma equação difícil de resolver – implica pais, professores, escola e os próprios alunos. Quando transtornos do desenvolvimento entram na conta, ela se torna ainda mais complexa, especialmente em um cenário de preconceito no qual escolas chegam a rejeitar a matrícula de alunos com essas características, como mostrou ontem reportagem de O TEMPO.

Mas vitórias acadêmicas estão longe de ser impossíveis para pessoas com diagnóstico de autismo, TDAH ou síndrome de Down.

“O que mais faz diferença é a disponibilidade da escola em promover adaptações. É quando se percebe que a inclusão começa desde a porta, na maneira como a criança é apresentada aos colegas”, diz a psicóloga Nádila Walter.

“Não é que o autista não consiga algo, é que não são dadas oportunidades a ele. Com um suporte adequado, ele consegue fazer as mesmas coisas que as outras pessoas”, afirma o servidor público Maurício Vieira, diagnosticado com síndrome de Asperger. O exemplo dele é uma das quatro histórias que você lê a seguir. 

“Minha rotina era muito cheia”

Quando conversou com a reportagem, Luísa Camargos, 25, estava às vésperas de começar o primeiro emprego como profissional de relações públicas na divulgação de um livro. Ela se formou em agosto e se diz a primeira brasileira diagnosticada com síndrome de Down a se graduar na área. “O coração está palpitando com o novo emprego. Estou preparada”, conta.

Desde os primeiros dias de vida de Luísa, a mãe preocupou-se em procurar tratamento multidisciplinar, tanto público quanto privado.
A engenheira mecânica Alice Camargos, 30, irmã de Luísa, lembra como o dia a dia era puxado. “A rotina dela aos 5 anos era de alguém adulto, de tentar conciliar todas as atividades”. Aulas
de reforço diárias e sessões de fonoaudiologia eram algumas delas.

Alice descreve a caçula como “CDFzinha”, mas, ainda assim, Luísa encontra tempo para descontrair. As duas estão à frente do Projeto Bagaceira, que reúne adultos com síndrome de Down
mensalmente em bares para se divertir. “As pessoas com síndrome de Down só costumam sair com os pais, porque é difícil para elas sair à noite e tudo mais. Mas a gente vai ao bar”, diz Luísa.

“Ele está no mesmo nível dos colegas da turma”

O educador social Maurício Moreira, 39, encontrou os profissionais certos no lugar certo quando matriculou o filho mais velho em uma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei). “Eu tenho sorte de ter a equipe que o atende, inclusive a professora de atendimento especializado. Tenho o número dela para falar o que preciso na hora em que preciso, a gente tem uma relação boa”, diz. Mesmo fora da Emei, o filho continua a ser acompanhado pela profissional em uma escola pública.

Os dois filhos de Maurício têm diagnóstico de autismo, e ele admite que fica inseguro sobre o futuro deles, sem saber como vai ser o mercado de trabalho, por exemplo. Mas, por enquanto, mostra orgulho ao lembrar que Maxwell, o mais velho, está no sétimo ano aos 13, exatamente a fase em que crianças da idade costumam estar. “Nas reuniões, os professores dizem que ele está no mesmo nível e até à frente de alguns colegas”, conta.

Ele é vice-presidente da Associação Brasileira para Ação por Direitos da Pessoa com Autismo (Abraça) e reforça que grupos de apoio são importantes para os pais, mas não devem se tornar apenas reuniões de “autoajuda”. Na visão dele, é preciso “rugir como leões” na conquista por direitos. Mas não insistiria em matricular os filhos onde não fossem bem-vindos: “Não vou a lugar nenhum onde as pessoas não estejam felizes porque meu filho está lá”.

O caminho escolar de Maxwell ainda é longo. Por hora, ele só se preocupa com o campeonato de queimada da próxima semana: “Sou bom em desviar da bola, mas, no ano passado, minha turma perdeu feio.”

“A escola indicou a psicóloga”

A primeira recuperação chegou no quarto ano do ensino fundamental. E mais: se seguiu no quinto. Fernando Sales, hoje com 22 anos, não conseguia se concentrar na escola, mesmo que seu comportamento não fosse um problema.

Até que uma funcionária do colégio onde estudou a vida inteira sugeriu uma consulta a um psicólogo. Alguns médicos depois, veio o diagnóstico de TDAH e, em seguida, um tratamento que dura até hoje, enquanto ele se gradua em direito.

“Nem sei qual prejuízo eu teria se minha mãe não tivesse se importado. Acho que pelo menos uma bomba eu levaria. Antes, eu pensava que não entendia nada, estudava sem resultado. Gostar de estudar foi a maior conquista com o tratamento”, diz. “Mas dá para me virar sem o remédio”.

“Autismo não é algo vergonhoso ou errado”

Com 37 anos, Maurício Vieira só começou a se sentir à vontade para contar sobre seu diagnóstico de autismo há cerca de quatro
anos. “Eu tinha vergonha, achava que era uma coisa estigmatizante. Mas, conversando com outras pessoas autistas, fui vendo que não é algo vergonhoso ou errado”, diz.

Ele fez tratamento com psicólogos e outros profissionais dos 5 aos 15 anos, em uma clínica pública, mas nem os professores das escolas onde estudou, também públicas, sabiam do transtorno. “Os professores sabiam que eu era diferente, mas não tiveram curiosidade de saber por quê”, explica.

Era difícil se adaptar: a metodologia de ensino em aula não fazia sentido para ele, e raramente conseguia se concentrar em tarefas de casa ou interagir com os colegas. Mas, para a surpresa dos docentes, as notas eram boas.

Tão boas que, primeiro, ele conseguiu uma bolsa integral para cursar direito em uma universidade particular, além de passar em um concurso público. Agora, já formado, faz psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais e, pela primeira vez, revelou o autismo à equipe acadêmica, a fim de ter suporte adequado, como
monitoria especializada.

Também pela primeira vez, já na faculdade, tem uma colega com um diagnóstico. “Eu me achava sozinho no mundo, sabia que havia outras pessoas, mas não quem eram”, diz. Hoje, participa da militância de pessoas autistas. E lembra que, como todo transtorno, o autismo é um espectro: “A diferença do autista ‘leve’ e do ‘severo’ é que, no severo, as pessoas não conseguem enxergar a capacidade e, no leve, a dificuldade”.

Sua própria mãe não entende completamente o diagnóstico: “Ela ainda diz ‘Você consegue fazer tanta coisa, não é autista’, porque as pessoas têm aquela visão monolítica de que autista é só aquela pessoa que fica no canto, batendo a cabeça na parede”.

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