Quando decidiu entrar para a área da construção, Gabriela do Carmo, 26, logo descobriu que teria que enfrentar um desafio árduo pela frente. Engenheira civil desde 2020, ela conta que não foram poucas as vezes em que viveu situações de intolerância simplesmente pelo fato de ser uma mulher com cargo de liderança à frente de um time formado só por homens.
“Passei por vários incômodos e preconceitos em um ambiente de trabalho totalmente masculino”, diz. “Todos os dias eu escutava absurdos como ‘Aqui é lugar para homem de pulso firme, e uma menina nova como você não devia estar nessa profissão’. E isso vinha de colegas, funcionários e até mesmo de fornecedores”, relata.
Gabriela lembra que toda essa resistência acabou tendo um impacto negativo em sua vida pessoal e profissional.
“Eu comecei a trabalhar minha cabeça para conseguir entregar meu serviço 100% perfeito para não sofrer mais chacota. Todos os dias eu sentia que precisava me reinventar para provar o meu valor para todo mundo, e isso foi me adoecendo. Não é fácil ser mulher e ter que aguentar tanta pressão no dia a dia”, lamenta.
Casos como o de Gabriela deixam escancarado como as mulheres ainda seguem sendo vítimas de todo tipo de sexismo e assédio na sociedade. Um estudo feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e publicado em 2020 revelou que 89,50% da população brasileira admite ter preconceito de gênero.
Diante desse número, especialistas buscam decifrar as causas para tanto atraso em relação aos papéis permitidos às mulheres no país.
“Embora não seja um problema unicamente do Brasil, é extremamente alarmante perceber esse tipo de comportamento em diversos âmbitos sociais por aqui”, explica Roberta Andrade e Barros, psicóloga e professora do Centro Universitário Una.
Para a educadora, a questão é histórica e foi construída ao longo dos anos para promover o poder dos homens sobre as mulheres, seus corpos e seus comportamentos.
“Isso está impregnado na nossa cultura e nas instituições, como a família e a escola, que reproduzem esse pensamento. Existe em nossa sociedade um ideal de homem e de mulher (que não é real, concreto), e as características esperadas da mulher são sempre menos valorizadas dentro desse contexto”, argumenta.
Antropóloga, doula e pesquisadora do Grupo de Estudos em Gênero e Sexualidade (Gesex) da UFMG, Thais Rocha vai mais além e diz que tanto preconceito é pautado em mitos sobre uma suposta superioridade masculina.
“Existe uma falácia que afirma que homens são mais racionais, objetivos e competentes que mulheres e que essas, por suas vezes, são mais emocionais, subjetivas e inaptas. É preciso reiterar que isso não é verdade e que se trata de uma crença localizada na cultura, e não na biologia”, expõe a estudiosa, acrescentando que não existe base científica alguma que sustente essa afirmação.
“Desacreditar as competências de uma mulher em qualquer ambiente, principalmente no trabalho, é uma estratégia para manter o poder nas mãos de homens”, destaca.
Uma divisão desigual
A psicóloga clínica Verônica Campos também defende que o elemento cultural tem um peso muito forte nessa resistência social à equidade de gênero, particularmente no que diz respeito à divisão sexual do trabalho.
“A divisão sexual do trabalho se relaciona diretamente com o pareamento entre cuidado/instinto, feminino/amor. É a partir de uma construção histórica que se começa a dividir o que seriam atribuições masculinas e femininas e que o cuidado passa a ser visto como atribuição de mulheres. O problema é que perdemos esse fio histórico e encaramos essa divisão como algo natural, que se dá pela diferença biológica entre os sexos”, diz.
Verônica enfatiza que há estudos que mostram que essa atribuição desigual de tarefas entre homens e mulhres está presente em quase todas as faixas etárias e classes sociais, e que ela tem influência direta na saúde mental das mulheres.
“A divisão sexual do trabalho desemboca numa imensa sobrecarga feminina, gerando exaustão e altos índices de ansiedade e depressão entre nós.”, completa.
‘Caminho para a igualdade ainda é longo’
Embora a igualdade entre homens e mulheres no Brasil tenha sido consagrada na Constituição de 1988, muitos pensadores concordam que o país precisa evoluir – e muito – no combate ao preconceito e ao abuso contra as mulheres.
“Acredito que estamos avançando na desconstrução da ideia de papéis de gênero, e a popularidade da frase feminista ‘lugar de mulher é onde ela quiser’ é um exemplo disso. Aos poucos está ocorrendo uma mudança no imaginário social acerca dos locais que mulheres podem ocupar na sociedade”, aponta Mayara Achilei de Freitas, mestranda em antropologia e educação pela UFMG.
“Mas é importante destacar que, mesmo com a mudança gradativa desse imaginário, ainda temos cenários muito violentos para as mulheres que rompem com essas barreiras. Portanto, a mudança de mentalidade é muito importante, mas a transformação dos contextos concretos é um desafio maior que não pode ser esquecido. Infelizmente, o caminho para a igualdade ainda é longo”, arremata.