Com os olhos fixos no smartphone e os dedos trêmulos a empurrar para cima e para baixo uma pletora de imagens exuberantes de maneira tensa, frenética e descontrolada, Ana Costa se contorcia na cama buscando não perder nenhuma das promessas vendidas a ela por algoritmos potentes de uma rede social qualquer.
"Eu me sentia aprisionada diante de tudo o que via ali. Era como se aquele passatempo carregasse uma força magnética que me entorpecia. Ao mesmo tempo que aquilo me dava prazer, também me escravizava. Era um sentimento medonho", relembra a analista de 36 anos, que diz ter precisado de uma abstinência forçada para controlar sua dependência tecnológica.
Em um mundo cada vez mais guiado pelos abusos e vícios do universo online, histórias como a de Ana se repetem quase que ad infinitum.
Com a intenção de encontrar um antídoto contra essa dependência global ao prazer digital, muita gente tem aderido ao chamado jejum de dopamina – nova tendência surgida no Vale do Silício, nos EUA, que promete melhorar o funcionamento do cérebro, e aumentar sua produtividade.
Os adeptos da prática acreditam que inibir fontes de prazer – como sexo, comida e redes sociais – possa diminuir consideravelmente os níveis de dopamina, hormônio relacionado à sensação de recompensa positiva. Dessa forma, a mente ficaria livre do vício em atividades prazerosas e poderia trabalhar melhor.
Mas será que simplesmente abrir mão de todo tipo de prazeres, principalmente os tecnológicos, pode realmente melhorar o funcionamento do cérebro?
"Eu não diria que seja necessário riscar todo e qualquer tipo de prazer moderno da nossa rotina, mas sim avaliar quando eles estão nos trazendo prejuízo", aconselha o neurocientista e terapeuta, Lucas Kane.
Segundo ele, muitos desses comportamentos podem de fato causar dependência no cérebro e gerar um comportamento disfuncional de buscar constante ao prazer. "A maioria dessas atividades tendem a gerar satisfação imediata. Por isso é fácil nos viciarmos em doces, comidas gordurosas, pornografia ou drogas que exploram nossas necessidades sociais", argumenta.
O psiquiatra e terapeuta cognitivo comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira concorda e diz que o primeiro passo para combater essas "dependências" é entender exatamente o papel e a importância que a dopamina exerce no nosso organismo.
"Ela é uma substância que faz a comunicação entre os neurônios e está envolvida principalmente em atividades ligadas à obtenção de prazer e ao direcionamento de atenção. Então, uma atividade que provoca uma liberação grande e imediata de dopamina é uma atividade que nosso cérebro vai aprender a priorizar mesmo que ela não seja realmente importante", expõe o médico, acrescentando que talvez não seja tão fácil nos livrarmos de tudo o que libera dopamina.
"Abrir mão das coisas que liberam dopamina é impossível. Comer, por exemplo, libera dopamina, e não dá para ficarmos sem nos alimentar. A questão é achar o equilíbrio", destaca.
Rodrigo enfatiza que para a maioria das pessoas – em grande parte do tempo –, a balança pende muito para o lado da gratificação imediata e para a felicidade condicionada, situações que dificilmente não acrescentarão algo positivo a longo prazo.
"É importante diminuir essas atividades em nome de outras – e não só pensando em produtividade, ou questões de trabalho – mas em se construir uma vida significativa. O verdadeiro benefício de ficar livre desses estímulos é chegarmos a uma vida que realmente faça sentido para a gente", complementa.
'Dopamina não é a vilã'
Especialista em desenvolvimento humano e produtividade, Carolina Jannotti vai mais além e diz que a receita é sempre evitar os extremos quando o assunto é o bem-estar físico e mental.
"A ideia de que menos prazer é igual a mais produtividade está totalmente equivocada. A dopamina não é uma vilã. Ela é positiva. Ela é a substância da satisfação. A supressão deste tipo de química no corpo, pode, inclusive, redirecionar para um estado depressivo", alerta ela.
"Por isso sou contra todos os extremos. Momentos de prazer e distração também favorecem o bem-estar, a criatividade e o sentimento de motivação, o que automaticamente eleva a capacidade de tomar decisões e a produtividade", resume a especialista.
Mudança de foco é a chave
Apesar de não possuir comprovação científica de que um jejum de dopamina ajude a diminuir algum vício, a ideia em si soa como alerta.
“Não há como negar que é preciso reduzir a hiperestimulação causada por aplicativos digitais, cigarro, álcool e outras drogas”, afirma o psiquiatra e terapeuta cognitivo comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira.
No entanto, ele admite: “É uma tarefa muito difícil, porque a maioria de nós vive cercado por um regimento que envolve, por exemplo, usar redes sociais diariamente. Para manter o foco e o equilíbrio mental, a questão é usar o mínimo possível destes aparatos”, propõe.
Ele diz ainda que se conseguirmos nos livrar desses processos automáticos de dopamina na nossa mente, “sem dúvida vamos estar expostos a um novo e amplo leque de escolhas – mais focado no momento atual e nas experiências que a vida está nos proporcionando no presente”.
“Agora, se o Vale do Silício chega ao ponto de advogar esse tipo de técnica, logo eles, que estão por trás do desenvolvimento desses hábitos, fica claro o quanto o excesso dessas tecnologias realmente faz mal a todos”, finaliza.