Um evento importante na vida dos jovens, a primeira relação sexual tem acontecido cada vez mais cedo no Brasil. É o que se pode inferir a partir de dados oficiais disponibilizados por órgãos da administração pública do país. Para se ter uma ideia, em uma publicação de 2008, feita na Revista de Saúde Pública, o Ministério da Saúde indicava essa iniciação acontecia, em média, aos 14,9 anos, sendo que as mulheres vivenciavam essa experiência mais tardiamente que os homens. Em 2012, conforme apuração a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), a constatação foi de que quase um terço (29%) dos adolescentes de 13 a 15 anos já haviam tido relação sexual. Mais recentemente, em 2020, o Observatório Nacional da Família – ligado à Secretaria da Família do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos – apontou que a idade média do início da vida sexual do brasileiro era de 12,7 anos para os homens e 13,8 anos para as mulheres.

Embora não existam ainda pesquisas suficientemente amplas que, ao investigar o comportamento sexual dos adolescentes no Brasil, poderiam trazer respostas e explicar esse fenômeno, especialistas ouvidos por O TEMPO apontam que fatores diversos devem ser considerados e podem contribuir para essa redução da idade média da iniciação sexual no país.

Mas, antes de indicar aspectos que podem contribuir para esse comportamento, a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello pondera ser difícil estabelecer uma idade cronológica ideal para o início da vida sexual. “O importante é que o adolescente esteja emocionalmente preparado para essa nova etapa em sua vida, que possa entender que os apelos de seu corpo devem estar alinhados ao afeto, ao respeito a si mesmo e ao outro, e precisam ter consciência das consequências deste ato”, avalia, acrescentando que a iniciação sexual não é um ato isolado, mas um ato a dois. “Assim, deve também ser uma decisão mútua”, diz.

Gilda lembra ser natural que as mudanças no corpo e as alterações do ciclo hormonal despertem, por si, curiosidade. Contudo, sinaliza que as mídias, como um todo, e a internet, em especial, podem exacerbar e acelerar esse despertar sexual ao promover o acesso fácil a conteúdos eróticos e pornográficos. Ela ainda lembra que, hoje, para além de facilitar o consumo, a lógica das redes sociais – que tende a levar os usuários a uma constante busca por mais engajamento – pode estimular a produção desse tipo de material.

E o problema é que, quando o assunto é a sexualidade, a carência de fontes seguras tende a levar os adolescentes a buscar esclarecimentos por meio de mediadores duvidosos, que mais deseducam do que educam. “Muitas vezes, eles até buscam essas respostas com seus pais ou professores, mas acabam não encontrando abertura para abordar essas questões. Para ocupar esse vácuo, apelam a amigos e à internet, onde podem esbarrar com informações incorretas, carregadas de preconceito e que reforçam estereótipos”, alerta a psiquiatra da infância e adolescência Luciana Nogueira de Carvalho. 

Pressão

Agrava essa situação o fato da busca de apoio entre os pares se converter, muitas vezes, em mais pressão para a iniciação sexual. “A adolescência é uma fase de turbulência, quando, além das transformações corporais e das descobertas que vamos fazendo em relação a nós mesmos, há um movimento de afastamento dos pais no sentido de buscarmos nossas próprias referências e construirmos nossa identidade. Tudo isso pode gerar insegurança, e o jovem, para não se sentir sozinho nesse processo, vai se agrupar. Se ele não está com sua subjetividade fortalecida, pode acontecer desse indivíduo passar fazer o que o grupo sugere para não ser excluído – mesmo que não se sinta preparado para tal”, adverte a médica ginecologista Ana Inês Coura, que atende no Hospital Semper. 

A profissional da saúde ressalta que, tendo conhecimento desse comportamento, é fundamental que os adolescentes sejam preparados e tenham sua autoestima fortalecida a fim de não sucumbirem a nenhum tipo de pressão. “Eles precisam se sentir seguros para que não se sintam obrigados a fazer algo só porque o outro quer ou porque seus colegas já fizeram”, pontua, dizendo que a sociedade em geral, não apenas a família e a escola, devem atuar nesse sentido. “Eu mesma, por exemplo, costumo ter esse tipo de conversa com minhas pacientes, que costumam ser trazidas pelas suas mães após a primeira menstruação. Digo-lhes que quem decide sobre o momento de ter a primeira relação não é a amiga ou o namorado, mas elas próprias”, cita.

Sexo seguro. Além do início da vida sexual acontecer cada vez mais cedo, é especialmente preocupante o fato de adolescentes usarem menos preservativos nas relações. Segundo IBGE, de 2009 a 2019, o percentual de pessoas entre 13 e 17 anos que usaram camisinha na última relação sexual caiu de 72,5% para 59%. Entre meninas, a queda foi de 69,1% para 53,5% e, entre meninos, de 74,1% para 62,8%. “A gente sabe que o preservativo é a única forma de evitar algumas doenças. Portanto, é evidente que precisamos pensar em campanhas a fim de reforçar a importância do uso dessa proteção”, sustenta Ana Inês.

Dever da sociedade

Luciana Nogueira de Carvalho concorda que conversas sobre sexo deveriam ser mais comuns tanto no ensino formal quanto no ambiente doméstico. Ela indica que a educação integral em sexualidade, ao contrário de estimular, tende a ser uma barreira à iniciação sexual precoce, à medida que demonstra para crianças e adolescentes que o sexo, para ser funcional, exige preparo e responsabilidade.

É o oposto do que acontece a muitos jovens que, por não ter acesso a uma instrução sólida, iniciam sua vida sexual mais cedo. O especialista em docência na educação infantil e pedagogo Sandro Vinicius Sales dos Santos concorda. Ele salienta que, diferentemente do que faz crer a desinformação, a educação sexual nada tem a ver com doutrinação ou com promiscuidade. “É o contrário disso. É um processo de autoconhecimento, que envolve a descoberta de limites e de possibilidades de relações com os outros, com os iguais, com os diferentes, mas, sobretudo, consigo mesmo”, garante.

Em casa. No mesmo sentido, Gilda Paoliello reforça o papel da sociedade na proteção da infância e da adolescência. “Os pais devem se preparar para falar de sexo em casa, e devem fazer isso de maneira informal, sem muita cerimônia e sem fixação de valores”, aconselha, dizendo que a humildade em reconhecer que não sabe de tudo e que também está aprendendo tende a criar um clima de cumplicidade que favorece que essas trocas aconteçam. 

A consultora em sexualidade Aline Bicalho acrescenta que esses fundamentos podem ser transmitidos desde a infância e de forma muito orgânica. “Nós podemos ensinar por diversos meios. Quando dizemos para a criança que ela não precisa emprestar o brinquedo dela, mas que as outras crianças também só vão emprestar se quiserem, estamos falando sobre consentimento, estamos ensinando-as a entender que não é não”, assegura. 

Nas escolas. “E, na sala de aula, é importante que o assunto também seja tratado com naturalidade, idealmente, indo para além da perspectiva biológica”, sugere Gilda, indicando que considera um erro que a temática fique restrita a questões como o funcionamento dos órgãos genitais, a gravidez e as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). 

“Precisamos falar que o sexo está vinculado ao afeto, sobre o que desperta no corpo o desejo e a paixão. Falar que o desejo é uma coisa natural, mas que, para dar vazão a ele, precisamos estar preparados, porque há consequências. E, dessa maneira, vamos ter a chance de falar também sobre responsabilidade, sobre consentimento, sobre segurança emocional”, indica, sublinhando que a educação sexual pode funcionar como uma barreira contra crimes sexuais – facilitando o reconhecimento dessas situações e emprestando autonomia para que crianças e adolescentes possam denunciar agressores –, além de reduzir os riscos de gravidez não planejada e de infecções.

Vale registrar: segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em julho, a maioria (73%) da população brasileira acredita que a educação sexual deve estar no currículo escolar.