Quando o rádio foi criado, no final do século XIX, muitas pessoas acreditaram que os jornais impressos estariam ameaçados. O mesmo aconteceu com as primeiras transmissões de televisão, na década de 1930. A possibilidade de consumir conteúdos em casa, além da chance de aliar a imagem ao som, pareciam grandes trunfos diante do cinema e do rádio. A evolução da internet pareceu seguir o mesmo raciocínio, e, claro, a história não foi diferente com a popularização dos livros digitais e dos audiobooks. E, assim como as tecnologias midiáticas não destruíram seus antecessores, os livros físicos também não deixaram de existir com o avançar das inovações.
Embora o mercado literário enfrente uma crise difícil nos últimos anos, as obras impressas continuam existindo e se mantêm como favoritas – pelo menos para os consumidores brasileiros. É isso o que aponta uma pesquisa divulgada há menos de um mês. Encomendado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), o levantamento apontou que 54% dos 25 milhões de compradores haviam comprado apenas livros físicos nos últimos 12 meses.
A pesquisa, que ouviu 16 mil pessoas entre 23 e 31 de outubro de 2023, também mostrou que o número de consumidores que optaram pelas obras digitais era quase quatro vezes menor, alcançando 15% do total de compradores.
A professora Alessandra Lessa, 28, é uma dessas milhões de pessoas que continuam tendo maior apreço pelos livros impressos. Mesmo que reconheça a praticidade e a economia geradas pelos e-books, ela confessa que continua buscando ampliar sua biblioteca pessoal. “Os livros, para mim, são como troféus. Gosto de olhar para cada um deles e pensar que li algo maravilhoso. É uma sensação encantadora”, confessa.
Essa possibilidade de expor cada uma das obras, além de poder tocar, cheirar e perceber detalhes das capas e páginas, são outros detalhes que tornam a experiência física mais atraente para a professora. “Sou apaixonada pelo cheiro de livro novo, e, para mim, é extremamente gratificante colocar uma obra na minha estante quando termino de lê-la. Eu nunca compro um livro para não ler. Já li os três de “O Senhor dos Anéis”, agora quero o volume único e, quando comprá-lo, vou ler de novo”, afirma a professora, que é fã das obras de J. R. R. Tolkien.
Alessandra conta também que a maioria das obras que têm já foi lida e aprovada por ela. As poucas ainda não exploradas estão em sua lista de leitura. “Quando eu não gosto de um livro, não faço questão nenhuma de tê-lo na minha estante. Então eu dou para minha mãe, faço uma doação para alguma instituição ou para alguma pessoa. Já doei sacolas de livros”, diz.
O apelo físico também é um fator determinante para que a comerciante e esteticista Gabriela Martins prefira as obras nesse formato. “Gosto de sentir a textura, de sentir o cheiro, de virar a página, de usar o marcador. Acho que as obras impressas são mais interessantes do que as digitais”, afirma.
Para Gabriela, porém, há espaço para o crescimento do consumo de e-books. “Ultimamente, os valores dos livros físicos estão altos demais, e não são todos que têm condição financeira de comprá-los”, observa. A praticidade e o fato de não estragarem com o passar do tempo também são pontos destacados por ela para justificar os atrativos das obras digitais.
Apesar disso, Gabriela compreende os motivos para que o formato impresso continue sendo o favorito. “Muitas pessoas acham mais prazeroso segurar um livro do que um leitor digital ou um celular. Além disso, muitos amam ter a estante cheia de obras, ordenar por cor, autores e enfeitá-las também”, conta ela, que tem uma conta no Instagram dedicada às suas empreitadas literárias (@pequena__leitora).
Peças de colecionador
O escritor, poeta e compositor Iata Anderson D’Gerais conta que também prefere os livros impressos. Para ele, as obras que seguem esse formato podem ser encaradas como peças de colecionador, principalmente agora, quando o mercado literário tem investido ainda mais nos detalhes e em edições mais caprichadas para conquistar o público.
“Quem gosta muito de esculturas, de pinturas, por exemplo, costuma ir a museus para ter acesso a essas obras. Você pode ter uma coisa ou outra dessas em casa, mas é mais difícil. Já com os livros, é mais simples. Porque é mais fácil ter uma biblioteca em casa do que uma coleção de esculturas. Então, para mim, os livros são essa possibilidade de ter obras de arte em casa”, explica.
Além disso, ele também cita o próprio desejo de ter menos contato com telas como um fator importante para optar pelas páginas impressas. Ele pondera, porém, que compreende também os atributos positivos das obras digitais. “Há quem goste mais desse formato. Eu vejo mais essa questão de forma híbrida, acho que é interessante que tenhamos diferentes formas de acesso, até para facilitar a leitura, o transporte”, observa.
Em sua experiência como escritor, ele também tem mais apreço pelo formato físico. Segundo Iata Anderson, há mais significado e potência nessas obras. Não por acaso, ele guarda na memória o momento em que pôde pegar seu primeiro livro, “Ecos do que Vi e Amei” (Drops Editora), nas mãos, para mostrá-lo à sua mãe. “Quando nós vimos os livros, quando eu dei para que ela segurasse, comentei que a obra seria uma forma de continuarmos vivos, mesmo depois de morrer. Ela se emocionou, e eu também. É como o Guimarães Rosa diz: ‘O que eu tenho, eu me lembro’. Então disse a ela que, se alguém se lembrar daquelas páginas, eles também nos terão aqui”.