Recentemente, o apresentador e chef de cozinha Edu Guedes, de 51 anos, revelou que foi diagnosticado com câncer no pâncreas. No início do mês, ele procurou o Hospital Albert Einstein após uma crise de dor causada por cálculo renal. Durante a cirurgia para remoção de uma pedra de 0,6 cm no rim, os médicos identificaram uma alteração no pâncreas.
Exames posteriores confirmaram um tumor em estágio inicial, localizado na cauda do órgão. Desde então, o apresentador passou por quatro cirurgias. Em nota enviada à reportagem, a assessoria de imprensa de Edu Guedes informou que ele não precisará de radioterapia nem quimioterapia, mas terá que fazer “algumas mudanças na sua rotina e dieta específica.”
O caso de Edu Guedes chama a atenção para uma característica marcante do câncer de pâncreas: na maioria dos casos, os sintomas só aparecem quando a doença já está em estágio avançado, o que reduz significativamente as chances de tratamento eficaz.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a alta taxa de mortalidade está justamente relacionada à dificuldade de detecção precoce. Dados do instituto indicam que esse tipo de câncer ocupa a 14ª posição entre os mais frequentes no país.
Um estudo publicado na revista “Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences” mostrou que, entre abril de 2023 e abril de 2024, 19.291 pessoas foram internadas para tratar a doença, das quais 3.834 morreram. A região Sudeste concentrou o maior número de óbitos (49,13%), enquanto a região Norte registrou a maior taxa de mortalidade (25,97 por 100 mil habitantes).
Funções do pâncreas
O pâncreas é um órgão que integra os sistemas digestivo e endócrino. Localizado na parte de trás do estômago, entre o duodeno e o baço, o pâncreas mede entre 15 e 25 centímetros e pesa cerca de 100 gramas. Mas seu tamanho é inversamente proporcional à sua magnitude. “Um ser humano consegue sobreviver sem o baço, com só um rim ou com apenas 20% do fígado, mas não sem o pâncreas”, salienta o gastroenterologista, endoscopista e cirurgião geral Bruno Sander.
Basicamente, o órgão exerce duas funções: produzir hormônios, como a insulina e o glucagon, que regulam o nível de açúcar no sangue, e secretar enzimas digestivas que ajudam a quebrar os alimentos no intestino. “Em outras palavras, ele atua tanto no controle do metabolismo quanto na digestão”, resume o cirurgião, endoscopista e gastroenterologista Mauro Jacome.
Sinais que o pâncreas não está bem
Um dos problemas de saúde mais comuns relacionados ao pâncreas é a pancreatite, que pode ocorrer de forma aguda ou crônica. Ela ocorre quando um cálculo formado na vesícula biliar migra ou obstrui o ducto pancreático.
Com isso, as enzimas digestivas produzidas pelo pâncreas se ativam dentro da própria glândula, e ocorre uma inflamação, causando sintomas como icterícia (olhos e peles amareladas), diarreia gordurosa, dor abdominal, prisão de ventre, flatulência, azia, perda de apetite, sede excessiva e urina escurecida.
Os sintomas da pancreatite e do câncer de pâncreas são similares e podem ser confundidos. Edu Guedes afirma não ter observado essas manifestações, mas relatou uma dor persistente nas costas.
Oncologista do grupo Oncoclinicas e da Ciências Médicas (Feluma), Rafael Fernandes detalha que a dor nas costas pode ser um sintoma comum de câncer, especialmente em tumores localizados na parte do corpo e da cauda do pâncreas.
“Isso ocorre porque há invasão ou compressão de nervos retroperitoneais e irradiação da dor visceral para a região lombar”, explica. Portanto, é importante ficar atento se a dor não melhora com repouso, tempo ou medicação.
Além dos sintomas já citados, para a detecção da enfermidade, é preciso ficar atento a perda de peso excessiva não-intencional, ou seja, quando há um emagrecimento excessivo em um curto período, sem clara motivação. “É preciso observar também se há fadiga extenuante, náuseas e diabetes repentina. Geralmente, esses sintomas são atribuídos a causas benignas, e, por isso, negligenciados”, destaca Rafael.
Exames para diagnosticar o câncer de pâncreas
Embora não exista um exame de rotina padronizado apenas para o pâncreas, há formas de avaliar o funcionamento do órgão, segundo o cirurgião, endoscopista e gastroenterologista Mauro Jacome. “Testes laboratoriais como dosagem de glicose, insulina, amilase e lipase no sangue podem dar pistas importantes. Em alguns casos, exames de imagem como ultrassonografia, tomografia ou ressonância magnética são utilizados para observar alterações estruturais. Também existem exames de fezes que avaliam a função digestiva pancreática, indicados em situações específicas”, aponta o especialista.
Bruno Sander aponta ainda que um dos exames mais eficientes para a descoberta do câncer de pâncreas é a ecoendoscopia. “Nesse caso, uma espécie de ultrassom fica conectado à ponta do aparelho de endoscopia, que auxilia na visualização e na biópsia do tumor”, explica.
Tratamento envolve cirurgia e terapias
O tratamento para o câncer de pâncreas varia conforme a incidência do tumor no órgão. “O pâncreas é dividido em três partes: cabeça, corpo e cauda. Quando o tumor está na cabeça, fica menos difícil de retirar o tumor, e a cirurgia é indicada porque as chances curativas são maiores.
No entanto, a depender do estágio do câncer, uma operação não é indicada, porque pode comprometer todo o órgão, e, consequentemente, o corpo inteiro. No caso do Edu Guedes, se houve cirurgia, é porque possivelmente foi observada a possibilidade de retirada do tumor”, explica Bruno Sander.
Oncologista do grupo Oncoclinicas e da Ciências Médicas (Feluma), Rafael Fernandes detalha ainda que, quando a doença está localmente avançada, ou seja, sem metástase, mas irressecável (sem possibilidade de cirurgia), é recomendável quimioterapia e, em alguns casos, radioquimioterapia. “Já quando ela está em fase de metástase (espalhamento), o tratamento é paliativo, ocorre por meio de quimioterapia, e o paciente tem uma sobrevida entre oito e 12 meses”, salienta.
Canetas emagrecedoras X câncer de pâncreas
O uso indiscriminado das chamadas “canetas emagrecedoras” acende um alerta importante de uma possível relação com o desenvolvimento do câncer de pâncreas. Mestre e doutor pela UFMG, o gastroenterologista Bruno Sander detalha que essas medicações atuam diretamente no metabolismo do pâncreas e já existem estudos associando o uso dessas canetas à pancreatite crônica, que, por sua vez, é um fator de risco conhecido para o câncer de pâncreas.
“Canetas emagrecedoras atuam no metabolismo do pâncreas. Não é possível afirmar que existe uma relação direta entre elas e o câncer. No entanto, o uso desse medicamento pode causar pancreatite, que, por sua vez, é fator de risco para o câncer”, aponta.
Recentemente, a Anvisa determinou que farmácias e drogarias devem reter receitas desses medicamentos. A categoria inclui a semaglutida, a liraglutida, a dulaglutida, a exenatida, a tirzepatida e a lixisenatida. No entanto, o médico afirma que acesso a esse tipo de medicamento é muito facilitado no Brasil. “Se você entra na internet e digita ‘comprar Monjauro’, aparece um logal que manda entregar na sua casa. Em clínicas populares, a prescrição é feita sem o devido acompanhamento”, afirma.
Confira 6 fatores de risco do câncer de pâncreas
- Pancreatite crônica
- Tabagismo (fator mais consistente)
- Idade avançada (maioria > 60 anos)
- Diabetes mellitus tipo 2
- Obesidade
- História familiar de câncer pancreático
Como prevenir o câncer de pâncreas
- Manter alimentação saudável rica em frutas, verduras, legumes e fibras;
- Evitar o consumo excessivo de álcool e alimentos ultraprocessados;
- Não fumar;
- Manter o peso corporal adequado e praticar atividades físicas regularmente.
“Não existe um rastreamento específico nem um método exato de prevenção para o câncer de pâncreas, mas sabemos que a prevenção está, principalmente, nos hábitos de vida. O exercício físico, por exemplo, é uma das ferramentas mais eficazes. Hoje temos dados muito consistentes na oncologia que mostram que a atividade física regular ajuda a prevenir o câncer e, mesmo em pessoas que já receberam o diagnóstico, ela reduz as chances de recidiva e está associada a uma maior sobrevida”, ressalta o oncologista Rafael Fernandes.