“‘Eu nunca quis viver o que minha mãe viveu com o meu pai e com os outros homens com os quais ela se relacionou depois da separação (ou viuvez). Agora vivo os mesmos dramas que ela. Não sei onde estou errando’. Muitas mulheres me procuram nas sessões de terapia com esse questionamento”, comenta a terapeuta e psicanalista Josiane Ferreira. Para além da rotina profissional de Josiane, a situação é bem comum e independe do gênero.
Frequentemente, as pessoas entram, de forma inconsciente, em relacionamentos com parceiros que apresentam características semelhantes às que observavam nos próprios pais. Relações parentais marcadas por conflitos, distanciamento emocional ou desequilíbrios de poder, por exemplo, podem moldar a forma como alguém entende o amor, o cuidado e o que considera “normal” em uma relação.
Mesmo que sejam nocivos, esses modelos podem acabar servindo de referência inconsciente para escolhas afetivas na vida adulta. Você já reparou como muitas pessoas tendem a se envolver repetidamente com parceiros que possuem características semelhantes? Será que a gente busca nas nossas parcerias aquilo que nos é familiar? As perguntas fazem sentido e a ciência já se debruçou sobre esse padrão comportamental.
Cientistas da Universidade de Toronto, no Canadá, compararam a personalidade dos parceiros anteriores e atuais de 332 entrevistados. O estudo mostrou que a personalidade dos ex-parceiros se repetia.
“É comum que, quando um relacionamento termina, as pessoas atribuam o rompimento à personalidade do ex-parceiro e decidam que precisam namorar alguém com um tipo diferente. Mas a nossa pesquisa sugere que há uma forte tendência de continuar a namorar uma personalidade semelhante”, afirmou, em comunicado, o psicólogo Yoobin Park, principal autor do estudo.
Afinal, somos atraídos por quem se parece conosco e por características que nos são familiares? Por qual motivo repetimos padrões nos relacionamentos? Segundo Josiane Ferreira, o cérebro tende a buscar padrões familiares, mesmo quando são nocivos, porque, de alguma maneira, trazem segurança emocional.
A especialista também cita a zona de conforto mental como uma das explicações: “Mesmo que seja um padrão tóxico, um relacionamento abusivo e algo que prejudica, mas é conhecido e, portanto, controlável, o inconsciente entende como se fosse um perigo menor do que algo incerto. É estranho, mas é assim que funciona”.
Por outro lado, a familiaridade nas relações afetivas nem sempre é negativa. É o que diz o psicólogo e especialista em terapia de casais, Gabriel Aguilar. Ele também ressalta que o cérebro humano gosta do que é previsível e isso traz uma sensação de segurança. Aguilar também pondera que a repetição de padrões, nos casos em que eles trazem sofrimento, não acontece porque a pessoa deseja sofrer, mas porque aprendeu a associar esse tipo de vivência à ideia de amor.
“Se você cresceu em um ambiente onde havia afeto, respeito, escuta e parceria, é natural que seu sistema emocional busque isso nas relações adultas e isso é muito bom e extremamente positivo. O problema começa quando o ambiente familiar foi de instabilidade, rejeição ou ausência. Dessa forma, mesmo que a gente diga ‘quero algo diferente pra mim’, o que é familiar se impõe sem que a gente perceba”, Aguilar explica.
Autoconhecimento
Identificar ciclos e erros que se repetem nas relações é o primeiro passo para evitar mágoas, decepções e tristezas. Um bom ponto de partida é se questionar quais emoções são experimentadas com frequência, com que tipo de pessoas você costuma se relacionar e o que se reproduz insistentemente quando há o envolvimento afetivo.
“A terapia cognitivo comportamental nos ensina que padrões se formam a partir de crenças centrais, geralmente aprendidas na nossa infância ou em experiências afetivas marcantes”, indica Gabriel Aguilar. Segundo o especialista, o processo da TCC trabalha essas questões com clareza e objetividade.
“Repetir padrões não é sinal de fraqueza, é sinal de que existe uma dor tentando ser resolvida da forma errada. Com a terapia, a gente para de tentar sobreviver no piloto automático e aprende a se relacionar com consciência, presença e verdade”, completa o psicólogo.
Como quebrar o ciclo de relacionamentos ruins?
A terapeuta e psicanalista Josiane Ferreira aborda exatamente esse tema em seu livro “O Despertar da Cura Profunda”. Autorreflexão, autoacolhimento e a percepcção precisa da realidade e de que algo está fora dos trilhos – a existência dos pontos cegos –, gerando prejuízos psíquicos diversos, são alguns dos caminhos que contribuem para romper com ciclos tóxicos e repetitivos.
Segundo Josiane, o cérebro age pelas imagens que carrega e, nesse sentido, é preciso identificá-las. Dentro desse caminho terapêutico, ela criou a Psicovisualização Sistêmica, metodologia baseada na integração entre psicanálise dos afetos, pensamento sistêmico e neurociência. O método auxilia o paciente a acessar imagens internas, simbólicas e inconscientes e a ressignificá-las, criando novas imagens e reorganizando as emoções de forma mais profunda.
“Com o tempo, essas imagens traumáticas passam a ser ativadas por gatilhos. Um gatilho é qualquer estímulo do presente que se conecta, mesmo que inconscientemente, com um aspecto da cena traumática. Pode ser um olhar, um tom de voz, um cheiro, uma situação de rejeição, abandono ou humilhação. Quando isso acontece, a pessoa reage como se estivesse revivendo o trauma, mesmo que o contexto atual seja totalmente diferente”, comenta.
Josiane Ferreira salienta que o trauma não é o que aconteceu, mas, sim, aquilo que ficou registrado dentro de nós sem solução: “As imagens mentais traumáticas e os gatilhos são formas da mente sinalizar que ainda existe algo que precisa ser cuidado. Curar essas imagens é recuperar partes de si que ficaram congeladas no tempo – e permitir que o presente deixe de ser controlado pelo passado”.