Recentemente, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), protocolou na Justiça Federal uma ação civil pública contra o Conselho Federal de Odontologia (CFO) pela atuação com procedimentos estéticos.
O embate surgiu após a Resolução 198/2019 que reconheceu a harmonização orofacial como especialidade odontológica e autorizou esses profissionais a realizarem procedimentos de caráter invasivo e estético. As entidades médicas pedem à Justiça Federal a concessão de liminar com a suspensão imediata da permissão.
De acordo com o porta-voz do Conselho Federal de Medicina (CFM) e presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Sérgio Palma, a resolução “é uma afronta à legislação nacional, desrespeitando o escopo de atuação dos médicos” e, segundo ele, coloca em risco a segurança e a integridade física dos pacientes que se submetem a esse tipo de procedimento em consultórios de dentistas. “De acordo com a Lei dos Dentistas, em nenhum momento (salvo autópsia/necropsia) se permite a realização de atos em face, pescoço e cabeça, tampouco se outorga ao cirurgião-dentista a prática de atos invasivos em tais partes do corpo, já que tais atos são praticados exclusivamente por médicos”, cita.
No entendimento da SBD e das outras entidades médicas, essa é mais uma tentativa de ampliar irregularmente o escopo de atuação de dentistas, invadindo a esfera de atuação exclusiva dos médicos, segundo disposições expressas da Lei do Ato Médico (12.842/2013).
“Os odontologistas estão fazendo esses procedimentos de harmonização facial referendados por uma publicação do CFO, mas que não é lei. Estão passando por cima de uma lei federal. Se o paciente tiver alguma complicação, eles serão julgados pelo exercício ilegal da medicina”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – regional Minas Gerais (SBCP-MG), Alexandre Meira.
Já o presidente do Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG), Alberto Magno da Rocha Silva, acredita que a “área da face é comum para médicos e dentistas”. “É lamentável a um grupo de médicos ter uma reserva de mercado nesse sentido. O sistema estomatognático (conjunto de estruturas bucais) é reconhecido há mais de 40 anos como área comum à medicina e à odontologia”, diz.
O dentista frisa ainda que o cirurgião dentista, desde o início da faculdade, só estuda a face. “É um profissional com todo o respaldo legal e todo o conhecimento necessário para fazer a melhor harmonização facial possível”, afirma Silva.
Para o cirurgião-dentista Igor Alves, que se especializou na área e há um ano vem fazendo apenas procedimentos de harmonização facial, esses profissionais estão muito capacitados para esses procedimentos.
Alves diz que sua equipe atende, em média, 500 pacientes por mês e garante que nunca registrou nenhum caso grave de complicação em pacientes. “Desses 500, quais que deram errado? Nenhum, nunca. A odontologia é uma faculdade onde se passa cinco anos estudando o corpo inteiro, mas, principalmente, a face, o pescoço e a cabeça”, afirma.
Histórico. No dia 10 de julho de 2013, a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que define e disciplina o exercício da medicina no país, o chamado Ato Médico, com diversos vetos.
Resolução 198/2019 do CFO
O que prevê: Reconhece a harmonização orofacial como especialidade odontológica e a define como sendo um conjunto de procedimentos realizados pelo cirurgião-dentista em sua área de atuação.
As áreas de competência incluem fazer uso da toxina botulínica e preenchedores faciais, intradermoterapia, tratamento de lipoplastia facial, técnica cirúrgica de remoção do corpo adiposo de Bichat (técnica de bichectomia) e técnicas cirúrgicas para a correção dos lábios (liplifting).
Será considerado especialista em harmonização orofacial o cirurgião-dentista que tenha passado por cursos de especialização com carga horária mínima de 500 horas ou possua especialidade registrada em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial.
Erros causam morte e deformidades
No ano passado, dois casos de profissionais da saúde chocaram o país. Em um deles, o médico Denis Cesar Barros Furtado, conhecido como “Doutor Bumbum”, foi acusado de ser o responsável pela morte da bancária Lilian Calixto após realizar um procedimento estético.
O procedimento foi realizado no apartamento de Denis, na Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro. O médico ficou mais de seis meses preso, mas em janeiro deste ano foi beneficiado por um habeas corpus.
No outro caso, Wesley Murakami (que não tem nenhuma especialidade e também atende em Brasília) foi condenado a indenizar uma paciente que ficou com deformidades no rosto após passar por procedimento estético em Goiânia. Segundo a Polícia Civil, 13 pessoas já procuraram a delegacia para denunciá-lo só em Goiás. Wesley realizava tratamentos estéticos conhecidos como bioplastia (harmonização facial). No entanto, no caso dele, durante o procedimento, uma substância conhecida como polimetilmetacrilato (PMMA) – um tipo de plástico líquido usado para preenchimento – era injetada sob a pele por meio de uma seringa.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o PMMA pode ser usado em procedimentos estéticos para corrigir rugas e restaurar pequenos volumes perdidos de tecidos com o envelhecimento.
Médicos processam dentistas por procedimentos estéticos
Disputa surge após estética orofacial ser reconhecida como função odontológica
