Fetiche

Ménage à trois: como realizar a fantasia sem torná-la uma dor de cabeça

Especialistas dão dicas do que fazer antes, durante e depois do sexo a três


Publicado em 05 de agosto de 2022 | 03:00
 
 
 
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Desentendimentos após um ménage à trois, ou simplesmente sexo a três, motivaram uma briga generalizada, que durou mais de uma hora, em um cruzeiro marítimo que saía dos Estados Unidos rumo às Bahamas. E a história, é claro, repercutiu na mídia e, nas redes sociais, rendeu muitos comentários – a maioria deles um tanto zombeteira. Mas se, por um lado, a pancadaria homérica registrada em vídeo fez a situação soar inusitada, por outro, não é incomum que a realização dessa fantasia sexual resulte em desavenças. 

“Não foi a primeira nem será a última vez em que um threesome termina em confusão”, garante a relações-públicas Julia*, 33, adepta da prática e que por anos frequentou casas de swing na capital mineira. Lembrando que, idealmente, o sexo a três deveria promover satisfação, e não entrevero, ela indica fatores que podem estar por trás de tanto estresse. 

“Em primeiro lugar, esse é um fetiche mais comum entre homens, que geralmente querem ter duas mulheres na cama”, comenta, dizendo ter convivido com muitas que, em vez de buscar uma realização pessoal, acabaram cedendo aos caprichos de seus parceiros – seja por imposição deles, como uma forma de presenteá-los ou mesmo após a descoberta de uma traição. Nesse último caso, a expectativa é que essa abertura controlada evite outros episódios de infidelidade. “O problema é que, se não for um desejo da pessoa mesmo, se não for autêntico, se por trás daquilo há muita insegurança e desejo de controle, as chances de a aventura dar certo são pequenas”, garante. 

As observações de Julia são ratificadas pelo psicólogo e terapeuta sexual Erick Paixão. “Fazer algo só para satisfazer o outro, mas sem desejar aquilo, é perigoso para a harmonia do casal e também para a própria pessoa, que, depois, pode sofrer com uma sensação de arrependimento e pode se sentir suja – se aquilo vai contra suas crenças morais”, explica. O especialista desaconselha, especialmente, que se recorra à prática na tentativa de salvar uma relação em crise. “Se o casal já está em uma má fase, colocar uma terceira pessoa tende a potencializar os problemas, gerando mais acusações e ressentimentos. Por isso, definitivamente, o threesome não deve ser lido como possibilidade de salvação de um casamento”, pontua.

A ginecologista obstetra e sexóloga Isabela Aguiar segue na mesma linha. “O objetivo é vivenciar novas experiências prazerosas, e não passar por um novo trauma”, avalia. 

Ménage à trois, como fazer 

Erick Paixão explica que o tema, tratado como fetiche sobretudo por homens cisgênero, aparece frequentemente na rotina clínica. “Na maioria das vezes, surge como uma alternativa no sentido de apimentar a relação, principalmente no caso de pessoas juntas há muito tempo”, detalha.

Ele acrescenta que, quando tudo corre bem, essa realização pode contribuir para uma maior proximidade e aumento da confiança do casal, já que terão que desenvolver mais a comunicação, além de propiciar o aumento do repertório sexual a partir da abertura para novas formas de sentir prazer. “Sem contar que há uma satisfação pessoal, uma vez que o desejo por outras pessoas é natural, e essa dinâmica acaba funcionando como forma de dar vazão a isso. E, por fim, há uma tendência de aumentar o desejo sexual de um pelo outro, o que é bem visível entre os casais praticantes”, conclui.

“O problema é que a maioria apenas decide que quer fazer e sai à caça de uma terceira pessoa, sem elaborar muito o que buscam com aquela experiência”, avalia, listando um passo a passo que deveria ser considerado antes, durante e depois de um ménage à trois.  

Diálogo. O primeiro passo, de acordo com o especialista, é conversar aberta e francamente sobre essa fantasia. “Em resumo, estamos falando de estabelecer um contrato, sabendo o que cada um está buscando, o que deseja e até onde cada um pode ir. O casal pode até mesmo tentar antever o que nessa experiência pode ser bom ou ruim e já pensar em como reagir em cada caso, elaborando estratégias para fugir de situações desagradáveis. Uma boa ideia é combinar sinais para indicar se algo está ou não confortável”, opina o terapeuta. 

Julia dá conselhos parecidos. “É preciso muita conversa porque, para as coisas fluírem, é importante que as expectativas do casal estejam alinhadas. E é importante estabelecer regras, que precisam ser seguidas o tempo inteiro, até porque é básico que as partes confiem uma na outra”, sugere. 

Contato. A profissional de relações públicas sugere que pessoas que nunca tiveram esse tipo de experiência primeiro tentem se aproximar desse universo. “O casal pode, por exemplo, ir a uma casa de swing, onde não será obrigado a participar de nada e poderá apenas observar o que acontece. Se não se sentir confortável, talvez seja indício de que o threesome não será uma boa ideia”, diz. 

Além disso, ela ressalta ser estratégica uma aproximação com a terceira pessoa, convidada a participar da prática. “É importante estabelecer uma relação de confiança com ela, por isso vale a pena conversar antes, ter muitas trocas e fazer combinados. Até porque, se for alguém com mais experiência nesse universo, essa pessoa pode até ajudar o casal a conduzir essa valsa”, sinaliza. 

Contrato. Paixão pondera que alguns podem preferir manter pouco contato com o convidado – tanto que alguns optam por contratar profissionais do sexo para a realização. Mas ele reforça ser fundamental que todos pactuem um contrato, expondo limites que deixem a relação confortável e prazerosa para todas as partes. 

É algo que Julia também reforça ser muito importante. “Se estamos falando de sexo a três, então as decisões não devem estar restritas ao casal”, diz. “Eu mesma, quando sou chamada para participar, sempre pergunto o que pode acontecer e o que não é admitido. Por exemplo, tem mulheres que não querem beijar outra mulher. E isso precisa ser dito, até para evitar uma quebra de clima”, cita. 

Expectativas. “Dosar as expectativas é sempre bom, ainda mais se estamos falando de uma primeira vez, que geralmente é mais complicada, com as partes não sabendo muito bem onde se encaixam e experimentando sentimentos aparentemente contraditórios, como ciúme e, simultaneamente, excitação de ver sua parceria transando com outra pessoa. Lidar com tudo isso pode ser complexo e frustrante”, assevera Paixão. 

E muito dessa expectativa irreal é alimentada pela indústria da pornografia. “O problema é que muita gente se educa pelo pornô, mas aquilo não é vida real. Seria o equivalente a pensar que, ao aprender a dirigir, vamos sair pelas ruas como os personagens da franquia ‘Velozes e Furiosos’”, brinca Julia. 

Todos contemplados. Se os combinados já estão claros e a terceira pessoa já está à vontade, é hora de pensar no bê-a-bá para a hora H. “Mais uma vez, é bom lembrar que, se estamos falando de sexo a três, os três precisam ser contemplados. Então nada de dar atenção, de ficar cochichando ou se dedicar a apenas uma pessoa durante ou depois da transa. Para isso, é importante que todos estejam atentos aos sinais e que não tenham receio de dar esses sinais e até de dizer não, que não quer aquilo, que não está legal, que não vai rolar. E, evidentemente, isso vale para todos aspectos da vida: não é não”, pontua Julia. 

Proteção. Ainda durante o ato, tanto o terapeuta sexual e a sexóloga quanto a frequentadora da cena liberal de BH destacam a importância da proteção. “Casais que estão há muito tempo juntos não costumam usar preservativo e, durante o sexo a três, podem reproduzir esse padrão, sendo negligentes”, destaca Isabela Aguiar, assinalando que não se deve penetrar pessoas diferentes usando uma mesma camisinha. Além disso, o item precisa ser substituído entre a penetração vaginal e a anal, mesmo que em uma mesma pessoa. 

Evite comparações. Uma dica que vale tanto para o momento íntimo quanto para depois dele é: evite fazer comparações tanto em relação a si mesmo quanto em relação aos outros.

“Esse é um comportamento que tende a gerar mal-estar. Nesse caso, o sujeito pode ficar pensando se o outro sentiu mais prazer com ele ou com a terceira pessoa que foi convidada a participar da relação. Pode também cair no erro de julgar certo entendimento de desempenho, gerando até mesmo um clima de apreensão e talvez de competição, o que não vai ser saudável para ninguém. E, evidentemente, pode haver muita comparação física, em relação ao corpo, ao peso e às dimensões de cada um. Essa prática pode ser muito prejudicial para a autoestima e a autoimagem, gerando também ansiedade a partir de uma autocobrança que vai desgastar o relacionamento”, explica Paixão. 

Mais diálogo. Mesmo que dias após a prática, quaisquer inquietações devem ser postas à mesa. “É fundamental que esse canal de diálogo aberto e franco, tão importante antes de se tomar a decisão de fazer um threesome, se mantenha aberto depois da experiência Assim, possíveis inseguranças e mal-entendidos poderão ser avaliados e dissolvidos. E, se tudo correr bem, essa será mais uma alternativa de fonte de prazer para o casal”, estabelece Isabela. 

*Pseudônimo usado a pedido da entrevistada

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