Sexualidade

Mulheres também brocham, e o 'não' deve ser respeitado a qualquer hora

Para especialista, imagem culturalmente construída de uma anatomia sempre pronta a ser penetrada reforçou ideia de a mulher ser um objeto sexual


Publicado em 30 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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Mais do que uma simples força de expressão, pode-se dizer que, à luz da biologia, as mulheres também brocham. De maneira geral, assim podem ser definidas aquelas situações em que, após demonstrarem desejar o sexo em um primeiro momento, elas mudam de ideia e o que era um “sim” torne-se um “não”.

“É algo que pode acontecer, e acontece muito”, relata a consultora em sexualidade Aline Bicalho, detalhando que o desejo sexual, popularmente chamado de “libido”, se constitui de dois elementos básicos: um físico e outro mental. “Para que haja uma boa relação, é preciso que esses dois pontos estejam alinhados. Mas pode acontecer de o corpo querer e a mente não, ou vice-versa”, argumenta.

Aline explica que, muito associada a fatores como a vontade de se relacionar com o outro, com a fantasia e com os sentimentos e emoções presentes naquele momento, a excitação feminina vai gerar a lubrificação íntima e, além disso, vai provocar a ereção clitoriana.

“Sim, nós também temos ereções”, diz, detalhando que, nessas circunstâncias, o clitóris se torna mais inchado por conta do aumento de fluxo sanguíneo na região. Um mecanismo biológico muito semelhante àquele que leva à dilatação e enrijecimento do pênis – o que reforça a tese de que faz todo o sentido falar que mulheres podem brochar, defende a consultora.

Mas o que pode provocar essa fuga do tesão bem na hora “h”? Segundo a especialista, os fatores que levam ao fenômeno são muito diversos. “Isso é bastante pessoal e geralmente momentâneo”, avisa.

Do ponto de vista físico, a perda de lubrificação e eventuais dores durante a relação podem levar à brochada. A fase da vida também deve ser considerada. “No climatério, a baixa de hormônios pode deixar a mulher mais ressecada, causando incômodo durante as relações”, informa Aline.

Mas o problema também pode ter raízes mais subjetivas, como estar relacionado a uma lembrança ruim, que se torna muito presente naquele momento, a alguma atitude do parceiro, uma sensação de constrangimento ou até mesmo a baixa autoestima. O estado emocional da pessoa também entra na conta. “Estresse, ansiedade ou vivências traumáticas podem ser um entrave”, diz.

Se a questão se torna recorrente e começa a causar incômodo, é importante buscar ajuda com especialistas, como ginecologistas, fisioterapeutas pélvicos e psicólogos especializados em sexualidade, pois o problema pode ser evidência de alguma disfunção.

O “não” deve ser respeitado a qualquer hora

Mais do que uma discussão meramente anatômica, falar sobre o fato de as mulheres também brocharem é fundamental para que o desejo feminino seja respeitado, ampliando, assim, a conscientização sobre situações de abuso, inclusive no contexto da conjugalidade.

Nesse sentido, Aline Bicalho reforça que, embora os corpos de homens e mulheres funcionem de forma parecida no que diz respeito à excitação, há uma diferença de percepção que torna tudo mais complicado. Isto é, enquanto, no caso deles, a perda da ereção inviabiliza que, com o pênis, se penetre a parceira, no caso delas é preciso explicitar a perda da motivação, pois, fisicamente, a penetração pode ocorrer apesar do não enrijecimento clitoriano. “Mas não é por isso que a mulher vai ter que satisfazer o outro sem querer”, arremata a consultora.

Ideia de que mulher é “imbrochável” é nociva

Para Aline Bicalho, o debate que se propõe nesta matéria precisa se deter também sobre como a visão excessivamente genitalizada do sexo é problemática e está diretamente relacionada à incompreensão do “não” feminino na “hora h”. Evidência disso está na forma distinta como se tende a reagir à brochada da mulher e do homem.

No caso deles, se o pênis não ficar ereto, a tendência é que as partes desistam da transa – “apesar de o parceiro ainda ter condições de levar a sua companheira ao êxtase apenas com mãos e lábios, e ainda sentir prazer junto”, pontua a especialista.

Já no caso delas, espera-se que estejam sempre prontas para o ato, pois teriam sido abençoadas com uma anatomia “imbrochável”, ou melhor, que está constantemente disponível à penetração. O problema é que essa imagem culturalmente criada e reforçada ao longo dos séculos contribuiu para a perpetuação da nociva objetificação do corpo feminino.

Outro efeito disso se percebe na desvalorização das vontades da mulher. Afinal, é como se elas estivessem sempre prontas para o sexo, mesmo sem sentir tesão. Logo, a recusa ao coito passa a ser percebida como algo menor, como um capricho, chegando-se ao ponto de, não raras vezes, a ausência de desejo precisar ser justificada por fatores externos ao exercício da própria sexualidade, caso daquela conhecida história da “dor de cabeça” para evitar a transa.

Em resumo, esse entendimento contribuiu para que, durante muito tempo, a mulher fosse tratada como objeto sexual ou como uma reprodutora. “Elas nem mesmo admitiam sentir prazer e faziam sexo para saciar o marido. Tudo mudou, e, agora, queremos nosso lugar. Queremos ter prazer e dividir esse momento com o parceiro”, conclui a especialista.

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