Carnaval é diversão, certo? Hora de se soltar e cair na folia. As origens, na Antiguidade, já remontam a esse estado de constante alegria, marcada por um consentido uso exagerado de bebidas alcoólicas e figurinos que normalmente não adotamos no dia a dia, além de muita música, dança e alguma permissividade sexual. Mas os foliões precisam saber discernir os limites dessa liberdade, especialmente quando ela esbarra no querer do outro.
“Muitas pessoas entendem que, no Carnaval, a busca pelo prazer não tem regras nem limites. Mas esse comportamento pode gerar consequências graves e duradouras para o corpo, a mente e o cérebro”, registra a neurologista Paulyane Gomes. Ela pontua que, com as alterações comportamentais estimuladas pelo consumo de bebidas e drogas, o que era para ser puro divertimento em quatro dias pode mudar a vida para sempre.
“Embora, haja a cultura da permissividade no Carnaval, é importante sabermos que nós, adultos, somos responsáveis por nós mesmos e que a época do ano não vai nos eximir das consequências”, afirma a médica. Além dos efeitos nocivos do álcool e das drogas em nosso corpo, no período de festa momesca são mais comuns casos de descuido com a proteção durante o sexo e o cometimento de atos de violência.
“Essas ações, se cometidas de maneira desregrada, funcionam como verdadeiros pontos de inflexão na vida, podendo modificar as coisas para além do Carnaval, comenta Paulyane. Hoje, após os crescentes casos de importunação sexual e agressão a mulheres e pessoas LGBTQIA+, as autoridades passaram a criar campanhas específicas e formas mais rápidas de atender as vítimas e identificar os criminosos.
Inimigo
E um dos grandes culpados para atitudes que estão fora do padrão é o álcool, que leva “o homem a apresentar aumento do comportamento agressivo, estando seu consumo comumente associado a agressões físicas, atos impulsivos e inconsequentes. Sabemos que cerca de 50% dos adultos consomem álcool e que dois de cada três homens o fazem. No Carnaval, esse consumo aumenta em intensidade”.
Ela explica que o álcool é um depressor do Sistema Nervoso Central (SNC), apresentando efeito ansiolítico e sedativo, retardando o tempo de reação a situações e desafios. O efeito depressor no cérebro está principalmente relacionado à sua afinidade por receptores Gaba, que são reconhecidos pela ciência como indutor de relaxamento e facilitador de concentração.
“Inicialmente, ao ser administrado, ou quando utilizado em baixas doses, o álcool promove desinibição comportamental, tornando o indivíduo mais falante e até mesmo inquieto. Doses elevadas, ao contrário, causam depressão do SNC, evidenciado por sonolência e lentificação psicomotora.
Tal efeito depressor do SNC justifica o grande número de acidentes de trânsito relacionados a elevados níveis de alcoolemia”, ressalta.
“Além disso, a alteração comportamental causada pelo álcool vai gerar um tempo de resposta ampliado para cada ação, queda da atenção, dificuldade de resolução de problemas, o que pode culminar em decisões inconsequentes e impulsivas. Além do álcool, vários tipos de drogas poderão atuar no sistema nervoso central, gerando liberação de substâncias que vão modificar o comportamento e o controle dos impulsos”, destaca.
A neurologista pondera que, em longo prazo, lidar com as consequências de atitudes irresponsáveis pode ser um desafio, uma vez que, com o passar da intoxicação e o retorno ao estado de lucidez, o indivíduo se dará conta de ações que não tinha previsto e que terão impactos em sua vida, gerando, de acordo com ela, sentimentos de culpa, menos valia e sentimentos depressivos e ansiosos.
“Saber se cuidar durante o Carnaval é essencial para que os registros de alegria e felicidade se perpetuem, com as boas lembranças e memórias saudáveis. Atos impulsivos podem trazer consequências irremediáveis e memórias traumáticas. Cuidar bem de você e do que é exposto ao seu cérebro é fundamental para ter uma vida feliz, no pré, durante e após o Carnaval”, aconselha Paulyane.
Vítimas de importunação sexual terão espaço de acolhimento
Vale beijar na boca de uma mulher que você não conhece, sem o consentimento dela? Assim como no mundo “normal”, essa atitude, ainda muito comum na folia, é considerada agressão sexual e passível de penalidades. O mesmo vale para a “mão boba” ou o ato de puxar o braço.
“A violência sexual é um problema constante em nossa sociedade e, em eventos como o Carnaval, ela aumenta. Em uma cultura machista não se aceita a postura mais livre das mulheres nesses espaços, não reconhecendo o corpo da mulher como sendo dela”, observa a promotora de Justiça Ana Tereza Giacomini.
No Brasil, os casos de importunação sexual aumentam 20% durante a festa momesca. Campanhas de prevenção se intensificaram nos últimos dias, como forma de oferecer “um espaço de lazer seguro para as mulheres”. Em Belo Horizonte, haverá um local específico para o atendimento às vítimas, no prédio do Iepha, na praça da Liberdade, que funcionará das 10h às 19h.
A promotora ressalta a importância da denúncia para quebrar uma resistência cultural no país. “Numa situação de violência, as pessoas costumam culpabilizar a vítima e minimizar a atitude do agressor, criando um ciclo de revitimização, o que leva a mulher a não procurar ajuda nesses casos”, lamenta.