Comportamento

O sexo flexível dos héteros

Pessoas que se relacionam com outras do mesmo gênero de vez em quando dão nova cara a práticas dos tempos da Roma Antiga


Publicado em 06 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
 
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Ter relações sexuais esporádicas com pessoas do mesmo gênero, seja um homem ou mulher, não os torna gays ou bissexuais. Para essas pessoas, existe a heteroflexibilidade – e também a homoflexibilidade, um comportamento que se tornou apenas mais uma maneira de experimentar outras formas de sexualidade sem ter que se comprometer com esse ou aquele “rótulo”.

E engana-se quem pensa que o assunto é novo. Na Roma antiga, não era raro que um homem comprometido com uma mulher mantivesse um amante. Milênios depois, essa flexibilidade sexual teve um embasamento científico com o trabalho do psicólogo norte-americano Alfred Kinsey, considerado por alguns o fundador da sexologia.

No livro “Comportamento Sexual do Macho Humano”, de 1948, ele estabeleceu uma tabela que classificava a sexualidade dos homens em uma escala de zero (exclusivamente heterossexual) a seis (exclusivamente homossexual) e concluiu que tanto o heterossexual “puro” quanto o homossexual “puro” são raros.

Além dele, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, já dizia que todos nascemos com uma predisposição à bissexualidade, e, ao longo do desenvolvimento, acabamos por reprimir o desejo pelo mesmo gênero.

O psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres acredita que essa retomada dos desejos reprimidos tenha ficado mais evidente agora pelo fato de a sociedade estar, cada vez mais, “entendendo o diferente” e abrindo-se a uma maior aceitação da diversidade sexual, ao mesmo tempo em que o termo genérico bissexual não se mostra mais suficiente.

Os heteroflexíveis, então, são aqueles homens e mulheres que ficam na região intermediária entre o comportamento bissexual e o heterossexual normativo, mas que, ao mesmo tempo, não querem para si o rótulo de “gays”. “O termo (heteroflexível) surge para amenizar um pouco essa ideia de que sou equivocado ou de que estou me transformando em alguma coisa a partir do momento em que tenho desejo, faço sexo ou me comporto com alguém do mesmo gênero que eu. Para tirar um peso das costas”, afirma Torres.

Por isso, eles comumente ouvem que são “gays no armário”, e, no caso dos homoflexíveis, que são “indecisos”. Mas o psicólogo complementa: “Nenhum comportamento é capaz de determinar a orientação sexual”. “O que determina a orientação sexual está ligado ao afeto e à vivência da sexualidade por muito tempo, e não só os comportamentos sexuais”, diz.

Segundo a psicóloga especializada em sexualidade humana Priscila Junqueira, há anos os médicos empregam a sigla HSH para se referir ao conjunto dos homens que fazem sexo com outros homens, sejam eles héteros, gays, bissexuais ou outros. Mas, recentemente, surgiu outra sigla – SMSM – para os homens heterossexuais que fazem sexo com outros homens (que deriva do inglês “straight men who have sex with other men”). “Percebo que as pessoas estão cada vez mais livres para viver a fluidez sexual. Ainda temos muitos tabus, mas se conversa mais sobre o assunto, e mais pessoas buscam autoconhecimento na psicoterapia”, pondera.

Os próprios aplicativos de namoro, como Grindr e Tinder, possuem recursos voltados para esse grupo. Além deles, o BRO dedica-se precisamente a promover encontros entre homens que não necessariamente se identificam como gay ou bi. Sites como o Straightguise.com também dedicam-se ao tema.

Estudos. Em 2006, um estudo sobre a discordância entre comportamento sexual e identidade sexual, realizado por pesquisadores da Universidade de Nova York, revelou que 131 homens, de um total de 2.898 entrevistados, admitiram ter relações com homens, apesar de se definirem como heterossexuais. Pelos cálculos dos especialistas, esse grupo representa 3,5% da população.

No âmbito feminino, outra pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que 15% das universitárias entre 19 e 24 anos disseram já ter tido relação homossexual, mas a maioria delas não se declara gay ou bissexual.

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