É bem provável que, ao menos uma vez na vida, você tenha ouvido ou contado alguma anedota que envolva o relacionamento com as sogras. Comentários maldosos, relatos jocosos e histórias sobre situações de conflito vividas com essas figuras também podem ser temas frequentes em rodas de conversa, canções, livros, teatro, filmes, novelas e em uma infinidade de outros contextos. A realidade é que a imagem da mãe do parceiro ou parceira como uma “inimiga” ou “persona non grata” já é uma crença enraizada em nossa cultura. Mas por que damos essa imagem vilanesca às sogras?

Neurocientista e mentor emocional e de relacionamentos, Thiago Porto explica que essa associação negativa vem da época em que as mães ainda tinham um papel ainda mais forte nas relações familiares. “Era um período em que os jovens se casavam muito cedo, não tinham maturidade para cuidar da casa nem para cuidar deles próprios. Portanto, as sogras participavam muito da relação do casal. Mas, claro, elas traziam uma cultura que era muito diferente da dos filhos. E sabemos que, ao longo das gerações, existem mudanças. Então, a interferência delas no relacionamento trazia desconforto”, explica. 

O especialista observa também como as próprias diferenças nos papéis de gênero atribuídos a homens e mulheres corroboram essa crença negativa, principalmente quando a relação com os sogros é colocada em pauta. “A figura masculina nunca foi construída como alguém com essa preocupação com o bem-estar. O pai era muito ausente das famílias por conta do trabalho. Ele era tido como uma figura de provedor; já a sogra, normalmente, era mais disponível para isso, para acompanhar os filhos. Então, havia também mais espaço para essa interferência”, afirma. 

Publicado em 2018, um levantamento feito pelo Instituto do Casal – organização dedicada a práticas, estudos, pesquisas e educação em relacionamentos e sexualidade humana – mostrou como essas diferenças ainda continuam influenciando o relacionamento com essas duas figuras. Conforme o relatório, 26% dos casais brasileiros disseram que a sogra é um dos motivos de discussão entre marido e esposa. Já em relação aos sogros, apenas 8% dos entrevistados atribuíram a eles a causa do desgaste da relação. 

Autoridade

Para além dos próprios papéis de gênero, existe outra questão que pode justificar a maior interferência das sogras e, consequentemente, o maior número de conflitos entre elas e os cônjuges de seus filhos. Segundo Thiago Porto, a ingerência pode estar no desejo de uma suprir uma demanda terapêutica interna. “Isso acontece da seguinte forma: quando a sogra vê o filho ou a filha se casando, ela vê a oportunidade para externalizar o comportamento de crítica ou de desconfiança, porque existe certa autoridade na figura dela, já que ela tem uma autoridade como mãe do cônjuge. Isso vem com uma carga de respeito a ser prestado, e ela sabe disso. Às vezes o marido já não respeita mais, pois já foi construída uma liberdade emocional entre eles. O filho também não respeita, mas o genro e a nora vão respeitar. Portanto, existe a possibilidade de ela exercer mais autoridade diante deles”, elucida. De acordo com o especialista, é importante que essa demanda seja tratada em terapia para buscar o alívio dessa pressão emocional.

Um estudo recente, publicado em 2022 no periódico “Evolutionary Psychological Science”, descobriu que tanto homens quanto mulheres se envolvem em mais conflitos com as sogras do que com suas mães. Conforme a pesquisa, 44% dos entrevistados disseram que entram em confronto com as mães de seus parceiros. A porcentagem cai para 39% quando o assunto são as suas progenitoras. 

Ainda, conforme a pesquisa, a maioria desses conflitos envolve temas relacionados a finanças e cuidados com os filhos. No estudo, os pesquisadores ainda sugerem que essas situações podem ser influenciadas pela genética, já que, inconscientemente, as pessoas agem em favor de seus parentes de sangue.

Mas, mesmo que existam sogras que se comportam de maneira mais invasiva, a crença de que elas são vilãs ou inimigas também pode culminar para que essas atitudes sejam perpetuadas. “Tudo fica meio que na predisposição. A pessoa pode achar a sogra perfeita, mas, diante de qualquer vacilo, o erro vai ser justificado pelo fato de ela ser sogra. Como se aquele comportamento já fosse o esperado, algo compatível com o papel dela”, afirma Thiago Porto. 

Para desconstruir esse pensamento, uma das principais dicas dadas pelo especialista é a resistência a ele. Além disso, é válido evitar comportamentos que reforcem essa ideia mais negativa a respeito das sogras. “Elas podem mudar essa atitude mais invasiva e atuar de forma mais colaborativa, isso acaba construindo mais uma referência de gratidão, e muitas conseguem fazer isso”, observa.

O diálogo também é bem-vindo. “Os filhos podem determinar, com carinho, qual vai ser o limite da interferência das mães para impedir que haja mal-estar”, orienta. “Já a crença de que as sogras são vilãs só pode ser combatida pela resistência, com a formação de outra crença no lugar. Existe um potencial grande para isso. A sogra deveria ser construída como uma segunda mãe, e a mãe é um símbolo extremo de admiração na sociedade”, finaliza.