Antes apenas um tradicional festival de inverno do distrito de Punxsutawney, localizado no Estado norte-americano da Pensilvânia, no condado de Jefferson, o Dia da Marmota foi catapultado à fama e, na cultura pop, tornou-se sinônimo de ciclos que se repetem exaustivamente. Foi o que aconteceu após a comemoração ser retratada no filme “Feitiço do Tempo”, de 1993. Na produção, o repórter meteorologista Phil Connors, interpretado por Bill Murray, acorda todos os dias no mesmo dia – precisamente, no Dia da Marmota.

Para além da ficção, a verdade é que muita gente se sente mais ou menos como o personagem da trama por também repetir, ad infinitum, os mesmos hábitos e ciclos. E o pior é que isso acontece mesmo que essas escolhas sejam percebidas por nós como nocivas. É como se, apesar da sensação de que algo de diferente precisa ser feito, romper com esses padrões parecesse impossível, e, diante disso, erros fossem diariamente repetidos.

Na avaliação da especialista em desenvolvimento humano Branca Barão, não é por acaso que a queixa em relação à dificuldade de “sair do piloto automático” seja tão comum. Ela indica que a repetição está ligada a uma estratégia ancestral de sobrevivência e que, portanto, reproduzimos naturalmente. “Quando fazemos algo pela primeira vez, é como se abríssemos um caminho na floresta. É uma tarefa difícil, cansativa e demorada. Mas, conforme passo por ali repetidas vezes, o caminho vai ficando mais demarcado e evidente. Portanto, se já tenho um trajeto feito, a tendência é simplesmente repeti-lo em vez de desbravar outro percurso”, sinaliza.

Em parte, essa lógica ajuda a compreender as razões pelas quais romper com um padrão é tão difícil. “Por mais que a gente esteja infeliz em algum certo contexto, seja em um relacionamento ou no trabalho, por exemplo, pode acontecer de nos sentirmos mais confortáveis enfrentando desafios que já conhecemos do que encarando as novidades, o desconhecido”, situa. Evidentemente, essa natural resistência a mudanças não explica, sozinha, o porquê de “permanecer no erro”, mesmo quando estamos cientes de que nossas atitudes trazem resultados nefastos para nós mesmos e para os outros.

Seguindo com a analogia de uma trilha aberta em meio à densa vegetação, pode-se dizer que outros elementos – como a baixa autoestima e as crenças limitantes – reforçam a ideia de que aquele caminho é o único possível. É como se atuassem como placas de advertência que nos indicariam que devemos permanecer naquele percurso sinuoso, que tentar algo diferente pode ser perigoso e arriscado demais para nós. “Por uma série de fatores, como aspectos socioculturais e relacionados à nossa história de vida, podemos pensar que não somos capazes de superar aquele padrão, que não somos merecedores de algo melhor – e, por isso, vamos acreditar que nem sequer vale a pena tentar”, avalia.

O desafiante processo de mudança. Branca Barão sugere que o apoio de pessoas próximas e de profissionais da saúde mental e da medicina costuma facilitar esse processo de superação de ciclos disfuncionais. Uma ferramenta que é especialmente importante quando a repetição de comportamentos se torna patológica – como nos casos de dependência emocional e/ou química. “Em alguns casos, o auxílio de medicamentos pode ser orientado, mas, embora facilite, os farmáculos não resolvem, por si, o problema. Então, mesmo quando são indicados, é importante que haja esforço contínuo do paciente para romper com aquele padrão”, pontua.

Dicas

Lembrando que cada ser humano vai reagir às adversidades à sua maneira e que cada tipo de padrão pode demandar uma abordagem própria a fim da sua superação, a especialista aponta algumas dicas gerais que podem ser aplicadas contextualmente, ajudando a vencer um mau hábito ou um padrão comportamental disfuncional.

Consciência. “O primeiro passo é estar ciente da existência do problema e da necessidade de enfrentá-lo. Sem isso, não vamos sair do lugar”.

Vontade. “O segundo passo é o querer. Preciso saber se o meu nível de vontade é suficiente para encarar esse processo e fazer tudo o que essa mudança solicita de mim. E é fundamental que esse desejo seja autêntico. Não adianta minha mãe, meu marido ou meu filho quererem por mim se eu mesma não estou interessada em mudar essa realidade”.

Conhecimento. “É importante buscar informações que me façam compreender como será esse processo. Para isso, posso precisar da ajuda de um médico, de um psicólogo ou mesmo de amigos. Além disso, livros e filmes também podem nos ajudar a encontrar a direção da mudança e a ter motivação para trilhá-lo”.

Esforço. “Ao romper com um ciclo negativo, deixamos um espaço vazio. Portanto, precisamos preencher esse espaço com algo que seja equivalente, que me atenda emocionalmente e que seja saudável para mim para que aquele padrão disfuncional não volte a ocupar esse espaço. Daí a necessidade de, conscientemente, construir esse novo hábito ou ciclo”.

Minientrevista
William Sanches
Terapeuta, pós-graduado em neurociência e especialista em comportamento humano, ele é autor do livro “Em Mim Basta: O Poder de Pular Fora Quando Nada Mais Faz Sentido”, lançado em julho deste ano pela editora Citadel.

1. Muitas pessoas relatam que, embora identifiquem em si a repetição de um padrão de comportamento inadequado, não conseguem romper com esse ciclo. O que pode estar por trás desse fenômeno? Muitas pessoas não percebem, mas repetem um padrão negativo há muitos anos. Isso se torna um hábito. Ao descobrir uma crença negativa, é preciso insistência para criar um hábito novo. Sempre explico que não mudamos um hábito, e sim criamos novos. É mais rápido e inteligente criar hábitos novos na direção da vida que desejamos, do que passar o tempo todo brigando para mudar algo. 

2. A repetição de padrões nocivos pode ser considerada patológica ou indício de alguma patologia? Pode sim. É preciso sempre procurar ajuda quando não se consegue sair de um ciclo negativo. Um profissional vai fazer uma melhor avaliação e indicar a terapia mais adequada a cada pessoa. Existem casos em que a pessoa pode gerar sintomas de ansiedade, depressão, insônia, medo excessivo, autopunição. O mais perigoso é que muitas pessoas nem percebem que alguns de seus hábitos são associados a crenças limitantes e repetem ações e decisões sem mesmo perceber.

3. Como superar esse círculo vicioso? Criando um círculo virtuoso. E um caminho para isso é reconhecer as próprias virtudes e qualidades e reafirmá-las. Existem pessoas que não aceitam bem mesmo um elogio. Logo se defendem dizendo não ser merecedora. Comece por isso, pois esse pequeno passo gera fortes mudanças. Quem reconhece as próprias qualidades não vai aceitar qualquer coisa. Uma boa dica é anotar, escrever mesmo as próprias virtudes e colocar em local visível e depois ler sem julgamentos. É incrível o poder de se amar, isso é curativo. E repito: se sentir a necessidade, peça sempre ajuda profissional. No livro “Em Mim Basta”, dou várias dicas e formas de se livrar de crenças limitantes. Uma delas é:  troque frases negativas sempre por positivas. Por exemplo “eu sou a pessoa mais burra desse mundo” por “estou cada vez mais inteligente e esperto”. No começo vai parecer estranho, mas, como hábito novo, é construído, daqui a pouco isso se torna natural. O diferente disso é que será estranho.