Atire a primeira pedra quem nunca teve a sensação de estar fazendo as vezes de saco de pancada de alguém. Trocando em miúdos, de estar sendo feito de válvula de escape para a ira do outro, mesmo sem ter feito absolutamente nada que justificasse tal tratamento recebido. Naturalmente, a tendência de todo ser humano é a de se ressentir quando é tratado de forma agressiva, por quem quer que seja e em qual circunstância for.
Se essa situação se desenrola em um restaurante ou em uma loja, por exemplo, onde fomos atendidos por alguém de cara fechada, é justificável cogitarmos até nunca mais colocar os pés naquele estabelecimento. Alguns inclusive fazem questão de deixar suas impressões em sites que avaliam essas experiências.
Mas... e quando estamos sendo tratados de forma hostil por alguém do próprio núcleo familiar ou do ambiente de trabalho? Ou seja, uma pessoa com a qual nem sempre podemos cortar peremptoriamente o laço de convívio – e, por vezes, verdade seja dita, nem queremos. O que fazer? Vale a pena tentar contemporizar o ocorrido? Tentar entender por que a pessoa está agindo assim?
“Depende muito”, pondera a psicóloga clínica Tatiana Wandekoken. “Depende de com quem estamos lidando, da nossa disposição em fazer esse movimento, do contexto no qual estamos inseridos etc. Isso quer dizer que querer compreender os motivos pelos quais alguém se comporta de determinada maneira depende da sua disposição e desejo em fazê-lo”, estabelece.
Entretanto, prossegue ela, essa compreensão (do motivo por trás do comportamento agressivo) pode ajudar não na resolução do conflito em si, mas na sua reação frente à situação. “Ajuda a entender, por exemplo, que aquele comportamento não é sobre mim. Não foi detonado porque eu fiz ou deixei de fazer algo, não é porque a pessoa está chateada comigo. Esse distanciamento é primordial: saber onde começa a dor da pessoa, onde acaba e onde se inicia a minha”, sustenta ela.
Entendimento. Agora, vamos pensar que sim, que decidamos empreender uma “investigação” para tentar entender, encontrar pistas do motivo de essa pessoa estar agindo assim, de maneira tão agressiva. Se porventura ela vivenciou uma situação, recente ou mesmo no passado, na qual acabou sendo magoada pela vida, pelas circunstâncias da existência.
Digamos que essa pessoa tenha se tornado uma pessoa amarga, hostil, agressiva, por esse acontecimento, ou que esteja em modo agressivo, por pura defesa. Como proceder? “Primeiramente, é preciso entender que aquela dor não é minha”, pondera Tatiana. “Depois desse distanciamento, o que uma rede de apoio pode fazer é oferecer ajuda, comunicar esses desconfortos sem julgar a pessoa, tentar estabelecer uma comunicação mais acolhedora e, quem sabe, sugerir que ela encontre ajuda profissional de alguma forma”, diz.
Se preservar. Por outro lado, a psicóloga clínica ressalta que é preciso entender que descobrir os motivos pelos quais alguém faz o que faz não quer dizer consequentemente eximir a responsabilidade daquela pessoa sobre seus atos. “É o contrário. Veja, por mais que eu seja empática e de fato compreenda essa dor, ainda assim eu preciso me preservar. Se eu fiz o que está ao meu alcance, se falei com a pessoa da forma mais cuidadosa possível e, ainda assim, ela segue repetindo esses comportamentos, parecendo não se importar com as consequências dessa conduta (como, por exemplo, estar magoando pessoas próximas) e se recusa a buscar ajuda, é hora de você se cuidar”, salienta.
Conviver com alguém em tamanho sofrimento e que recusa ajuda é extremamente doloroso e frustrante, comenta Tatiana Wandekoken. “Nesse caso, entender que nós temos um limite é imprescindível, e daí vem a necessidade do autocuidado”.
Não por outro motivo, a psicóloga clínica lembra a velha máxima que integra as orientações fornecidas aos passageiros pela tripulação dos voos comerciais, minutos antes da decolagem. “Lembra daqueles aviso de segurança dados pelos comissários de bordo? Em caso de despressurização da cabine, nós, passageiros, somos orientados a primeiramente colocar a máscara de oxigênio em nós mesmos, para só depois tentarmos ajudar as outras pessoas, em particular, as crianças. O autocuidado, nesse contexto, é imprescindível!”, frisa.
O povo fala
A reportagem do Interessa foi às ruas para ouvir a opinião de alguns belo-horizontinos sobre essa situação. O aposentado Geraldo Bento Ribeiro, 68, reconhece que sim, já descontou em outra pessoa um mau humor que não tinha nada a ver com ela. “É instinto do ser humano. Algumas vezes, alguém te machuca e você acaba descarregando em outra pessoa que não tem culpa alguma. Então, tem que pensar duas vezes”, entende ele. Ribeiro lembra que a própria polarização em curso no país vem detonando episódios de agressividade e causando rupturas nas próprias famílias. “E a vida é tão passageira... Não dá para ser assim, isso adoece. Temos que ter um certo autodomínio. Vamos procurar viver em paz, vamos refletir. O rancor adoece, afeta a imunidade”.
Jéssica Fernanda, 25, que atua em um call center enquanto conclui o curso de técnico em enfermagem, pensa que descontar a raiva em quem não tem nada com o problema não raro acaba com o dia de ambos. “E pode virar uma bola de neve”, entende. Também aposentada, Déa Alves, 63, é outra a confessar que já agiu assim. “Saí fora de mim, o pavio estava curto, falei o que veio na boca. Mas está errado. Minha dica é parar, respirar e pensar”, recomenda. (Alex Bessas)