“Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Puxe uma das máscaras, coloque-a sobre o nariz e a boca, ajustando o elástico em volta da cabeça, e respire normalmente; depois, auxilie a pessoa ao seu lado”. É a essa norma de segurança aérea que muitas mães recorrem para ilustrar a importância de estarem bem consigo primeiro para, então, cuidar de seus filhos. Recado reforçado pela ginecologista obstetra Quesia Villamil, que alerta suas pacientes sobre a importância de se reconhecerem falhas e limitadas, não caindo na armadilha da “síndrome da Mulher-Maravilha" – que afeta diversos perfis de mulheres, sobretudo as mães, que querem ou precisam dar conta de tudo e de todos e, sobrecarregadas, ainda arrastam consigo sentimentos de culpa e autocobrança, como se nem sequer pudessem se sentir exaustas diante de tantas multitarefas.
Para a psiquiatra Christiane Ribeiro, integrante da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), esse estado de constante pressão implicado pela síndrome gera nessas mulheres níveis de estresse crônicos, que podem levar ao desenvolvimento ou à piora de sintomas psiquiátricos, impactando, por exemplo, quadros de ansiedade, que levam a sintomas como falta de ar, aperto no peito e coração acelerado, alterações em concentração, no apetite e no sono – algo especialmente preocupante, dado que muitas mães têm trabalhado de madrugada para conciliar o emprego e a criação dos filhos. Irritabilidade e diminuição da concentração também são reações comuns.
“É uma situação que pode deixar mulheres mais propensas a transtornos psicológicos”, avalia.
“Impactos desse problema podem ser sentidos na vida social, profissional e conjugal, podendo ocorrer a diminuição da energia e do prazer em atividades que, antes da síndrome, a mulher considerava prazerosas”, completa Christiane, que atualmente realiza doutorado pelo Departamento de Medicina Molecular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na área de saúde mental da mulher. A médica ainda alerta ser importante que pacientes com esses sintomas busquem ajuda psicológica e, em alguns quadros, ajuda psiquiátrica, que devem ser somadas à atividade física e a atividades para deixar a rotina do dia a dia mais leve – “como a meditação, sair com os amigos, escalda-pés, praticar a religiosidade, retomar na rotina atividades de lazer”, sugere.
As profissionais da saúde lembram que a sobrecarga proveniente do excesso de jornada não é uma idiossincrasia da maternidade ou do feminino, mas sim resultado de uma série de padrões sociais e culturais que, embora tenham sofrido alguma alteração, continuam vigentes na contemporaneidade. Afinal, como avalia Sabrina Finamori, professora do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, embora ocupem cada vez mais papéis na sociedade, as mulheres seguem responsáveis por uma série de trabalhos tidos como próprios do feminino.
Nos últimos anos, vale registrar, elas passaram a ocupar cada vez mais espaços, sendo não apenas dedicadas aos cuidados no ambiente doméstico, como também provedoras ou coprovedoras de um sem-número de lares. Para se ter uma ideia, o percentual de domicílios brasileiros comandados por mulheres saltou de 25%, em 1995, para 45%, em 2018, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A desigual divisão das tarefas domésticas, contudo, segue uma realidade, sendo verificada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2019. O levantamento revelou que as mulheres dedicam 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e cuidados com pessoas simultaneamente, como, por exemplo, cozinhar enquanto olha os filhos. Entre os homens, são 10,9 horas semanais.
Considerando dados de outros anos, a Pnad indica que a dedicação masculina aos cuidados domésticos até cresceu, mas ainda muito timidamente. Em 2016, 61,9% dos homens se empenhavam em tarefas do lar, número que subiu para 78,2% em 2018. Mas também houve aumento entre as mulheres, de forma que o compartilhamento de tais responsabilidades segue longe do ideal: antes, 89,9% dedicavam-se aos afazeres da casa; agora, são 92,2%, considerando o mesmo período.
Prevenção
Apesar do contexto sociocultural que impõe às mulheres uma realidade de sobrecarga, Christiane Ribeiro defende a necessidade de elas tirarem um tempo para si próprias como forma de evitar quadros de síndrome da Mulher-Maravilha. “Existem meditações de poucos minutos, que já têm eficácia no manejo do estresse”, sugere a psiquiatra. Fazer pausas e não misturar atividades domésticas com a rotina profissional é outra dica.
Conselho semelhante é dado pela ginecologista obstetra Quesia Villamil. Ela diz ser fundamental, para evitar o esgotamento, que as mulheres aprendam a priorizar a si mesmas e aprendam que nem tudo cabe exclusivamente ou prioritariamente a elas. “Peça – e, principalmente, saiba aceitar – ajuda! A mãe não precisa e nem deve dar conta de tudo sozinha”, pontua. A médica ainda sugere às mães dosar suas expectativas. “Muitas veem na maternidade uma realização, mas devem entender que, como em qualquer relação, há alegria, mas também frustrações”, comenta.
Até um simples desabafo pode ajudar
Christiane Ribeiro destaca que um simples desabafo, mesmo que nas redes sociais, pode trazer alívio diante de tanta pressão. “Dividir sua experiência com outras mulheres que estão vivendo essa situação é uma forma de lidar com a angústia”, avalia.
A psicóloga e psicanalista Gabriella Cirilo concorda. “Sabemos das múltiplas jornadas que uma mulher possui, seja por escolha própria ou pelo papel social que é esperado dela. E a idealização da maternidade, no sentido de romantizar essa fase da vida, entra no bojo de expectativas que são depositadas sobre essas pessoas”, observa. “Acredito que, a partir da internet, com as redes sociais, a possibilidade de postar seus próprios vídeos, blogs e sites abriu um espaço importante para discutir e trocar vivências sobre qual é a real e verdadeira experiência de ser mãe”, comenta.
Porém, ela admite que esse tipo de manifestação ainda causa estranhamento – “pois a ideia da maternidade ou da família culturalmente aceita e esperada ainda é aquele conto de fadas, de forma que, ao exteriorizar não estar em conformidade com esse ideal, essa mulher pode ser, inclusive, punida, sendo alvo de críticas, como se, por reconhecer um estado de cansaço, ela fosse uma mãe pior”, assinala.
Síndrome da Mulher-Maravilha: armadilha dos novos tempos
Para especialistas, sentimento de que as mulheres, especialmente as mães, precisam dar conta de tudo pode acarretar diversos problemas de saúde
