Saúde mental

TDAH: saiba mais sobre o transtorno que atinge mais de 5% de população global

Especialista esclarecem sobre a condição psiquiátrica que apesar de comum segue cercada de estereótipos e desinformação


Publicado em 29 de março de 2023 | 05:30
 
 
 
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Uma mulher sobrecarregada com sua rotina diária é convocada para a tarefa árdua de salvar o multiverso da destruição. Em meio à batalhas e conflitos num mundo alternativo, ela acaba embarcando em uma viagem emotiva que a leva a descobrir diferentes versões de si mesma, e, por consequência, a lidar com os efeitos das decisões que cada uma das suas personalidades distintas faz em suas próprias realidades.

Esse é o enredo que guia "Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo", filme que foi o grande vencedor da 95ª edição do Oscar. O longa é um dos poucos a representar a realidade vivida por portadores do TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade), condição que atinge mais de 5% da população global, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Embora seja um distúrbio bastante comum, ainda existe muita desinformação e preconceito sobre o tema.

"O TDAH é um transtorno neurobiológico que se caracteriza por comportamentos hiperativos, impulsivos e de desatenção crônica. Pessoas com esse distúrbio tendem a sofrer de desorganização física e mental, impaciência e excesso de esquecimentos", explica a mestre em relações interculturais e especialista em terapia cognitivo-comportamental Renata Borja.

Segundo a especialista, a mente de um portador de TDAH, na maioria das vezes, não consegue filtrar estímulos e recebe todas as informações a que é exposta ao mesmo tempo.

"Uma pessoa com déficit de atenção encontra barreiras nas funções executivas, como memória operacional, controle inibitório e flexibilidade cognitiva. No geral, esses indivíduos sofrem de desatenção, perda de foco atencional e têm dificuldades em prestar atenção em qualquer atividade que não desperte seus interesses", diz Renata.

Christiane Carvalho Ribeiro, psiquiatra e mestre em medicina molecular pela UFMG, concorda e vai além.

"O TDAH está associado a níveis menores de um neurotransmissor chamado dopamina e a uma área do cérebro que se chama córtex pré-frontal. Essa região funciona com um maestro na mente coordenando nossas ações, nossas vontades, determinando como prestamos a atenção nas coisas, assim como nossa motivação sobre o que queremos fazer", afirma. 

Ela aponta também que é comum que pacientes adultos de TDAH venham a desenvolver outros transtornos de humor, como ansiedade, crises de pânico, irritabilidade e depressão.

"É quase uma regra e não uma exceção que pessoas com esse diagnóstico sofram também com outras comorbidades psiquiátricas. Isso acontece porque a própria falta de atenção e procrastinação gerados pelo TDAH fazem com que a pessoa acabe desenvolvendo uma auto imagem muito negativa, e isso acaba levando a uma maior predisposição a quadros de depressão, ansiedade, transtorno disfórico pré-menstrual, insônia e até mesmo o uso de drogas", observa.

A médica frisa que os sintomas do TDAH costumam se manifestar ainda na infância e se estendem pela vida adulta.

"Ele é mais prevalente na infância, e em cerca de 50% dos casos, esses sintomas permanecem ao longo da existência. Quando não há cuidados na vida adulta, eles podem levar a diversos prejuízos. É comum, inclusive, que um paciente que não se trate devidamente venha criar dependência em cigarro, álcool e drogas. Tudo isso na tentativa de compensar as dificuldades com sua inquietação e falta de atenção", alerta.

Além disso, Christiane destaca que a impulsividade e procrastinação decorrentes do quadro do transtorno muitas vezes geram conflitos nos relacionamentos profissionais e íntimos de um portador do TDAH.

"Esses comportamentos podem ser interpretados pelo parceiro ou parceira como uma falta de interesse e motivação. Em relação ao trabalho, a pessoa pode se sentir desmotivada com suas rotinas, ter dificuldades de organização e assim cometer erros críticos que venha impactar em sua carreira", ressalta.

A neuropsicóloga e mestre em processos cognitivos, Marina Celestino Soares, ressalta que a rotina de quem sofre com essa condição tende a ser extremamente debilitante.

"A vida de alguém com TDAH tem vários desafios já que a pessoa tem que lidar lidar de forma intensa com complicações como a procrastinação, a falta de planejamento e a dificuldade na gestão do seu tempo. Tudo isso repercute no lado emocional, muitas vezes abalando sua autoestima, trazendo culpa, assim como uma aumento da ansiedade", descreve.

A fonoaudióloga Aline Lamas Lopes, 40, sabe bem das dificuldades de viver com o transtorno. Diagnosticada aos 28 anos, ela conta que o peso das inquietações do TDAH no seu dia a dia é sempre desafiador.

"Não consigo gerir meu tempo, chego atrasada com frequência nos lugares, perco objetos com facilidade e meus pensamentos estão sempre acelerados. Tenho problemas para iniciar o sono e mesmo quando durmo, parece não ser reparador. Me sinto sempre exausta no final do dia. Manter a organização parece ser uma missão quase impossível", expõe ela.

Remissão é possível com tratamento

Apesar de todo sacrifício, especialistas afirmam ser possível atingir a remissão dos sintomas do TDAH ao longo da vida.

"Por ser um transtorno do neurodesenvolvimento, a pessoa sempre terá o TDAH, mas pode desenvolver estratégias para compensar seus prejuízos. Através de tratamentos como a psicoterapia, orientação parental, medicação e treinamento cognitivo, é possível que os pacientes tenham um melhor funcionamento ao longo da vida", argumenta Marina Celestino Soares.

Renata Borja sugere que a adoção de algumas estratégias funcionais pode permite uma vida mais saudável para quem sofre com TDAH.

"Eu mesma tenho o transtorno e durante a minha infância e adolescência sofri muito com as provas escolares em função da dificuldade de memorizar e decorar as lições. Hoje compreendo que o TDAH pode ter sido um grande diferencial na minha vida, pois fui obrigada a desenvolver estratégias para lidar e driblar as dificuldades e essas estratégias me tornaram mais resiliente", testemunha Renata.

"Já não vejo adversidades como uma problema, mas sim como uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento", arremata.

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