Espiritismo

Trajetória de Kardec no cinema

Longa do diretor Wagner de Assis estreia no próximo dia 16 e narra a vida missionária do francês


Publicado em 14 de maio de 2019 | 03:00
 
 
 
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O que fez o cético educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail rejeitar, a princípio, fenômenos como as mesas girantes e, aos 53 anos, mudar de vida e de nome, para dar voz e vez aos espíritos?

Foi esse questionamento que moveu o jornalista e escritor Marcel Souto Maior a escrever “Kardec: A Biografia”, retrato surpreendente do homem que se tornou símbolo de uma doutrina com milhões de seguidores e que ajudou a transformar o Brasil no maior país espírita do mundo.

O livro inspirou o roteirista, diretor e produtor carioca Wagner de Assis, 48 (“A Cartomante”, “Nosso Lar” e “A Menina Índigo”), a filmar “Kardec: A História por Trás do Nome”, que estreia nos cinemas de todo o país no próximo dia 16, tendo Leonardo Medeiros como intérprete do médium.

O filme mostra a poderosa história de transformação do professor de química, matemática, astronomia, física, fisiologia, anatomia comparada e francês, que enfrentou o preconceito e a resistência da sociedade do século XIX, a ira da Igreja e da academia e se tornou o porta-voz dos espíritos, deixando uma obra impressionante, sob o pseudônimo de Allan Kardec.

Espírita cristão, Assis persegue histórias que façam sentido, diz que a espiritualidade é um tema que o atrai, mas é a universalidade dessas narrativas que lhe “permite contar histórias que sejam de alguma forma interessantes para todas as pessoas”.

E é isso que o diretor faz em “Kardec”, que ele define como cinebiografia. A fotografia é belíssima e confere à película dignidade estética.

O ator Leonardo Medeiros, que interpreta Kardec, conseguiu humanizar o personagem e mostrar seus conflitos internos de forma magistral.

O diretor deu voz à esposa de Kardec, Amélie-Gabrielle Boudet, com atuação soberba de Sandra Corveloni, lançando luz sobre a importância de seu apoio à obra daquele que seria conhecido como o codificador da doutrina espírita.

“A trajetória de Kardec tem forte apelo para as pessoas que se permitem novidades ao longo da vida e, com o uso da razão ou não, decidem aprender coisas novas e se deixam levar por elas, conduzindo suas vidas a partir desses novos conhecimentos”, comenta o diretor.

Missionário

O cineasta ressalta a atualidade do legado de Kardec. “Em pleno século XXI, ainda estamos falando de buscas espirituais, da necessidade de tolerância religiosa, filosófica e de questões morais e éticas, que são o que mais precisamos atualmente”.

Para ele, “Kardec”, o filme, é uma história de transformação poderosa. “O homem foi um missionário que enfrentou todos os obstáculos e dificuldades, tanto pessoais como sociais, inerentes à jornada de um herói, ao melhor estilo mitológico”, diz.

Retratar o codificador da doutrina espírita na Paris de 1850 foi o maior desafio do diretor. “Praticamente tivemos que reconstruir visualmente uma cidade que não existe mais. Fomos filmar lá, mas depois houve muito trabalho de computação gráfica. Buscamos cenários e figurinos absolutamente coerentes com a época. E desenhamos uma fotografia condizente com a história”, comenta Assis, que, com essa obra, fortalece a chama acesa por Kardec.

Ideia é chegar a muitas pessoas

O cineasta Wagner de Assis acredita que um filme não precisa passar uma mensagem maior do que aquela que a história quer contar.

“Ao vermos a trajetória de Rivail para Kardec, entendemos o quanto fé e razão podem andar juntas, o quanto podemos e precisamos acreditar em nossos ideais e buscar nos conhecer para atingir nossas metas”, comenta Assis.

Além disso, diz ele, o filme mostra a importante presença da mulher dele, Amelie Gabrielle (Sandra Corveloni). “Ela também se envolve na descoberta do mundo espiritual, nas transformações pessoais e, consequentemente, nas brigas para compartilhar esse conhecimento com o mundo”.

O cineasta, que verá seu filme estrear nesta quinta-feira, em todo o Brasil, prefere não pensar em expectativa de público. “Esse é sempre um bom exercício, porque nos tira de um lugar que não tem a menor base de realidade – ao menos até a estreia do filme. Daí, faz um bem incrível não pensar em números enquanto estamos filmando”, diz.

Ele considera que o interesse das pessoas por histórias que falam da condição humana passa pelas questões espirituais. “Foi isso que vimos em ‘Nosso Lar’. Foi um sinal de que estamos contando histórias para um maior número possível de pessoas. Que seja assim também com a vida de Kardec”, espera Assis.

Um das cenas mais tocantes do filme, quando os parisienses saem às ruas querendo a morte de Kardec e dos médiuns, reafirma o entorpecimento religioso mundial que ainda atira pedras, condena e mata por causa da diversidade. Ainda falta muito para que a humanidade passe a ser como desejou Kardec: “Um dia vão deixar de nos jogar pedras”.

“Estamos em processo espiritual evolutivo”

Hippolite Léon Denizard Rivail foi reconhecido posteriormente como Allan Kardec, o educador francês nascido em 1804 e que codificou o espiritismo a partir de 1857. Questionado sobre o que de Kardec permanecerá com ele, Leonardo Medeiros conta: “Kardec não acreditava em dogmas. Usou a ciência disponível em seu tempo para abordar fenômenos espirituais que se manifestavam no universo físico. Assim como ele, me aproximo da realidade sutil com cautela e ceticismo”.

O ator diz que o trabalho de aprofundamento no personagem histórico o ensinou o valor da persistência e da tenacidade, “qualidades de Kardec sem as quais não teríamos hoje seus ensinamentos. Kardec é um paladino da defesa do direito de expressão e da liberdade de expressar convicções pessoais”.

E complementa: “O preceito espírita que mais me impressionou foi a ideia de que estamos aqui de passagem em um processo espiritual evolutivo. É premente conquistar a sensação de sermos melhores hoje do que éramos ontem. Algo a ser conquistado dia após dia”, observa Medeiros.

“Entrei em contato com realidades desconhecidas”

Leonardo Medeiros dá vida a Allan Kardec. Vegetariano, ele se diz independente em suas crenças pessoais, um “pesquisador solitário”. “Considero imensamente os ensinamentos de Kardec, apesar de acreditar que, se ele estivesse encarnado hoje, diante da evolução da ciência nos últimos 150 anos, o resultado de suas pesquisas seria bem diferente. Também tenho muito carinho pela doutrina budista tibetana, que compartilha com o kardecismo grande coleção de concordâncias”, diz.

Para viver Kardec, Medeiros tentou se conectar sem travas com o universo da sensibilidade sutil. “Assim como muitos colegas, chamo de ‘mágica’ o estado alterado de consciência em que nos encontramos em alguns momentos de epifania na realização do trabalho de ator. Em ‘Kardec’, me emocionei várias vezes com essa epifania e entrei em contato com realidades desconhecidas. Mas não tenho como articular essas sensações em uma narrativa concreta e compreensível”, conta.

Fenômeno

Brasil. Há pelo menos 3,8 milhões de seguidores da doutrina de Allan Kardec, que fazem do país a maior nação espírita do planeta. Estima-se que 40 milhões sejam simpáticos às suas ideias.

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