Aline Miranda
Fisioterapeuta da UFMG

O traumatismo cranioencefálico (TCE) está entre as principais causas do atendimento médico de emergência e é um importante problema de saúde pública, com significativo impacto social e econômico. Em Minas, 80% estão relacionados a acidentes de trânsito.

Quais são as estimativas de ocorrência deste problema no Brasil?

O traumatismo cranioencefálico (TCE) é  considerado uma importante causa de morte e incapacidade, acometendo principalmente pessoas com menos de 45 anos. No Brasil, os estudos sobre o tema são escassos. Até o momento, apenas dois estudos apresentaram dados baseados em registros do Datasus – o mais recente, baseado em informações registradas entre 2008 e 2012, mostrou que houve aproximadamente 125 mil internações hospitalares por ano devido ao TCE, com incidência de 65,7 admissões hospitalares por 100 mil habitantes por ano, com 9.715 mortes, correspondendo a uma taxa de mortalidade de cerca de 5,1 por 100 mil habitantes por ano. Além disso, o custo médio anual com despesas médicas foi de R$ 156,3 milhões, com média de custo de R$ 1.235 para cada internação hospitalar.

E em Minas Gerais?

Particularmente aqui, o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em Belo Horizonte, é um centro de referência em politrauma que realiza atendimentos de alta complexidade em urgência e emergência pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Levantamento realizado por nosso grupo de pesquisa revelou que, em um mês, o hospital atende de 500 a 1.000 casos, dos quais 70% a 80% são leves e têm como causas principais quedas ou acidentes no trânsito. As vítimas geralmente são homens de 34 anos. Um dos objetivos é conduzir um estudo do ponto de vista epidemiológico que revele as estimativas referentes a Minas, o que pode, em um futuro, contribuir para nortear políticas de saúde pública para a população acometida pelo TCE.

Quais costumam ser os principais efeitos do trauma nas primeiras 24 horas?

O nosso estudo tem sido conduzido com pacientes vítimas de TCE, classificados do ponto de vista de gravidade como leves. Os traumas leves são os mais frequentes. De forma geral, os sintomas apresentados nas primeiras horas incluem dores de cabeça, desmaio, tonturas, náusea, enjoos, confusão mental, redução de concentração e memória, podendo ou não ocorrer perda de consciência. Nos casos mais graves, o paciente pode apresentar um quadro de coma que pode levar à morte.

As primeiras horas são fundamentais para a equipe médica avaliar sequelas?

Nos casos moderados e graves, sem cuidados imediatos, o risco de sequelas significativas, coma e até morte é alto. Já em vítimas de um trauma leve, é difícil afirmar com certeza que o paciente irá apresentar sequelas futuras como perda de memória, transtornos de ansiedade e depressão. O que os estudos mostram é que há uma possibilidade significativa e que as sequelas podem ocorrer dias, meses ou anos após o trauma. O almejado é que esses pacientes recebam assistência nas primeiras horas após o trauma e que sejam acompanhados por profissionais por pelo menos um ano para que potenciais sequelas possam ser identificadas. No Brasil, estima-se que mais de 1 milhão vive com sequelas neurológicas decorrentes do TCE.

Como foi realizado o estudo clínico com pacientes atendidos no hospital João XXIII?

O estudo consiste em avaliar esses pacientes em um período de 24 horas após o trauma e depois acompanhá-los em períodos de 30 dias, seis meses e um ano após o ocorrido. Em todos os períodos, os pacientes são avaliados quanto aos aspectos clínicos, cognitivos e comportamentais. Além disso, análise do sangue realiza busca por indicadores inflamatórios que possam auxiliar na identificação das possíveis sequelas. Os pacientes realizam ainda, 30 dias e um ano após o trauma, exames de ressonância magnética para análise da estrutura do cérebro. Até o momento, demonstramos que os pacientes apresentam alterações cognitivas principalmente de memória em até 24 horas após o traumatismo cranioencefálico. Ainda, após 30 dias do evento traumático apresentam alterações de comportamento que podem comprometer suas atividades diárias. No momento, os pacientes estão retornando para as avaliações após seis meses e um ano.

Como você avalia as atuais políticas de saúde para o acompanhamento dos pacientes com trauma?

A minha opinião é baseada no que temos estudado e observado. O hospital João XXIII, oferece atendimento de excelência a esses pacientes. Entretanto, é um hospital de urgência que recebe inúmeros casos que não apenas os de traumatismo cranioencefálico. Portanto, não é papel primário o acompanhamento em longo prazo dos pacientes vítimas de traumatismo cranioencefálico, principalmente leve. Uma das metas do estudo é mostrar a necessidade de os pacientes serem acompanhados por mais do que 24 horas por meio da criação de um ambulatório associado à UFMG, retornem para avaliação das consequências em longo prazo e possam receber acompanhamento e tratamento especializados.

De que forma essa pesquisa pode ajudar a desenvolver novas terapias?

O sucesso de novas terapias depende da melhor compreensão dos fatores que levam às sequelas decorrentes do TCE. Hoje, por meio de modelos experimentais, temos buscado identificar quais seriam esses fatores e como eles estão envolvidos nas diferentes alterações no curto, médio e longo prazo que o traumatismo cranioencefálico pode levar. Além disso, estamos iniciando experimentos com modelos animais, investigando o efeito de drogas com segurança clínica já comprovada, mas que foram originalmente desenvolvidas para outras condições. O intuito é avaliar se essas terapias podem melhorar ou prevenir as sequelas do traumatismo cranioencefálico.

Recentemente você foi uma das ganhadoras da 14ª edição do “Para Mulheres na Ciência”, prêmio desenvolvido pela L’Oréal Brasil em parceria com a Unesco no Brasil e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Como esse reconhecimento irá contribuir na sua pesquisa?

Primeiramente, foi uma alegria e uma honra imensa ter sido contemplada com esse prêmio tão significativo e voltado ao empoderamento feminino. É um reconhecimento que tem aberto portas importantes no meio científico, aumentado a confiança no meu trabalho, a visibilidade de um tema com grande impacto e que trouxe ainda uma motivação enorme para continuar a fazer ciência. Representa, além de tudo, uma voz importante, a nós mulheres e cientistas, em tempos em que a pesquisa e as universidades, em especial as públicas, têm sido tão desvalorizadas e injustamente ameaçadas.