A família dos meninos que foram resgatados na última semana desnutridos e trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, região Noroeste de Belo Horizonte, recebeu contatos de uma suposta assistente social que passava notícias sobre as crianças, o pai e a mãe ao longo dos últimos anos. A informação foi obtida por O TEMPO, com exclusividade, nesta segunda-feira (27 de fevereiro).
De acordo com a avó paterna das criança, que vive em Valparaíso de Goiás e preferiu não ser identificada por medo, uma pessoa que dizia ser uma assistente social de São Paulo, identificada como Aline, entrou em contato com ela por telefone.
"Ela falava que a Katia estava em abrigo e os meninos estavam no lugar onde ficam criançsa para ser adotada. Ela me mandava fotos das criança sentadas numa mesa, merendando. Eu só não via a Katia", detalhou a avó dos meninos.
Ainda conforme a mulher, em dado momento, essa suposta assistente social teria mudado a versão e dito que Katia teria se apaixonado por uma mulher que trabalhava no abrigo e ido viver com ela e as crianças, em São Paulo.
Os áudios foram enviados pela senhora para a manicure Viviane do Nascimento Pereira Santos, de 29 anos, que foi uma das vizinhas que denunciaram e ajudaram no resgate aos dois garotos na última semana. Foi ela quem, após obter informações dos advogados de Katia, conseguiu localizar a família em Goiás pelas redes sociais.
"Eu mostrei as fotos dessas filhas da tal 'Terezinha', que se passava por avó das crianças, e a verdadeira avó paterna me confirmou que uma delas seria essa suposta assistente social que entrava em contato com ela", contou.
A avó, que garante que o casal nunca fez mal aos filhos enquanto viveram em Goiás, aproveitou o contato dos advogados mineiros para pedir ajuda para encontrar o filho, Wellington Camelo Gomes, de 31 anos. O homem não conversava com a família desde sua vinda para Minas, há cerca de 2 anos.
Avó quer ficar com crianças
Viviane afirma ainda que, nas conversas que teve com a avó paterna das crianças maltratadas, a senhora disse querer ficar com as crianças, porém, também afirmou que não teria condição financeira sequer para vir até Minas Gerais.
"Até então não temos retorno nenhum sobre os paradeiros dessa 'Terezinha' e nem das filhas dela, que, para nós, seriam quem verdadeiramente deveria estar preso. Por isso cobramos o empenho das autoridades para encontrar essas pessoas e, também, ter uma resposta positiva da Justiça sobre a prisão da Katia, que não tem que ser colocada como acusada, mas sim como vítima", completa Andrezza Araújo, advogada que está ajudando a mãe dos meninos.
Entenda o caso
O resgate
As crianças, de seis e nove anos, foram resgatadas na terça-feira, 21 de fevereiro, trancadas em um apartamento do bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte. Segundo a Polícia Militar, elas estavam com sintomas de desnutrição e febre. Elas ficaram trancadas por três dias, sem alimentação.
Conforme informado pela polícia, as vítimas estavam magras, usavam roupas sujas e o ambiente onde elas estavam era escuro e encardido. Após o resgate, as crianças foram encaminhadas para o hospital Odilon Behrens, no bairro São Cristóvão.
A denúncia
A denúncia foi feita por uma vizinha, a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos. Ela acionou a polícia depois que percebeu que elas estavam sozinhas no apartamento e sem o auxílio de familiares. Ela tentou alimentar as crianças por um buraco na parede do apartamento. A porta da residência onde elas estavam foi trancada com um cadeado e correntes.
O local em que as crianças estavam
Conforme a denunciante, no local em que as crianças estavam, havia uma vasilha de comida com bicho. Em entrevista ao TEMPO, ela descreveu o cenário. "Encontramos muita sujeira, o cheiro era tão forte que, quando os policiais abriram a porta, nem eles aguentaram. A gente se emocionou muito quando vimos os dois, com os bracinhos fininhos, um deles sem conseguir nem falar. Aí começamos a chorar. Aqui tudo sujo, tudo podre, vasilha com bichos, colchão no chão", relatou.
Menino sentiu cheiro de churrasco e pediu comida
Uma das crianças resgatadas pediu um pouco de comida para a vizinha depois que sentiu o cheiro do churrasco que era feito por ela. "Meu sobrinho estava andando de bicicleta aqui e, pelo buraquinho, ele viu e pediu um pouco de comida. Meu sobrinho, que tem mais ou menos a idade dele, veio até mim e contou. Fui até a porta e vi os dois, um deles disse que estava com fome e pediu churrasco para ele e o irmão. Pedi para ele abrir a porta, e ele falou que podia ser por ali mesmo. Falei que a vasilha não cabia no buraco. Ele, então, sugeriu que eu colocasse em uma sacolinha e disse 'eu estou com muita fome, me dá churrasco'", detalhou a vendedora Poliana dos Santos, de 37 anos, responsável por fazer a denúncia para a polícia.
A criança disse para a vendedora que elas estavam acompanhadas da avó. No entanto, o menino voltou a pedir comida durante a noite daquele dia, o que intrigou a vizinha e indicou de que elas estariam sozinhas.
Os responsáveis pelas crianças
A investigação apontou que as crianças são filhas de uma mulher, de 30 anos, que foi presa por maus-tratos a outro filho, morto no último dia 6 de fevereiro. O caso foi registrado em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. De acordo com o boletim de ocorrência, no início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo.
O pai biológico das crianças, segundo a apuração do caso, teria morrido de Covid-19, em 2020. Em depoimento à polícia, uma das vítimas resgatadas no apartamento, na última terça-feira (21), informou que elas haviam vindo de São Joaquim de Bicas, na semana anterior ao resgate, e que a avó teria passado a noite de sábado (18) com elas, mas não retornou.
No texto, que O TEMPO teve acesso com exclusividade nesta sexta-feira (24), a mulher começa pedindo perdão ao irmão. "Me perdoa por tudo que está acontecendo", escreveu. "Proteja os meninos por favor, se você pode cuidar deles, pois não sei quando sairei daqui", continua Kátia.
Em seguida, Kátia ainda afirma que, se o irmão quiser a guarda dos filhos, "pode pedir que eu assino". A mulher está presa desde o dia 6 de fevereiro, quando levou o filho de 4 anos para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) já sem vida. Ela estava acompanhada, na ocasião, de um homem de 31 anos que, no dia seguinte, acabou preso sob suspeita de envolvimento no crime.